Alcatéia

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  Aquilo só podia ser um pesadelo, estava sonhando, aquilo não podia estar acontecendo. Seus pais haviam abandonado Pacífica na floresta para morrer por um animal silvestre ou algo do gênero, seus pais sabiam que ela não tinha nenhuma experiência em sobreviver, não tinham escolha.

  Estava sendo uma época difícil para sua família, era uma família pobre, de um casal e quatro filhos. O pai que sustentava a família não podia mais trabalhar pois estava ficando velho, quando, no pior momento de suas vidas, uma alcatéia de lobos invadiu a pequena casa da família que ficava no meio da floresta em busca de alimento para sobreviver. O casal e a filha mais nova de apenas três anos sobreviveram, mas os trigêmeos foram comidos vivos pela fome incessante dos lobos, que teriam matado os três restantes se não tivessem sido parados pelo impacto das balas da velha espingarda que fora atirada num canto da sala e não usada até aquele momento.

  Pacífica, de agora dez anos, não podia acreditar que seus pais fariam isso, ela não se importava que eles não podiam mantê-la, só queria um lugar, um lar para ficar. Podia sentir seu suor escorrendo gelado pela sua testa, mesmo estando nevando, seu coração acelerava a cada passo que dava, queria encontrar algo familiar, mas não achava nada. Estava faminta e confusa, só não parava de correr por cada lembrança daqueles lobos que mataram metade da sua família anos atrás.

  Algum tempo se passou e Pacífica foi vencida pelo cansaço, sentou-se perto de uma árvore e tentou se aquecer o máximo possível em meio ao seus casacos, adormeceu. Ao acordar, mais faminta do que nunca, procurou comida, sabia que não adiantava gritar por ajuda, ninguém ia àquela região nem morto. Não avistava fruta alguma nas árvores por causa do inverno rigoroso, não sabia caçar, seu pai preferia ensinar aos filhos do que as filhas, porque acreditava que não adianta nada ensinar uma menina que ela faria tudo errado, isso deixava Pacífica com nojo de seu próprio pai.
Ignorando os pensamentos, conseguiu pegar um esquilo. No momento ficou orgulhosa por apanhar um animal rápido e ágil, mas quando chegou a hora de matar a pequena criatura seu coração se quebrou, conseguia quase ouvir o animal gritando "Não faça isso" e soltou-o. Estava urrando de fome, seu corpo implorava por alimento, sendo assim desmaiou em meio a neve.

  Acordou tonta, com uma tremenda dor de cabeça. Olhou em volta e se viu dentro de um tipo de caverna em cima de uma cama cheia de mantas quentinhas. Se perguntava quem a trouxera ali e porquê. Queria sair para ver se encontrava alguma coisa, mas as cobertas eram tão aconchegantes e quentes que adormeceu mais uma vez. Quando acordou sentiu uma respiração ofegante e quente em seu rosto, abrindo os olhos, seu coração acelerou com um passo involuntário para trás, era um lobo, realmente, uma das criaturas que assasinara seus irmãos bem na sua frente. Antes de fazer qualquer movimento, lembrou-se do que seu irmão Will falou sobre os animais predadores, "Só irão atacar se você ameaçá-los", com essa lembrança ficou imóvel apenas encarando aquele enorme animal.

  De repente, o lobo de olhos verdes brilhantes, se virou para provávelmente pegar alguma coisa. Pacífica só ficou o observando com os olhos arregalados. O lobo abocanhou um pato morto ensanguentado, e colocou em cima da cama, vendo que Pacífica estava sem reação, tentou ser mais claro empurrando-o com o focinho para mais perto dela. Pacífica hesitou, mas pegou o animal morto com as mãos tremendo de frio, fome e medo. Rasgou a carne do animal com os seus dentes, o gosto era péssimo, mas em seu estado, qualquer coisa servia. Viu sua fome passar e o lobo se sentar, esfregando a pata na orelha, Pacífica murmurou um "obrigado" e depois adormeceu mais uma vez com o lobo ao seu lado.

Os lobos e a meninaOnde histórias criam vida. Descubra agora