São Paulo, 16 de abril de 1985
A sala de aula zunia com pequenas conversas paralelas dos alunos enquanto a professora de matemática, Cristiane - ou como os alunos carinhosamente a apelidaram, Cris - fazia a chamada para começar a aula. Os alunos, todos por volta de 7 ou 8 anos, esperavam seus nomes serem chamados enquanto conversavam.
- Natália.
Uma garota de pele escura e cabelos cacheados no fundo da sala levantou a mão. A professora tomou nota da presença da menina, ajeitou os óculos e continuou.
- Octávio.
O menino loiro sentado na primeira cadeira soltou um suspiro. Lá vamos nós, pensou o menino, ao mesmo tempo que levantou a mão para que a professora o visse. Ao mesmo tempo que a professora levantou os olhos da lista de chamada para verificar a presença do aluno, os barulhos começaram. Barulhos falsos de choro, soluços e resmungos; Octávio tinha certeza que se olhasse em volta veria seus colegas de classe coçando os olhos ou chupando o polegar, imitando um bebê.
Era assim todos os dias. Ser o aluno mais novo da segunda série já seria ruim o suficiente se ele tivesse 6 anos; por mais que ele tenha o tamanho e a capacidade intelectual de uma criança de 7 anos, Octávio nasceu dia 8 de janeiro de 1980.
5 anos atrás.
O garoto abaixou a mão e continuou olhando para frente. Os professores disseram que o melhor era ignorar. Eles não poderiam impedir crianças de serem crianças, apenas tentar proteger o alvo delas. A escola não podia simplesmente manter um garoto em perfeitas condições de cursar a segunda série atrasado dois anos; Octávio provara que era capaz de acompanhar a turma com tranquilidade diversas vezes e era um menino estudioso, muito por influência de sua mãe. Ela sempre insistia para que ele estudasse para "ser alguém na vida", mas o garoto sabia que essa era a maneira dela de dizer que não queria que ele acabasse como seu pai: desempregado, bêbado e, no presente momento, desaparecido. Octávio não podia dizer que sentia falta do pai... presenciara ele espancando sua mãe vezes demais para isso. Ele mesmo apanhou algumas vezes. Mas sua mãe sentia; sentia saudade do homem que ele era antes do álcool... antes de Octávio nascer.
Cristiane pediu silêncio e os choramingos pararam. Ela lançou um olhar de solidariedade para o menino, mas ambos sabiam que nada poderia ser feito. Cristiane era a única professora que parecia fazer algum real esforço para que Octávio se sentisse confortável no ambiente escolar, e sempre o tratou com o dobro de carinho, mas nunca com pena. Octávio detestava que sentissem pena dele.
Ela era sua professora favorita de longe.
A chamada terminou e a aula seguiu normalmente. Octávio gostava da matéria, as contas e problemas eram até divertidos, mas a experiência era estragada por alunos jogando bolinhas de chiclete e de papel nele, cutucando-o, cochichando. Ele fazia seu melhor para prestar atenção (em silêncio obviamente, pois se levantasse a mão para responder alguma coisa os choros debochados iriam recomeçar), mas hoje os seus colegas pareciam especialmente inspirados. Chegando no fim da aula, o humor do garoto já estava péssimo; ele tentou se preparar para o intervalo, mas, quando o sinal tocou, ele não se sentia pronto para a saraivada de zombarias que viriam. O garoto se encolheu na cadeira. A professora liberou a sala e ele nunca quis tanto ser invisível.
Octávio podia ver os colegas se aproximando da sua mesa, e ele se encolheu um pouco mais.
- Octávio? Pode vir aqui um instante? - Cristiane chamou enquanto ajeitava o coque de fios grisalhos.
O menino levantou-se num salto e correu até a mesa da professora, suspirando de alívio.
- Sim professora?
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Tempesta
Science FictionBrasil, 1985. Octávio, um garoto com poderes extraordinários, falha em se encaixar na sociedade e é levado para o Hospital, um lar para pessoas "não-humanas" como ele. O Hospital logo se torna sua casa e sua escola, mas com o passar do tempo Octávio...