Capítulo 2 - Chuvisco

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???, 16 de abril de 1985

Octávio não sabia ao certo há quanto tempo estava naquele porta-malas, mas suas pernas doíam por estarem há tanto tempo encolhidas desconfortavelmente. Ele olhou pela janela, mas não sabia dizer se ainda era cedo ou se já estava entardecendo porque as nuvens escuras e a chuva escondiam o sol. Tudo que o garoto sabia era que estavam na estrada, saindo da cidade. Ele pensou na conversa que teve com sua professora mais cedo.

"Se... se eles me pegarem... o que vão fazer comigo?"

"Não sei querido, não sei... mas com certeza não é bom."

Octávio tirou os olhos da janela para encarar os homens conversando dentro do carro. O garoto sabia que deveria sentir raiva dessas pessoas, mas no momento ele não conseguia achar forças para sentir nada. Seu corpo parecia fraco, suas mãos tremiam, todo aquele sentimento frenético que parecia acordar seu corpo e insistia que ele lutasse tinha desaparecido, e agora tudo que ele queria era dormir. Seus olhos pesavam toneladas, mas ele não podia dormir. Tinha que estar alerta quando os homens parassem o carro... precisava ficar acordado...

Os olhos do menino se fecharam e sua mente exausta deixou o leve balanço do carro e o som familiar da chuva trazerem o sono.

§

Uma freada brusca fez com que a cabeça de Octávio se chocasse com a lateral do porta-malas e o garoto acordou, assustado.

- Olha a lombada, imbecil!

- Já vi, calma.

Por um segundo, o menino não lembrou onde estava; ele olhou em volta, confuso, e então as memórias voltaram como um soco no estômago.

Joguei o Marcos pela janela. Fui pra casa... Cris... mãe... ela chamou eles. Ela não me quer Me levaram embora Eu não vou voltar pra casa

Sentindo-se zonzo, Octávio virou a cabeça para olhar para o interior do carro, quase esperando estar em um lugar diferente. Seu estômago pareceu afundar ao ver que os dois homens no banco da frente continuavam discutindo sobre sinais de trânsito; um outro no banco de trás parecia estar dormindo, e havia uma arma enorme ao lado dele. Octávio não tinha certeza se queria saber em quem eles pretendiam usar aquilo.

A chuva tinha parado, e o garoto conseguia ver melhor a paisagem pela janela. Eles estavam em uma cidade de novo, mas tinha algo de diferente. Os prédios estavam todos a distâncias iguais uns dos outros, e pareciam todos idênticos: quadrados, tons de branco e cinza, mesma altura, poucas janelas. Alguns poucos eram diferentes, e havia também um grande espaço aberto com alguns blocos de concreto nas laterais formando uma espécie de arquibancada; o lugar lembrava o menino da quadra onde os garotos da escola jogavam futebol no recreio, mas essa era muito, muito maior,  e sem gols nas pontas da quadra.

Algumas pessoas de branco circulavam pela rua; garotos e garotas de várias idades, usando roupas idênticas diferenciadas apenas pelas golas das camisas, que tinham algumas cores diferentes; todos sendo observados de perto por adultos de uniforme também branco. A maioria conversava calmamente entre eles, e alguns só caminhavam em silêncio. Nenhum deles parecia assustado pelas armas descansando nos cintos de alguns dos adultos.

O carro continuou se movendo por mais alguns quarteirões até parar na frente de um dos prédios brancos. O homem que estava no banco do passageiro desceu do carro, deu a volta no veículo e abriu o porta-malas; Octávio imediatamente se encolheu, como se tentasse se fundir com o forro do porta-malas e sumir. A expressão do homem permaneceu vazia enquanto ele agarrava o braço do garoto e o puxava para fora com força. O menino teria caído no chão, mas a mão em seu braço o manteve de pé e, mesmo depois de recuperar o equilíbrio, a mão permaneceu no mesmo lugar, impedindo-o de se mexer.

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