???, 16 de abril de 1985
Octávio foi guiado por Ozzy para fora do prédio e os dois andaram por duas quadras até chegar em um novo prédio igual a todos os outros, menos no andar térreo: as portas de vidro eram grandes e estavam escancaradas, e lá dentro o garoto conseguia ver um balcão e mesas.
- Essa é uma das cantinas do complexo. - Ozzy comentou quando entraram. - a maioria dos alunos não come nelas porque precisa pagar pela comida, mas tem vários refeitórios espalhados por aí pros alunos usarem de graça. Amanhã eu te mostro alguns.
Octávio olhou em volta. Parecia uma padaria. Algumas mesas para um lado, um balcão com algumas comidas à mostra na "vitrine" na frente de uma chapa que um dos funcionários estava usando para preparar um sanduíche, e um caixa um pouco mais para o lado do balcão.
- Eu não tenho dinheiro pra pagar. - o menino murmurou, incomodado. Será que eu vou ficar sem comer até conseguir ir nesse refeitório que ele falou?
- É claro que não tem, eu que vou pagar. Só escolhe o que quer comer. - Ozzy colocou um cardápio de plástico na mão do menino.
Octávio pensou em discutir; sua mãe o tinha ensinado a não incomodar os outros e não deixar que as pessoas saíssem comprando coisas para ele, mas estava com fome e achou melhor aproveitar a chance enquanto ela ainda existia. Dada a experiência do menino na própria casa, não era sempre que alguém estava disposto a arranjar comida para ele. Rapidamente se decidiu por mais um misto-quente e uma garrafa de água; Ozzy pediu, pagou, os dois pegaram seus sanduíches e o homem conduziu Octávio até uma das mesas.
O garoto não tinha reparado até então, mas algumas outras pessoas comendo ali estavam encarando-o estranhamente. Octávio não gostava daquela sensação. Ele se encolheu um pouco na cadeira e voltou sua atenção para a mesa e o adulto à sua frente.
- Ozzy?
- Hm? - Ozzy encarou o menino. Ele parecia tranquilo.
- As pessoas tão olhando... - Octávio quase sussurrou.
Por causa dos seus poderes o garoto sempre tentou chamar o mínimo de atenção possível para si mesmo. Todos aqueles olhos nele eram extremamente desconfortáveis, especialmente porque eram de adultos. Ozzy olhou em volta. Alguns dos adultos desviaram o olhar quando a vista de Ozzy passou por eles, mas outros se mantiveram encarando o garoto e cochichando entre si.
- Tão mesmo. - Ozzy deu de ombros. - não precisa se preocupar, eles só não tão acostumados a ver alunos por aqui, especialmente sem uniforme. Nenhum deles vai te fazer mal.
- Ok. - Octávio tentou soar mais confiante do que se sentia e voltou a comer, mas a sensação ainda era muito incômoda e seu corpo permanecia tentando se encolher, se esconder, contra a sua vontade.
Ozzy pareceu perceber o desconforto do menino e se levantou. Octávio observou, confuso, enquanto o homem foi até o balcão e voltou com duas pequenas caixas de isopor como as que ele tinha trazido o sanduíche da última vez, e entregou uma ao garoto enquanto tirava seu próprio sanduíche do prato e colocava dentro da caixinha. Quando percebeu que Octávio continuou parado, Ozzy voltou sua atenção para o menino.
- Vem, vamos lá pra fora. Esses caras são todos uns chatos mesmo. - Ozzy abriu um sorriso cúmplice.
Alívio inundou o peito de Octávio e ele rapidamente pegou seu sanduíche também e saiu atrás de Ozzy.
§
Octávio observou mais um pequeno ônibus cinza passar na rua à frente deles. Agora são quatro. Dois cinzas e dois pretos.
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Tempesta
Ciencia FicciónBrasil, 1985. Octávio, um garoto com poderes extraordinários, falha em se encaixar na sociedade e é levado para o Hospital, um lar para pessoas "não-humanas" como ele. O Hospital logo se torna sua casa e sua escola, mas com o passar do tempo Octávio...