???, 16 de abril de 1985
Octávio teve um sonho esquisito. No sonho, homens estranhos o levavam embora de casa e ele conversava com um homem de olhos azuis brilhantes; de repente o sonho mudou e o menino se viu flutuando no meio de um vazio.
Não havia nada além de escuridão à sua volta; não tinha chão, teto ou ao menos um para cima ou para baixo. Era só... nada. Octávio se perguntou se ele deveria estar assustado, mas tudo que ele sentia era uma calma que parecia inabalável.
Ele não sabe quanto tempo ficou lá, existindo. Minutos? Horas? Dias? Nada disso parecia relevante.
Ele também não sabe ao certo quando começaram. As luzes. Uma vez que elas apareceram, foi como se elas sempre estiveram lá; fios prateados e brilhantes espalhados por toda a extensão do Nada, girando, enrolando-se uns nos outros ou movendo-se sozinhos sem direção, como se estivessem embaixo da água, todos vindos de um bloco disforme de luz prateada que brilhava ao longe. Um dos fios se aproximou do menino e Octávio levantou a mão para tocá-lo.
Antes que seus sentidos pudessem processar qual era a sensação de tocar aquele fio de luz, todo aquele Nada foi preenchido por diversas imagens da sua mãe. Ela sorrindo, brigando com ele, triste, e a maior de todas, sua mãe de joelhos chorando e pedindo perdão por algo que ele não conseguia de forma alguma lembrar o que era. Todas aquelas imagens de uma vez eram esmagadoras, eram demais, e o garoto puxou a mão para perto do corpo por instinto.
E fácil assim, ele estava de volta no Nada. Encarando aquele fio prateado.
Quê?
Os fios continuaram se movendo como antes, imperturbáveis. Menos um. Um deles se movia estranhamente rápido comparado com os outros, como se estivesse sendo puxado por uma mão invisível. Ele passou perto o suficiente para que o garoto pudesse tocá-lo, e assim que o Octávio o fez ele foi novamente arremessado naquele mundo de imagens, mas essas eram muito diferentes.
Marcos sendo arremessado contra a janela numa explosão de cacos de vidro; Seu pai sendo jogado contra a parede; Aquela vez no jardim de infância que Octávio empurrou um colega por causa de um brinquedo e o menino caiu e bateu a cabeça; Homens de preto sendo jogados em várias direções; Um raio caindo do céu e acertando um deles em cheio.
Com uma pontada de pânico - eu não queria foi um acidente -Octávio puxou a mão para trás como se tivesse sido queimado, mas uma vez que mergulhou de novo na escuridão, a calma do Nada o embalou de novo.
Ainda próximo de Octávio, o fio começou a se contorcer estranhamente até que, depois de um movimento especialmente bruto, se rompeu em dois. Um dos lados seguiu fluindo até desaparecer de vista e o outro, ainda preso á luz ao longe, continuou perto do garoto, agora se movendo como os outros fios.
Isso não durou muito; o fio em seguida parou completamente de se mexer e começou a se reconstituir a partir da parte rompida, voltando ao seu comprimento normal. Mas algo estava diferente. A parte reconstruída não brilhava como o resto do fio e o tom prateado era diferente. Octávio hesitou, mas esticou a mão mais uma vez para tocar o fio.
Por um momento, nada aconteceu. Octávio sabia que estava tocando o fio porque podia ver sua mão se fechando em volta dele, mas não conseguia sentir nada entre seus dedos. Octávio soltou o fio e após um momento, agarrou-o novamente.
Subitamente uma dor violenta explodiu por todo o seu corpo; seus músculos se contraíam dolorosamente embaixo da pele, ele não conseguia abrir sua mão, não conseguia respirar-
Octávio abriu os olhos, puxando o ar que o sonho não tinha deixado ele respirar para dentro dos pulmões, se sentando bruscamente na sua cama.
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Tempesta
Science FictionBrasil, 1985. Octávio, um garoto com poderes extraordinários, falha em se encaixar na sociedade e é levado para o Hospital, um lar para pessoas "não-humanas" como ele. O Hospital logo se torna sua casa e sua escola, mas com o passar do tempo Octávio...