Prólogo - O Encontro

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     Oi, meu nome é Thomas Dinkley e essa é a história de como eu conheci e segui em jornada com um ser místico e extremamente excêntrico.

     Atualmente estou muito perto de concluir o ensino médio, é novembro e falta menos de um mês para as aulas acabarem. Sabe, sempre fui um aluno exemplar com boas notas e bom comportamento, afinal, minha mãe me mataria se não fosse. O lado ruim disso tudo: timidez. Já reparou em como os alunos mais nerds são os mais tímidos? Pois é. A pior parte disso é que tem uma garota — sempre tem uma garota —, não vou mentir e dizer que não me sinto atraído por ela, até porque ela é a garota mais linda do mundo. Ela possui descendência asiática, olhos tão castanho-escuros e intensos como um diamante sombrio, está sempre com seus longos cabelos pretos com uma mecha azul na franja que lembra uma estrela cadente numa noite negra vazia presos em um coque que sempre deixa alguns fios soltos e isso a dá um charme que só ela poderia ter. Cara, ela é incrível. Ela estuda comigo desde o ano passado. Creio que eu devo ter me apaixonado assim que a vi. E agora, no fim, nos últimos minutos do segundo tempo, eu ainda não tive a coragem de se quer dar um oi. Mas hoje será diferente, assim que a aula terminar eu irei falar com ela e declarar todo o meu amor. Sinceramente, eu não espero que ela me corresponda, apenas preciso que ela saiba o que sinto por ela.

     Bem, eu adoraria dizer que eu fui incrível, que assim que a aula acabou eu fui falar com ela e despejei todos os meus sentimentos e que ela ficou muito admirada e feliz com a minha grandiosa coragem e tudo mais... Mas não foi bem desse jeito que aconteceu. Assim que a aula acabou eu travei, mal consegui levantar da cadeira. A vi indo embora e tudo que pude fazer foi acompanhá-la com meus olhos escondidos atrás do óculos redondo e de alguns fios de cabelo que me caíam sobre o rosto. Tudo foi ficando lento e a grande bagunça que acontecia no fim de tarde parecia apenas parar. Me perdi em sentimentos de angústia e tristeza comigo mesmo enquanto os meus colegas conversavam, riam alto e atiravam bolinhas de papel uns nos outros. No final, quando ela já havia se distanciado demais, eu finalmente consegui levantar da cadeira e pegar a minha mochila. Todos os outros alunos já tinham ido embora. A sala estava vazia. A lousa ainda estava um pouco borrada, a luz fraca do sol que já estava para se pôr adentrava a sala como feixes de luz e eu quase tinha certeza de que podia ouvir ecoar as batidas do meu coração nos quatro cantos da sala, como se tivessem pessoas com tambores tirando sarro da minha cara que se desdobrava numa expressão de desgosto. Olhei ao redor, no entanto, para o meu alívio,  percebi que estava só. 

     Fui para casa triste, me sentindo um completo fracasso. Apesar dos sentimentos ruins, eu ainda pude apreciar as lindas cores que pairavam no ar. Agora cá estou eu, sentando na minha cama, na solidão do meu quarto, pensando em maneiras de criar coragem. Não posso ser covarde para sempre. No fim das contas eu sou apenas um garoto de dezesseis anos com cabelos castanho caramelados num tamanho médio, um corpo comum, não malhado e sem tanquinho, o que faz com que particularmente eu não tenha nenhum atributo que as pessoas possam dizer: uau que galã! Talvez meus olhos sejam meu maior atributo de beleza, mas também não são grande coisa, avelãs, são de certa forma um pouco escuros, de modo que dependendo do brilho da luz eles pareçam vermelhos, e o meu sorriso não é um sorriso incrível. Não sei, no final acaba que eu sou apenas... eu. Mas eu não vou desistir, não posso terminar o ano sem que ela saiba como me sinto, nunca mais terei outra chance. Ainda é terça-feira dia 17 de novembro, eu ainda tenho mais algumas semanas de aula. A partir de hoje todos os dias quando as aulas acabarem meu objetivo de vida será contar a ela tudo que sinto.

     Hoje é dia 2 de dezembro, segunda-feira, e eu aposto que você adoraria saber que a essa altura eu já criei coragem e finalmente me declarei para a Ellen — sim, é um nome estranho para uma asiática, mas o segundo nome dela é Hikari, então eu acho que está tudo certo —, mas infelizmente eu não consigo não travar e apenas fitá-la quando ela vai embora exibindo seu belo sorriso enquanto conversa com as amigas na hora da saída, é realmente frustrante. Mas hoje será diferente, hoje é o dia, afinal, após essa semana eu terei apenas mais duas semanas de aula, não posso me dar ao luxo de não criar coragem, e não posso deixar para o último dia, é arriscado de mais, preciso ser homem e ir falar com ela.

     Naquele dia eu travei mais uma vez, assim como nos próximos. Hoje é dia 6, sexta-feira, é uma dia perfeito, afinal, amanhã é sábado, se tudo der errado eu terei dois dias para ficar isolado no meu quarto em posição fetal enquanto escuto músicas tristes. É perfeito, é hoje ou nunca. Estamos no final da última aula, o professor está prestes a nos liberar, eu sinto que falta apenas alguns segundos para que o sinal toque — TRUUUMM — . Aconteceu, a classe se tornou uma completa desordem, alunos pulando de suas cadeiras e correndo felizes rumo a liberdade. O professor anunciou que estamos liberados, mas boa parte já havia deixado a sala. O problema desse momento é que tudo congela, tudo a minha volta fica em câmera lenta, é como se eu conseguisse ver perfeitamente um bater de asas de um pássaro, ou como uma gota de chuva se transforma em dezenas de gotinhas quando cai no chão. Hikari acabara de passar pela porta, e mais uma vez eu ainda estou aqui, sentado, tremendo, suando, e nada aconteceu. Não posso viver assim pelo resto da minha vida, eu havia dito a mim mesmo que seria hoje ou nunca, e definitivamente será hoje. Após alguns minutos reunindo coragem eu finalmente me levantei, ainda trêmulo, ainda sentindo o universo se mover muito devagar, peguei minha mochila e fui atrás dela. Ela já havia saído da escola, mas eu não podia simplesmente deixar esse momento passar, não podia deixar o meu único momento de coragem ser inútil. Perguntei a uma amiga dela que ainda estava por lá por onde a Hikari havia ido e ela, muito gentil por sinal, me disse o caminho. Andei normalmente até a esquina, parei para respirar um pouco, dei uma pequena corrida até a outra esquina e parei antes de virá-la — vai que a Hikari tinha acabado de enrolar a esquina e um nerd maluco passara correndo. Se isso acontecesse eu nunca teria coragem se quer de aparecer na escola novamente —, virei a esquina de forma decente como qualquer pessoa normal e então percebi que eu estava perdido. Jamais a encontraria de novo naquele dia, nunca tinha andando por aquela parte da cidade antes. Pensei em voltar para casa e tentar de novo noutro dia, mas algo me dizia que eu ainda deveria procurá-la, talvez eu a encontrasse.

     Depois de perambular um pouco por aquelas ruas, ver pessoas que nunca tinha visto, novas casas e me admirar com alguns cachorros, só confirmei minha teoria: eu não tinha ideia de como me orientar por aquela parte da cidade. Quer dizer, eu estudo a tarde, e naquele dia tinhamos sido liberados um pouco mais cedo, então ainda estava claro quando eu havia saído atrás da Ellen, mas agora o sol já estava se pondo e eu estava perdido. Mais a frente a cidade acabara com um píer e o mar, eu ainda estava perto das casas e prédios, mas o brilho do sol ao se pôr reluzia na água e deixava todo o ambiente com um belo tom amarelado. Foi então que eu decidi voltar para casa.

     Após aquela linda visão, tão bela quanto a menina da qual eu nunca serei capaz de confessar o meu amor. Voltei por uma entrada entre prédios, o tom amarelado do brilhar do sol no mar estava cada vez menos forte, e o azul calmo da lua começara a preencher tudo, passei ao lado de uma grande lixeira quando pensei ter visto algo se mover, fiquei com certo medo, mas estava ainda mais assustado se eu não conseguisse voltar para casa. Se desse sete horas e eu ainda não houvesse chegado em casa minha mãe provavelmente ligaria para a polícia e eu estaria bem morto. Após dar cerca de dois passos me distanciando da lixeira foi quando todo o ambiente começou a brilhar num intenso reluzir da luz do sol no mar, era como se o tempo sentisse o meu medo e começasse a retroceder só para eu poder chegar na hora em casa, eu estava quase agradecendo a Deus quando eu me virei e vi algo que me deixou pasmo e me fez pensar que ser morto pela minha mãe talvez não fosse algo tão ruim. Eu vi ele: O Jimmy!.

A Forma do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora