Durante a noite, sem vento, uma camada de névoa se instalou como um exército, estabelecendo-se sobre a cidade de Fort Bragg. Não se levantou com o nascer do sol, e a tristeza infiltrou-se em tudo e todos. Durante toda a sexta-feira na escola, Luce sentiu-se como se estivesse sendo arrastada por uma onda em movimento lento. Os professores estavam fora de foco, descompromissados, lentos em suas palestras. Os alunos sentados em um monte letárgico, lutando para ficar acordados, no dia úmido.Até a classe ser dispensada, o tédio penetrou em Luce até sua essência. Ela não sabia o que estava fazendo nessa escola a qual não pertencia, era apenas temporária antes de ter sua vida real e permanente.Tudo o que ela queria fazer era rastejar para sua parte do beliche e dormir, não apenas durante sua primeira semana em Shoreline, mas também sob o argumento do emaranhado de dúvidas e ansiedades que abalaram sua mente a respeito de Daniel.Dormir na noite anterior tinha sido impossível. Nas horas mais escuras da manhã, ela tropeçou de volta sozinha ao seu quarto do dormitório. Ela virava na cama, sem ao menos cochilar. Daniel se fechar já não a surpreendia, mas isso não significava que fosse fácil. E essa ordem insultante que lhe dera para ficar no terreno da escola? O que foi isso, o século XIX?Passou por sua cabeça que talvez Daniel tivesse falado com ela como falou há séculos, mas, tal como Jane Eyre, ou Elizabeth Bennet, Luce tinha certeza que jamais teria se conformado com isso. E ela certamente não se conformaria agora.Ela ainda estava com raiva e irritada após a aula, movendo-se através da neblina em direção ao dormitório. Seus olhos estavam turvos e ela foi praticamente sonâmbula pelo caminho, e sua mão apertou a maçaneta.Entrou no quarto vazio, e quase não viu o envelope que alguém tinha colocado por baixo de sua porta. Era de cor creme, frágil e quadrado, e quando ela virou de ponta cabeça, viu seu nome digitado em blocos na frente. Ela rasgou o abriu, querendo um pedido de desculpas dele. Sabendo que ela também lhe devia um. A carta estava dentro datilografada em papel de cor creme e dobrado em três partes. Querida Luce, Há algo que eu estive esperando muito tempo para te dizer. Encontre-me na cidade, perto do Noyo Point, por volta das seis horas da noite? O ônibus n º 5, juntamente Hwy 1 para a um quarto de milha ao sul de Shoreline. Utilize este passe de ônibus. Estarei esperando em North Cliff.Não posso esperar para vê-la.Com amor, Daniel.Agitando o envelope, Luce sentiu uma pequena tira de papel dentro dele. Ela puxou uma fina passagem de ônibus azul-e-branca com o número cinco impressa na frente e um mapinha tosco de Fort Bragg desenhado em seu verso. Era isso. Não havia mais nada.Luce não conseguia entender. Não havia menção da discussão na praia. Não havia indicação de que Daniel tivesse entendido o quanto foi errado ele praticamente desaparecer no ar na noite passada, e ainda esperava que ela viajasse ao seu capricho logo.Nenhum pedido de desculpas. Estranho. Daniel pode aparecer em qualquer lugar, a qualquer momento. Ele geralmente era indiferente às realidades logísticas que os seres humanos normais tem que lidar.A carta era fria e dura em suas mãos. Seu lado mais imprudente foi tentado a fingir que ela nunca a tinha recebido. Ela estava cansada de discutir, cansada de Daniel não confiá-la mais detalhes. Mas esse maldito lado que o amava dela perguntava-se se ela não estaria sendo muito dura com ele.Pela relação deles valia a pena o esforço. Ela tentou se lembrar da maneira que seus olhos a olharam e como sua voz soava quando ele lhe contou a história sobre a vida que ela teve na época do ouro na Califórnia. A forma como ele a tinha visto através da janela e se apaixonado pela milésima vez.Essa era a imagem que levava com ela quando deixou o dormitório minutos mais tarde, a fluência ao longo do caminho para portões da frente da Shoreline, em direção à parada de ônibus onde Daniel havia instruído a esperar. A imagem de seus olhos violetas tocou seu coração, enquanto ela estava sob um céu cinzento úmido. Ela viu carros incolores materializarem-se na névoa, passar pela estrada 1, e desaparecer novamente.Quando olhou para trás no campus da formidável Shoreline a distância, ela se lembrou das palavras de Jasmine na festa: Contanto que continuemos no campus, sob a inspeção deles, nós podemos basicamente fazer o que quisermos. Luce estava saindo da inspeção deles, mas onde estava o mal? Ela não era realmente uma estudante de lá, e mesmo assim, ver Daniel novamente valia a pena o risco de ser pega.Em pouco mais de meia hora, ônibus número cinco parou no ponto.O ônibus era velho e cinza e parecia frágil, foi o motorista que teve que soltar a alavanca da porta para deixar Luce entrar. Ela pegou uma cadeira vazia na frente. O ônibus tinha cheiro de teias de aranha, ou como um sótão um pouco usado. Ela se segurou no assento de couro barato do ônibus durante as curvas a mais de oitenta quilômetros por hora, como se estivesse apenas alguns centímetros além da estrada, onde havia um precipício de um quilômetro em linha reta para baixo até o oceano acinzentado irregular.Chovia no momento em que o ônibus chegou à cidade, uma garoa constante lateral, tímida comparando com uma chuva de verdade. A maioria das empresas na rua principal já estava fechada a essa hora da noite, e acidade parecia úmida e um pouco desolada. Não era exatamente a cena que ela tinha em mente para uma conversa feliz.Ao descer do ônibus, Luce tirou o gorro de esqui de sua mochila e puxou-o sobre sua cabeça. Ela podia sentir o frio da chuva sobre seu nariz e as pontas dos dedos. Ela viu uma placa de metal verde dobrada e seguiu a seta em direção a Noyo Point.Noyo Point era uma península de terrenos variados, e não verde exuberante como o terreno do campus da Shoreline, mas uma mistura de grama irregular e crostas de areia cinza molhada. As árvores eram desbastadas aqui, despojadas de suas folhas pelo vento intermitente do oceano. Havia um banco solitário e um trecho de lama por todo o caminho na borda, cerca de cem metros da estrada. Deveria ser aqui onde Daniel pediu para eles se encontrarem. Mas Luce podia ver de onde o banco estava, e ele não estava lá ainda. Ela olhou para o relógio. Ela estava cinco minutos atrasada.Daniel nunca se atrasava.A chuva se acumulou sobre as pontas do cabelo dela, em vez de encharcá-lo como geralmente acontecia. Nem mesmo a Mãe Natureza sabia o que fazer com os cabelos de Luce tingidos de loiro. Ela não queria esperar por Daniel em campo aberto. Havia uma fila de lojas na rua principal. Luce parou lá atrás, de pé em um longo pórtico de madeira sob um toldo de metal enferrujado. Fred Fish, acesso à loja fechado era lido em desbotada sletras azuis.Fort Bragg não era singelo como Mendocino, a cidade onde ela e Daniel tinham parado antes de seguirem para Shoreline. Era mais industrial, uma vila de pescadores antiga com docas velhas instaladas em uma enseada curva, onde a terra era cônica para baixo em direção à água. Enquanto Luce esperava, um barco de pescadores estava ancorando em terra firme. Ela assistiu a linha de homens muito magros e endurecidos encharcados subir as escadas rochosas do cais abaixo.Quando chegaram ao nível da rua, andavam sozinhos ou em grupos em silêncio, após o banco vazio e das tristes árvores inclinadas, passando em frente a uma fachada de um estacionamento de cascalho vazio na margem sul de Noyo Point. Subiram em caminhões velhos, ligaram os motores e foram embora, um mar de faces sombrias se diluindo até que um se destacou e ele não estava saindo de qualquer escuna. Na verdade, ele parecia ter surgido de repente pela neblina. Luce saltou de volta contra o obturador de metal do armazém de pescados e tentou recuperar o fôlego.Cam.Ele estava caminhando para oeste ao longo da estrada de terra à direita na frente dela, ladeado por dois pescadores vestidos de negro que não pareciam notar sua presença. Ele estava vestido com jeans slim preto e uma jaqueta de couro preta. Seu cabelo escuro estava mais curto do que quando ela tinha visto ele pela última vez, brilhando na chuva. Uma parte da negra tatuagem era visível ao lado do pescoço. Contra o pano de fundo incolor do céu, os seus olhos estavam tão intensamente verdes, como eles nunca haviam sido.A última vez que o tinha visto, Cam estava parado na frente de um exército negro de demônios, tão insensível e cruel e simplesmente...mau. Ele fez seu sangue gelar. Ela pensou numa sequência de maldições e acusações prontas para jogar nele, mas seria melhor ainda se ela pudesse evitá-lo completamente.Tarde demais. Cam e seus olhos verdes caíram sobre ela, e ela congelou. Não porque ela quase caiu em seus muitos falsos encantos na Sword&Cross. Mas porque ele parecia genuinamente alarmado ao vê-la.Ele desviou, indo contra o fluxo dos poucos pescadores restantes, e num instante estava ao seu lado.― O que você está fazendo aqui?Cam parecia mais assustado, decidiu Luce, olhava quase com medo. Seus ombros estavam rígidos em torno de seu pescoço e seus olhos não viam nada por mais de um segundo. Ele não tinha dito nada sobre o seu cabelo, parecia quase como se ele não tivesse notado. Luce presumiu que Cam não saberia que ela estava aqui na Califórnia. Manter-se longe de cara scomo ele era o motivo de toda a sua locomoção. Agora ela tinha estragado isso.― Eu estou apenas... ― ela olhou para o caminho de cascalho branco por trás Cam, cortando a relva junto à borda do penhasco. ― Estou indo para uma caminhada.― Você não está.― Deixe-me sozinha― ela tentou passar por ele empurrando. ― Não tenho nada para te dizer.― O que seria ótimo, já que supostamente não estamos falando uns com os outros. Mas você não está pensando em deixar a escola.De repente, ela sentiu nervosa, como ele sabia algo que ela não fez.― Como você sabe que eu estou indo mesmo para a escola aqui?Cam suspirou.― Eu sei tudo, ok?― Então você está aqui para lutar contra Daniel?Os olhos verdes de Cam se estreitaram.― Por que eu... Espere, você está dizendo que você está aqui para vê-lo?― Não pareça tão chocado. Nós estamos juntos.Era como se Cam ainda não tivesse superado que Daniel pegou seu lugar. Cam coçou a testa, preocupado. Quando ele finalmente falou, suas palavras foram apressadas.― Será que ele virá para você? Luce?Ela estremeceu, formando ondas sob a pressão de seu olhar.― Eu recebi uma carta.― Deixe-me vê-la.Agora Luce estava rígida, examinando a expressão peculiar de Cam para tentar entender o que ele sabia. Ele parecia tão inquieto como ela se sentia. Ela não se moveu.― Você foi enganada. Grigori não iria enviar uma carta para você agora.― Você não sabe o que ele faria para mim.Luce se virou, desejando que Cam nunca a tivesse visto, desejando ela mesma estar distante. Sentiu uma necessidade infantil de se gabar para Cam que Daniel a tinha visitado na última noite. Mas para que se gabar por aí. Não havia muita glória em divulgar os detalhes de sua discussão.― Eu sei que ele morreria se você morresse, Luce. Se você quiser viver mais um dia, é melhor você me mostrar a carta.― Você poderia me matar por um pedaço de papel?― Eu não faria isso, mas quem lhe enviou a carta provavelmente pretende.― O quê?Sentindo seu bolso quase queimar, Luce resistiu ao impulso de lançar a carta em sua mãos. Cam não sabia o que estava falando. Ele não podia. Mas quanto mais ele olhava para ela, mais ela começava a se perguntar sobre a estranha carta que estava segurando. Essa passagem de ônibus, as instruções eram estranhamente técnicas e formais. Daniel não se parecia com nada disso. Ela pegou-a do bolso, com os dedos tremendo.Cam arrancou-a dela, fazendo uma careta enquanto lia. Ele murmurou alguma coisa baixinho, enquanto seus olhos dispararam em torno da floresta, do outro lado da estrada. Luce olhou em volta também, mas ela não podia ver nada de suspeito sobre os poucos pescadores remanescentes que seguiam para suas camas no caminhão enferrujado.― Vamos lá― ele disse, finalmente, agarrando-a pelo cotovelo. ―Dá tempo para te levar de volta para a escola.Ela se afastou.― Eu não vou a lugar nenhum com você. Eu odeio você. O que você está fazendo aqui?Ele a circulou.― Eu estou caçando.Ela o mediu, tentando não deixar transparecer que ainda ficava nervosa. Esse estilo Slim, punk-rock, pistoleiro dele.― Sério?― ela inclinou a cabeça. ― Caçando o quê?Cam olhou por ela, em direção à floresta varrida pelo crepúsculo. Ele balançou a cabeça uma vez.― Ela.Luce esticou o pescoço para ver de quem ou do que Cam estava falando, mas antes que pudesse ver qualquer coisa, ele a empurrou bruscamente. Houve um sopro estranho de ar prateado que passou pelo seu rosto.― Abaixe!― Cam gritou, fazendo pressão sobre os ombros de Luce.Ela caiu no chão da varanda, sentindo o seu peso em cima dela, cheirando a poeira sobre as tábuas de madeira.― Largue-me!― ela gritou.Enquanto ela se contorcia de nojo, medo e frio pressionados dentro dela. Seja que for que estivesse lá, deveria ser bem mau. Caso contrário ela não estaria em uma situação em que Cam precisaria protegê-la.Um momento depois, Cam estava correndo pelo estacionamento vazio. Ele estava correndo em direção a uma menina. Uma menina muito bonita da idade de Luce, vestida com um longo casaco marrom. Ela tinha feições delicadas e cabelos loiros quase brancos, puxados em um rabo de cavalo, mas algo estava estranho em seus olhos. Eles tinham uma expressão vaga que, mesmo a distância, deixou Luce rígida com medo.Havia mais: a menina estava armada. Ela segurava um arco de prata e às pressas foi colocando uma flecha nele.Cam saltou para a frente, triturando as pedrinhas com os pés enquanto se movia em linha reta na direção da menina, cujo bizarro arco de prata brilhava mesmo no nevoeiro. Como se não fosse deste mundo.Tirando os olhos da garota lunática com a flecha, Luce ficou de joelhos e examinou o estacionamento para ver se mais alguém parecia em pânico como ela estava. Mas o lugar estava vazio, e estranhamente quieto.Luce sentiu seus pulmões se apertarem, ela mal conseguia respirar. A menina se moveu quase como uma máquina, sem hesitação. Cam estava desarmado. A menina estava puxando o arco e Cam estava distante, no ar.Mas ela levou uma fração de segundo demasiado longo. Cam se chocou com ela, batendo-a nas costas. Ele brutalmente tirou o arco das mãos dela, empurrando seu cotovelo contra o rosto até que ela soltou. A menina deu um grito alto e inocente e recuou no terreno, Cam apontou o arco para ela. Ela levantou a mão aberta em súplica.Então Cam soltou a flecha diretamente em seu coração.Do outro lado do estacionamento, Luce gritou e mordeu seu punho. Apesar de querer estar longe, de fugir, seus pés estavam pesados demais para se movimentar. Alguma coisa estava errada. Luce esperava encontrar a menina ali sangrando, mas ela não estava lutando, não chorava.Porque ela não estava mais lá.Ela e a seta que Cam havia atirado nela haviam desaparecido.Cam percorreu o estacionamento, pegando as flechas que tinham caído como se fosse a mais urgente tarefa que ele tinha que realizar. Luce agachou onde a menina havia caído. Ela passou o dedo sobre o áspero cascalho, confusa e com mais medo do que estava um momento antes. Não havia sinal de que alguém tivesse estado lá.Cam voltou para o lado de Luce com três flechas em uma mão e o arco de prata no outro.Instintivamente, Luce estendeu a mão para tocá-los. Ela nunca tinha visto nada parecido. Por alguma razão, enviou uma onda estranha de fascinação por ela. Arrepios na sua pele rosa. Sua cabeça flutuava.Cam sacudiu as flechas para longe.― Não. Elas são mortais.Elas não pareciam mortais. Na verdade, as flechas não tinham sequer ponta. Eles eram apenas gravetos de prata que terminavam em uma extremidade plana. E tinham feito uma menina desaparecer.Luce piscou algumas vezes.― O que aconteceu, Cam? ― A voz dela estava pesada. ― Quem era?― Ela era uma Pária― Cam não estava olhando para ela.Ele estava fixado no arco de prata em suas mãos.― Um quê?― O pior tipo de anjo. Eles estiveram com Satanás durante a revolta, mas não puseram os pés no submundo.― Por que não?― Você conhece o tipo. Como aquelas meninas que querem ser convidadas para a festa, mas na verdade, não pretendem aparecer ― ele fez uma careta. ― Assim que a batalha terminou, eles tentaram recuar para o lindo céu rapidamente, mas já era tarde demais. Você só tem uma chance nessas nuvens ― ele olhou para Luce. ― A maioria pelo menos...― Então, se eles não estão com o céu ..― Ela ainda estava se acostumando a falar concretamente sobre essas coisas. ―Eles estão ...com o inferno?― Dificilmente. Embora eu me lembre quando eles vieram rastejando de volta ― Cam deu uma risada sinistra. ― Normalmente, nós permitimos qualquer um que queira entrar, mas mesmo Satanás tem seus limites. Ele os expulsou permanentemente, ficaram às cegas.― Mas essa menina não estava às cegas― sussurrou Luce, recordando a forma como o arco seguiu todos os movimentos de Cam.A única razão para que ela não tenha acertado nele é porque ele moveu-se tão rápido quanto. Luce ainda sabia que havia algo de estranho sobre essa menina.― Era ela. Ela só estava usando outros sentidos para seguir seu caminho através do mundo. Ela tem seu modo de ver. Tem suas limitações e seus benefícios.Seus olhos não paravam de rastrear da linha das árvores. Luce pensou se não haveria mais Párias aninhados na floresta. Mais dos arcos e flechas de prata.― Bem, o que aconteceu com ela? Onde ela está agora?Cam olhou para ela.― Ela está morta, Luce. Puf. Foi-se.Morto? Luce olhou para o lugar no chão onde tinha acontecido, agora tão vazio como o resto do terreno. Ela baixou a cabeça, sentindo-se tonta.― Eu... eu pensei que você não podia matar anjos.― Só na falta de uma boa arma ― ele mostrou as flechas para Luce uma última vez antes do guardá-las em um pano que puxou do bolso e as prendeu dentro de sua jaqueta de couro. ― Estas coisas são difíceis de encontrar. Ah, pare de tremer, eu não vou te matar.Ele se virou e começou a testar as portas dos carros no estacionamento, sorriu quando ele avistou um destrancado e se jogou no lado do motorista pela janela do caminhão cinza e amarelo. De dentro ele apertou a trava.― Esteja grata por não ter que voltar a pé para a escola. Vamos lá, entre.Quando Cam abriu a porta do lado do passageiro, o queixo de Luce caiu. Ela espreitava através da janela aberta e o assista ligar a ignição.― Você acha que eu vou apenas entrar em um carro com você logo depois de ver você matar alguém?― Se eu não tivesse matado ela― ele passou a mão por baixo do volante ― ela teria matado você, ok? Quem você acha que lhe enviou essa carta? Você foi atraída para fora da escola para ser assassinada. Será que isso facilita para você entrar?Luce encostou no capô do caminhão, não sabendo o que fazer.Ela pensou na conversa que teve com Daniel, Ariane e Gabbe antes de deixar a Sword Cross. Eles disseram que Srta. Sophia e os outros de sua seita poderiam vir depois atrás dela.― Mas ela não parecia... os Párias fazem parte dos Anciões?Até então Cam estava com o motor ligado. Ele rapidamente saltou para fora, deu a volta, e apressou Luce a sentar no banco do passageiro.― Anda, chop-chop. Isto é como cuidar de um gato ― finalmente, ele puxou o cinto de segurança em torno dela. ― Infelizmente, Luce, você tem mais de um tipo de inimigo. É por isso que eu vou levar você de volta à escola onde é seguro. Agora mesmo.Ela não achava que seria inteligente ficar sozinho em um carro com Cam, mas não tinha certeza que ficar aqui por conta própria seria mais esperto.― Espere um minuto― ela falou quando ele se virou na direção da Shoreline. ― Se esses Párias não fazem parte do céu ou do inferno, de que lado eles estão?― Os Párias são uma sombra acinzentada doentia. Caso você não tenha notado, há coisas piores por aí do que eu.Luce cruzou as mãos no colo, ansiosa para voltar para seu quarto do dormitório, onde ela podia sentir ou pelo menos fingir sentir-se segura. Por que ela deveria acreditar em Cam? Ela havia caído de suas mentiras muitas vezes antes.― Não há nada pior do que você. O que você quer... o que tentou fazer foi horrível e errado― ela balançou a cabeça. ― Você está apenas tentando me enganar de novo.― Eu não estou ― sua voz tinha menos do argumento que ela teria esperado.Ele parecia pensativo, mesmo abatido. Até então, ele arrancava para a entrada da garagem longa e arqueada da Shoreline.― Eu nunca quis magoar você, Luce, nunca.― É por isso que você chamou todas aquelas sombras para a batalha, quando eu estava no cemitério?― O bem e o mal não são tão claros como você pensa.Ele olhou pela janela em direção aos edifícios da Shoreline, que pareciam escuros e desertos.― Você é do Sul, certo? Desta vez, pelo menos. Então você deve compreender a liberdade que os vencedores têm em reescrever a história. Semântica, Luce. O que você pensa do mal – bem, para nós, é apenas um problema de conotação.― Daniel não pensa assim― Luce desejava que pudesse ter dito que ela não pensa assim, mas ela não sabia o suficiente ainda. Ela sentia como se estivesse se baseando muito nas explicações de Daniel sobre a fé.Cam estacionou o caminhão em um trecho de grama por trás de seu dormitório, saiu, e deu a volta para abrir a da porta do passageiro.― Daniel e eu somos duas faces da mesma moeda ― ele ofereceu sua mão para ajudá-la a descer, ela o ignorou. ― Deve ser doloroso você ouvir isso.Ela queria dizer que isso não poderia ser verdade, que não havia semelhanças entre Cam e Daniel não importasse o quão Cam tentasse provar o contrário. Mas nessa semana em que ela esteve na Shoreline, Luce tinha visto e ouvido coisas que conflitava com o que ela pensava. Ela pensou em Francesca e Steven. Eles nasceram de um mesmo lugar: Era uma vez, antes da guerra e da queda, havia apenas um lado. Cam não foi o único que afirmou que a divisão entre os anjos e demônios não era simplesmente preto e branco.A luz estava acesa em sua janela. Luce imaginou Shelby sobre o tapete laranja, de pernas cruzadas em posição de lótus, meditando. Como poderia Luce entrar e fingir que ela não tinha visto um anjo morrer? Ou que tudo o que tinha acontecido esta semana não tinha deixado ela cheia de dúvidas?― Vamos manter os acontecimentos desta noite entre nós, não é? ―Cam disse. ― E daqui para frente, faça um favor a todos nós e permaneça no campus, onde você não vai entrar em apuros.Ela passou por ele, fora do feixe dos faróis do caminhão roubado e camuflou-se nas sombras das paredes de seu dormitório.Cam voltou para o caminhão, acelerando o motor ofensivamente. Mas antes de se afastar, ele foi até a janela e gritou para Luce:― Você é bem-vinda.Ela se virou.― Para quê?Ele sorriu e acelerou.― Para salvar sua vida.
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Tormenta
RomanceEnquanto Daniel está caçando os anjos que querem matar Luce, ela começa a aprender a utilizar as sombras como janelas para suas vidas passadas em Shoreline, sua nova escola. Lá estão alunos com talentos únicos: nephilins, filhos ou descendentes de r...