Capítulo 7 - Doze dias

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― Eu não entendo por que você está sendo tão estranha ― Shelby disse a Luce na manhã seguinte. ― Você está aqui, o que, seis dias? E você é a maior heroína de Shoreline. Talvez você fosse viver a sua reputação depois de tudo.O céu de domingo de manhã estava salpicado de nuvens. Luce e Shelby estavam caminhando na prainha de Shoreline, compartilhando uma laranja e uma garrafa térmica de chá. Um vento forte levou um cheiro de sequóias do terreno abaixo do bosque. A maré estava alta e áspera, levantando trechos longos de algas pretas atadas em troncos podres no caminho das meninas.―Não foi nada ― Luce resmungou, o que não era exatamente verdade.Saltar na água gelada após Dawn cair certamente fora algo. Mas Steven – a gravidade no tom de sua voz, a força de seu aperto em seu braço – colocaram medo em Luce sempre que falava do resgate Dawn.Ela olhou para a espuma salgada a esquerda, na esteira de uma onda recuando. Ela estava tentando não olhar para as águas profundas e escuras, assim não teria que pensar sobre as mãos nas profundezas geladas. Para sua própria proteção. Steven deve ter querido dizer na forma plural. Como, é para a proteção todos os alunos. Caso contrário, se ele só queria dizer Luce...― Dawn está bem ― ela falou. ― Isso é tudo que importa.― Hum, sim, por causa de você, Baywatch.― Não comece a me chamar Baywatch.― Você prefere pensar em si mesma como um tipo super salvadora? ― Shelby tinha a mais inexpressiva forma de provocação.― Frankie diz que alguma coisa misteriosa rastejou a espreita em volta do terreno da escola nas últimas duas noites. Você deveria falar para ela o que era...― O quê?― Luce quase cuspiu seu chai. ― O que é?― Repito: uma coisa misteriosa rastejante. Sei lá ― Shelby sentou em um pedaço de pedra de calcário, fazendo algumas pedras saltarem para o oceano. ― Apenas um cara. Ouvi Frankie falando com Kramer no barco, ontem, após toda a publicidade.Luce sentou ao lado de Shelby e começou a fixar pedras ao redor da areia.Alguém estava se esgueirando por Shoreline. E se fosse Daniel?Poderia ser apenas ele. Tão teimoso em manter sua própria promessa de não vê-la, mas incapaz de ficar longe. O pensamento dele a fez ansiar por ele muito mais. Ela podia sentir-se quase à beira das lágrimas, que estava louca. Se não fosse Daniel, poderia ser Cam. Poderia ser qualquer um. Poderia ser um Pária.― Será que Francesca parecia preocupada? ― ela perguntou a Shelby.― Você não estaria?― Espere um minuto. Foi por isso que não saiu na noite passada?Foi a primeira noite que Luce não tinha sido acordada por Shelby entrando pela janela.― Não.Shelby jogou seus braços atenuados devido a toda sua ioga. Sua próxima pedra saltou seis vezes em um arco largo, chegando quase todo o caminho de volta para elas, como um bumerangue.― Aonde você vai toda noite, afinal?Shelby enfiou as mãos nos bolsos de seu colete inflado de esqui vermelho. Ela estava olhando para as ondas cinzentas tão intensamente que ficou claro que ela queria ver alguma coisa lá fora, ou estava evitando a pergunta.Luce seguiu o olhar dela, quase aliviada ao não ver nada na água, apenas as ondas cinza e brancas por todo o caminho até o horizonte.― Shelby.― O quê? Eu não vou a lugar nenhum.Luce começou a levantar-se, irritada por sentir que Shelby não podia dizer-lhe nada. Luce foi escovar a areia úmida nas costas de suas pernas quando a mão de Shelby a puxou de volta para a pedra.― Ok, eu costumava ir ver o meu miserável namorado ― Shelby suspirou pesadamente, lançando uma pedra com menos capricho na água, quase derrubando uma gaivota descendo para pegar um peixe. ―Antes de se tornar meu miserável ex-namorado.― Ah. Shel me desculpe― Luce mastigou o lábio. ― Eu nem sabia que você tinha um namorado.― Eu tive que começar a mantê-lo afastado. Ele pegou demais no fato de eu ter uma nova companheira de quarto. Sempre a chatear-me a deixá-lo vir mais tarde da noite. Queria conhecê-la. Eu não sei que tipo de garota que ele pensa que eu sou. Sem ofensa, mas três é uma multidão no meu livro.― Quem é ele?― Luce perguntou. ― Ele vai vir pra cá?― Aves Phillip. Ele é um veterano na escola principal.Luce não achou que ela conhecesse.― Aquele garoto pálido com o cabelo descolorido loiro? ― Shelby disse. ― Parecido com um David Bowie albino? Você não pode realmente sentir falta dele ― sua boca se contorceu. ― Infelizmente.― Por que você não me disse que tinha terminado?― Eu prefiro baixar músicas Vampire Weekend que eu dublo quando você não está por perto. Melhor para meus chacras. Além disso ―apontou o dedo gorducho para Luce ― você é a única pessoa temperamental e toda estranha hoje. Daniel está te tratando mal ou algo assim?Luce recostou-se sobre os cotovelos.― Isso exigiria que nós realmente estivéssemos nos vendo, o que aparentemente não estamos autorizados a fazer.Se Luce fechasse os olhos, ela poderia deixar o som das ondas levá-la de volta para a primeira noite em que ela beijou Daniel. Nesta vida.O emaranhado úmido de seus corpos em Savannah, no calçadão. A pressão faminta de suas mãos puxando-a para perto. Tudo parecia possível então.Ela abriu os olhos. Ela estava tão longe de tudo isso agora.―Então seu miserável ex-namorado...―Não. Eu não quero falar sobre ele mais do que eu acho que você quer falar sobre Daniel. Próximo.Isso foi justo. Mas não era exatamente por isso que Luce não queria falar sobre Daniel. Era mais como, se ela começasse a falar sobre Daniel, ela poderia não ser capaz de calar a boca. Ela já soava como um disco quebrado em sua própria mente – a repetição do total de oh, quatro experiências físicas que tiveram nesta vida era cíclico. (Ela escolheu somente começar a contar quando ele parou de fingir que ela não existia.) Imagine quão rapidamente ela iria entediar Shelby, que provavelmente teve toneladas de namorados, toneladas de experiências. Comparado a praticamente inexistente de Luce.Um beijo que ela mal conseguia se lembrar com um rapaz que achava que ela ia explodir em chamas. Um punhado de momentos muito quentes com Daniel. Isto praticamente resumia. Luce não era, sem dúvida nenhuma expert quando se tratava de amor.Novamente ela sentiu a injustiça de sua situação: Daniel tinha todas essas grandes memórias dos dois juntos para recordar quando as coisas ficassem difíceis. Ela não tinha nada. Até que ela olhou para sua companheira de quarto.― Shelby?Shelby tirou seu colete vermelho puxando sobre a cabeça e foi cutucando uma vara na areia molhada.― Eu disse a você que eu não quero falar sobre ele.― Eu sei. Eu estava pensando, lembra quando você mencionou que sabia vislumbrar suas vidas passadas?Isso foi o que ela estava prestes a pedir a Shelby quando Dawncaiu no mar.― Eu nunca disse isso― o graveto fincou mais fundo na areia. O rosto de Shelby estava corado e seu grosso cabelo loiro estava fora de seu rabo de cavalo.―Sim... você disse ― Luce inclinou a cabeça. ― Você escreveu isso no meu papel. Naquele dia, quando estávamos fazendo o quebra-gelo? Você agarrou para fora das minhas mãos e disse: que você poderia falar mais de dezoito línguas e vislumbrar vidas passadas e que eu precisaria de você para preencher uma...― Eu me lembro o que eu disse. Mas você entendeu mal o que eu quis dizer.― Ok― Luce disse lentamente ― bem...― Só porque eu vislumbrei uma vida passada antes não significa que eu sei como fazê-lo, e não disse que era a minha.― Então, não era sua?― Claro que não, a reencarnação é para malucos.Luce franziu a testa e cravou suas mãos na areia molhada,querendo enterrar-se nele.― Olá, isso foi uma piada― Shelby cutucou Luce de brincadeira ― desenvolvida especialmente para a menina que tinha que passar pela puberdade mil vezes ― ela fez uma careta.― Uma vez foi suficiente para mim, muito obrigada.Então, Luce era aquela garota. A menina que tinha tido que passar pela puberdade mil vezes. Ela nunca pensou sobre isso desse jeito antes. Era quase engraçado: Por outro lado, passando por infindáveis puberdades parecia ser a pior parte de seu destino. Mas era muito mais complicado que isso. Luce começou a dizer que ela passou por mil espinhas a mais e as flutuações hormonais, se ela pudesse olhar em suas vidas passadas e entender mais sobre si mesma, mas então ela olhou para Shelby.― Se não era a sua, então, qual vida passada você olhou?― Por que você está sendo tão intrometida? Droga.Luce podia sentir a sua pressão sanguínea subir.― Shelby, gente do céu, me ajudem!― Ok ― Shelby disse finalmente, fazendo um movimento com as mãos. ― Eu estava em uma festa uma noite em Corona. As coisas ficaram muito loucas, sessões seminuas e merda, e... bem, essa não é realmente a história. Então eu me lembro de sair num passeio para apanhar ar. Estava chovendo, difícil ver para onde estava indo. Eu virei a esquina em um beco e lá estava esse cara, com um visual meio surrado. Ele estava inclinado sobre uma esfera negra. Eu nunca tinha visto nada assim, em forma de globo, mas tipo, flutuando e brilhando acima de suas mãos. Ele estava chorando.― O que foi?― Eu não sabia então, mas agora eu sei que era um Anunciador.Luce estava hipnotizada.― E você viu alguma coisa da vida passada que ele estava vislumbrando? Como foi?Shelby encontrou os olhos de Luce e engoliu.― Foi muito horrível, Luce.― Sinto muito. Eu estava apenas perguntando porque...Parecia um grande negócio para admitir o que ela estava prestes a admitir. Francesca iria se opor para isso. Mas Luce precisava de respostas, e ela precisava de ajuda. Ajuda de Shelby.― Eu preciso vislumbrar algumas das minhas vidas passadas ―Luce falou. ― Ou eu preciso pelo menos tentar. As coisas foram acontecendo recentemente e eu deveria simplesmente aceitar porque não sei de nada do que eu poderia saber melhor, muito melhor, se eu pudesse ver de onde venho. Por onde eu estive. Faz algum sentido?Shelby assentiu.― Eu preciso saber o que eu vivi no meu passado com o Daniel para que eu possa sentir-me mais segura do que estou com ele agora ― Luce respirou. ― Aquele cara, aquele no beco... você viu o que ele fez com o Anunciador?Shelby estalou os ombros.― Ele tipo alterou a sua forma. Eu nem sequer sei o que tinha sido na época, e eu não sei como ele rastreou. É por isso que o que Francesca e Steven demonstraram me assustou muito. Eu vi o que aconteceu naquela noite, e eu tenho tentado esquecer desde então. Eu não tinha ideia do que eu estava vendo era um Anunciador.― Se eu pudesse rastrear um Anunciador, você acha que poderia conduzi-lo?― Sem promessas ― Shelby disse― mas eu vou dar-lhe uma chance. Você sabe como encontrá-los?― Não na verdade, mas quão difícil pode ser? Eles ficaram me assombrando por toda a minha vida.Shelby pôs sua mão em concha sobre a de Luce na rocha.― Eu quero te ajudar, Luce, mas é estranho. Estou assustada. E se você vir algo que, você sabe, não...?― Quando você rompeu com o seu namorado...― Eu pensei que eu lhe disse que não...― Apenas ouça: Você não está feliz por você descobrir tudo o que foi que fez você terminar com ele, mais cedo ou mais tarde? Quero dizer, se você ficasse noiva ou algo assim e só depois...― Chega!― Shelby levantou a mão para parar Luce. ― Entendi. Agora, vamos lá, encontrar uma sombra.Luce conduziu Shelby de volta por toda a praia e subiram as escadas íngremes de pedra, onde traços de verbenas vermelho e amarelo tinha sido empurradas para cima através do solo, na areia molhada. Elas atravessaram a esplanada verde, tentando não interromper um grupo de alunos não-Nephilins em um jogo de frisbee. Passaram a janela da sala do terceiro andar do dormitório e contornaram em torno do edifício.Na margem da floresta de sequóias, Luce apontou para um espaço entre as árvores.― Ali foi onde encontrei uma da última vez.Shelby marchou para dentro da floresta à frente de Luce, empurrando através do caminho, as folhas da videira e as árvores vermelhas entre as sequóias, parando em uma gigante samambaia.Estava escuro sob as sequóias e Luce estava feliz com a companhia de Shelby. Ela pensou no outro dia, a rapidez com que o tempo tinha passado, enquanto ela estava perturbando aquela sombra, chegando alugar nenhum. De repente sentiu-se oprimida.― Se nós podemos encontrar e capturar um Anunciador, e se pudermos até trabalhar num vislumbre ― disse ela― que chances você acha que o anunciador irá me mostrar algo sobre mim e Daniel? E se tiver outra cena Bíblia terrível como vimos em sala de aula?Shelby abanou a cabeça.― Sobre Daniel eu não sei. Mas se pudermos mobilizar e vislumbrar um Anunciador, então ele terá que fazer com você. Eles deveriam ser mais específicos, embora você nem sempre esteja interessado no que eles têm a dizer. Mais ou menos quando você recebe um lixo eletrônico misturado com os seus e-mails importantes, apesar de tudo ainda está endereçado a você.― Como eles poderiam ser... mais específicos? Isso significaria Francesca e Steven foram à destruição de Sodoma e Gomorra.― Bem, sim. Eles foram pra todo lugar. Há rumores de que seus currículos são bastante impressionantes.Shelby olhou estranhamente em Luce.― Ponha seus grandes olhos escuros dentro de sua cabeça. De que outra forma você acha que eles conseguiram os trabalhos em Shoreline? Esta é uma escola muito boa.Algo escuro e escorregadio movia sobre elas: um pesado manto de um Anunciador se alongava sonolento nas sombras de um longo galho de uma árvore de pau-brasil.Luce apontou, não perdendo tempo. Ela virou-se para cima em um galho baixo que se estendia atrás Shelby. Luce teve de se equilibrar sobre um pé por todo o caminho para a esquerda apenas para tentar pegar o Anunciador com as pontas dos dedos.― Eu não posso alcançá-lo.Shelby pegou uma pinha e arremessou no centro da sombra e caiu para baixo.― Não!― Luce sussurrou. ― Você vai espantá-la.― Está me irritando, sendo tão tímida. Basta segurar a sua mão.Luce fez uma careta com o que lhe foi dito.Ela assistiu a pinha ricochetear do lado oposto da sombra, então ouviu o suave som de farfalhar usado para encher os ouvidos com pavor.Um lado da sombra estava escorregando, muito lentamente, para baixo do ramo. Ele escorregou e caiu através do braço suspenso balançando de Luce. Ela beliscou as suas bordas com os dedos.Luce pulou do galho onde ela estava de pé e aproximou-se de Shelby, sua oferta, o frio em suas mãos.― Aqui― disse Shelby. ― Vou pegar metade e você pega a metade, como vimos em sala de aula. Eca, é molinho. Ok... afrouxe seu aperto, ele não vai a lugar nenhum. Deixe-o apenas como um tipo de frio a tomar forma.Parecia que um longo tempo tinha se passado e a sombra não fez absolutamente nada. Luce sentiu quase como se estivesse jogando com o tabuleiro Ouija quando era criança. Uma energia inexplicável na ponta dos seus dedos. A sensação de movimento, contínua e ligeiro antes que ela pudesse ver qualquer diferença na forma do Anunciador.Em seguida, houve uma lufada: a sombra estava se dobrando lentamente em sua própria escuridão. Logo, um conjunto de coisas havia assumido o tamanho e a forma de uma caixa grande. Ele ficou pouco acima dos seus dedos.― Você vê isso? ― Shelby falou ofegante. Sua voz era quase inaudível sobre o chiado da sombra. ― Olha, lá no meio.Como havia acontecido durante a aula, um véu escuro parecia decolar do Anunciador, revelando uma chocante explosão de cores. Luce protegeu os olhos, observando como a luz brilhante parecia resolver voltar para dentro da tela de sombra, em uma nebulosa imagem fora de foco.Então, finalmente, em formas distintas e em cores suaves.Elas estavam olhando para uma sala de estar. A parte de trás de uma cadeira de xadrez azul com apoio para os pés desgastados no canto inferior. Uma televisão velha, com painéis de madeira ao ar uma reprise de "Mork & Mindy" com o volume desligado. Um gordo Jack Russell terrier enrolado em uma manta de retalhos redonda.Luce assistiu a um impulso de abrir porta de vaivém que parecia ser uma cozinha. Uma mulher, com idade superior que a avó de Luce tinha quando morreu, atravessou. Ela estava usando um vestido modelado rosa e branco, pesados tênis brancos e óculos grossos em uma corda em seu pescoço. Ela estava carregando uma bandeja de frutas cortadas.― Quem são essas pessoas? ― Luce perguntou em voz alta.Quando a velha colocou a bandeja sobre a mesa de café, uma mão pintada estendida em torno da cadeira selecionou um pedaço de banana.Luce se inclinou para ver mais claramente, e o foco da imagem mudou com ela. Como um panorama 3-D. Ela não tinha notado o velho sentado na cadeira. Ele era frágil, com algumas mechas finas de cabelos brancos e manchas de idade em toda a testa. Sua boca se movia, mas Luce não podia ouvir qualquer coisa. Uma fileira de fotos emolduradas enfeitava o espaço acima da lareira.O chiado nas orelhas Luce ficou mais alto, tão alto que a fez estremecer. Sem ela perguntar ou fazer nada sobre as fotos, a imagem do Anunciador as ampliou, deixando Luce com um sentimento de um golpe de chicote – e um extremo close de uma fotografia emoldurada.Uma moldura fina banhada a ouro em torno de uma placa de vidro manchado. No interior, a pequena fotografia que tinha uma borda ao redor de uma imagem amarelada em preto-e-branco. Duas faces da fotografia: a dela e de Daniel.Segurando o fôlego, ela estudou seu próprio rosto, que parecia um pouco mais jovem do que agora. Cabelos escuros na altura dos ombros com cachos presos. Uma blusa branca com gola estilo Peter Pan. Uma saia ampla, mãos de luvas brancas, segurando Daniel. Ele estava olhando diretamente para ela, sorrindo.O Anunciador começou a vibrar, em seguida, tremores e, depois,a imagem dentro começou a piscar e desaparecer distante.― Não― Luce falou, pronta para entrar dentro da sombra.Seus ombros estavam conectados com a borda do Anunciador, mas foi o mais longe que ela conseguiu. Um sopro de frio empurrou-a para trás e deixou uma sensação da pele úmida. Uma mão apertou ao redor do pulso.― Não tenha ideias selvagens ― Shelby advertiu.Tarde demais.A tela ficou preta e o Anunciador caiu de suas mãos no chão da floresta, destruindo em pedaços como vidro preto quebrado. Luce reprimiu um gemido. Seu peito arfava. Sentia-se como uma parte dela tivesse morrido.Abaixando-se de quatro, ela pressionou a testa no chão e rolou de lado. Estava mais frio, mais turvo do que quando havia começado. O relógio em seu pulso indicava que havia passado duas horas, mas tinha sido de manhã quando chegaram na floresta. Olhando para o oeste, em direção à borda dos bosques, Luce podia ver a diferença na luz que atingia o dormitório. Os Anunciadores sugavam o tempo.Shelby se deitou ao lado dela.― Você está bem?― Eu estou tão confusa. Essas pessoas ― Luce franziu a testa. ―Eu não tenho ideia de quem eles são.Shelby limpou a garganta e parecia desconfortável.― Você não acha que, um, talvez você os conheceu? Como, há muito tempo. Como, talvez fossem seus...Luce esperou que ela terminasse.― Meu o quê?― Realmente não ocorreu a você que aqueles eram seus pais de outra vida? É como eles se parecem agora?O queixo de Luce caiu.― Não. Espera - quer dizer, eu tive pais totalmente diferentes em cada uma das minhas vidas passadas? Eu pensei que Harry e Doreen... Só assumi que eles teriam sido meus pais a todo tempo.De repente ela se lembrou de algo que Daniel havia dito, sobre sua mãe fazendo repolho cozido ruim em uma vida passada. Na época, ela não tinha se preocupado com isso, mas agora lhe fazia um pouco mais de sentido.Doreen era uma cozinheira maravilhosa. Todo mundo no leste da Geórgia sabia disso. O que significava que Shelby deveria estar certa. Luce provavelmente tinha uma nação inteira de famílias passadas que ela não poderia se lembrar.―Eu sou tão estúpida.Porque não prestou mais atenção à forma como o homem e a mulher pareciam? Por que ela não tinha a menor conexão com eles? Ela sentiu como se tivesse vivido toda a sua vida e só agora descobriu que ela era adotada. Quantas vezes teria sido entregue a diferentes pais?― Isto é... isto é...― Totalmente confuso ― Shelby completou. ― Eu sei. Pelo lado positivo, você provavelmente poderia economizar muito dinheiro com a terapia se pudesse olhar para trás em todas as suas outras famílias, ver todos os problemas que teve com centenas de mães antes desta.Luce escondeu o rosto nas mãos.― Isto é, se você precisar de terapia de família ― Shelby suspirou.― Desculpe, mas quem está falando sobre si mesma de novo? ― ela levantou a mão direita, em seguida, colocou-a lentamente para baixo. ― Você sabe, Shasta não é tão longe daqui.― O que é Shasta?― A Califórnia Mount Shasta. É apenas algumas horas daqui ― Shelby sacudiu seu polegar em direção ao norte.― Mas os Anunciadores só mostram o passado. Qual seria o benefício de ir lá agora? Eles estão provavelmente...Shelby abanou a cabeça.― O "passado" é um termo amplo. Anunciadores demonstram desde um passado distante até os eventos que acontecem segundos atrás, e tudo mais. Eu vi um laptop sobre a mesa no canto, então há uma boa chance... você sabe...― Mas nós não sabemos onde eles vivem.― Talvez você não. Eu, foquei em um pedaço de correspondência e tenho o endereço memorizado. 1291 Shasta Shire Circle, apartamento 34 ― Shelby encolheu os ombros. ― Então, se você quiser ir visitá-los, nós poderíamos totalmente dirigir até lá e voltar em um dia.―Certo― Luce bufou. Ela queria desesperadamente ir visitá-los, mas simplesmente não parecia possível. ― Em que carro?Shelby deu uma risada sinistra de pouco caso.― É apenas uma coisa do meu miserável ex-namorado ― ela cavou no bolso de sua camisola ,puxando uma longa cadeia de chave.― É do seu Mercedes, estacionado aqui no estacionamento dos estudantes. Sorte sua, eu ter esquecido de devolver-lhe a chave extra.Eles pegaram a estrada antes que alguém pudesse impedi-las.Luce encontrou um mapa no porta-luvas e traçou a linha até Shasta com o dedo. Ela indicou algumas direções para Shelby, que dirigiu como um morcego fora do inferno, mas o Mercedes marrom quase parecia gostar do abuso.Luce queria saber como Shelby ficava tão calma. Se Luce tivesse acabado de terminar com Daniel e "pagado emprestado" seu carro por uma tarde, ela não seria capaz bloquear as lembranças das viagens eles tinham tido, ou as conversas que haviam tido durante o caminho para assistir um filme, ou o que tinham feito no banco traseiro com todas as janelas abertas. Certamente Shelby estava pensando em seu ex. Luce queria perguntar, mas Shelby tinha deixado claro que o assunto estava fora de questão.― Você vai mudar seu cabelo?― Luce finalmente perguntou, lembrando o que Shelby tinha dito sobre rompimentos. ―Eu poderia te ajudar, se você for.O rosto de Shelby se contorceu em uma carranca.― Essa loucura não vale mesmo a pena ― depois de uma longa pausa, acrescentou: ― Mas obrigada.A viagem durou o resto da tarde, e Shelby trabalhou duro nela, brigando com o rádio, procurando os canais mais loucos que pudesse encontrar. O ar ficou mais frio, as árvores desbastadas, e a elevação da paisagem aumentou de forma constante o tempo todo. Luce se focou em ficar calma, imaginando uma centena de cenários sobre o encontro destes pais. Ela tentou evitar pensar no que Daniel diria se soubesse onde ela estava indo.― Lá está ―Shelby apontou quando uma enorme montanha com neve apareceu diretamente à frente da estrada. ― A cidade fica bem naqueles montes. Devemos estar lá logo após pôr do sol.Luce não sabia como agradecer Shelby por trazê-la até aqui por um capricho. Qualquer que seja a razão por trás da mudança de atitude de Shelby, Luce era grata, ela não teria sido capaz de fazer por conta própria.A cidade de Shasta era maluca e artística, com um bom número de pessoas idosas andando calmamente nas grandes avenidas. Shelby baixou as janelas e deixou entrar o ar do começo da noite. Isto ajudou o estômago Luce, que estava atado com a perspectiva de realmente ter que falar com as pessoas que ela havia visto através do anunciador.― O que eu devo dizer a eles? Surpresa, eu sou sua filha que voltou dos mortos― Luce praticava em voz alta, como se eles estivessem sentados em um semáforo.― A menos que você queira enlouquecer totalmente um doce casal de velhinhos, nós vamos ter que trabalhar nisso ― Shelby concordou. ― Por que você não finge que você é uma vendedora, só para chegar na porta e chamá-los para fora?Luce olhou para a calça jeans, bata, tênis e mochila roxa. Ela não se parecia muito como uma impressionante vendedora.― O que eu vendo?Shelby começou a dirigir novamente.― Vendedora ambulante de shampoo para carros ou algo parecido. Você pode dizer que você tem comprovantes em sua mochila. Eu fiz isso em um verão, de porta em porta. Quase levei um tiro― ela estremeceu, em seguida, olhou para o rosto branco de Luce. ― Vamos, sua própria mãe e seu pai não vão atirar em você. Ah, olha, hey, aqui estamos nós!― Shelby, podemos apenas sentar em silêncio por um tempo? Acho que preciso para respirar.―D esculpe― Shelby moveu-se em um amplo estacionamento de frente para um composto de pequenos edifícios de estilo bangalô. ― Respirar eu posso.Totalmente nervosa, Luce teve de admitir que era um lugar muito agradável. Uma série de bangalôs ficavam em um semicírculo ao redor de uma lagoa. Havia um edifício átrio principal com uma fileira de cadeiras der odas alinhadas fora das portas. Uma grande faixa lia-se BEM-VINDO AOSHASTA SHIRE APOSENTADORIA COMUNITÁRIA.Sua garganta parecia tão seca que doía para engolir. Ela ainda não sabia se tinha duas palavras para dizer a essas pessoas. Talvez fosse uma daquelas coisas que você simplesmente não podia pensar muito. Talvez que ela precisasse chegar até lá e obrigar sua mão a apertara campainha e depois que descobrir como agir.― Apartamento trinta e quatro― Shelby apontou um edifício quadrado de estuque com um telhado vermelho de telhas espanholas.― Parece que é lá. Se você quiser que eu...― Espere no carro até que eu volte? Isso seria ótimo, muito obrigada. Não vou demorar muito!Antes que Luce pudesse ficar nervosa, ela saiu pela porta do carro e correu pela calçada até o edifício. O ar estava quente e cheio de um perfume inebriante de rosas. Idosos bonitos estavam em toda parte. Divididos em equipes nos tabuleiros de damas perto da entrada, fazendo um passeio noturno pelo jardim de flores cuidadosamente podadas ao lado da piscina.Na luz do começo da noite, os olhos de Luce estavam tensos enquanto tentava localizar o casal em algum lugar na multidão, mas ninguém parecia familiar. Ela teria que ir direto para sua casa.A partir da trilha que conduzia ao seu bangalô, Luce podia ver uma luz no meio da janela. Ela aproximou-se até que tivesse uma visão mais clara.Era estranho: o mesmo quarto que ela tinha visto mais cedo através do Anunciador. Até os mesmos cães brancos gordos dormindo no tapete. Ela podia ouvir os pratos sendo lavados na cozinha. Podia ver a fina meia marrom nos tornozelos do homem que tinha sido seu pai no entanto, há muitos anos.Ela não o sentia como seu pai. Ele não se parecia com seu pai, e a mulher não lembrava em nada como sua mãe. Não que houvesse nada de errado com eles. Eles pareciam perfeitamente legais. Pareciam estranhos perfeitamente legais.Se ela batesse na porta e mentisse um pouco sobre lavagens de carro, eles poderiam estranhar? Não, ela decidiu. Mas isso não era tudo. Mesmo que ela não reconhecesse seus pais, se eles realmente tivessem sido seus pais, é claro que eles a reconheceriam.Sentia-se estúpida por não pensar sobre isso antes. Eles lançariam um olhar para ela e saberiam que ela foi sua filha. Seus pais eram muito mais velhos do que a maioria das outras pessoas que tinha visto lá fora. O choque poderia ser demais para eles. Foi demais para Luce, e este casal tinha cerca de setenta anos a mais que ela.Até então, ela estava pressionada contra a sua janela da sala, agachada atrás de um arbusto de cacto espinhoso. Seus dedos estavam sujos de ficar grudados na janela. Se a sua filha tinha morrido quando tinha dezessete anos, seu luto deve ter sido por quase cinquenta anos. Eles estariam em paz agora. Não estariam?Luce aparecendo sem ser convidada por detrás de um cacto seria a última coisa de que eles precisavam.Shelby ficaria desapontada. Luce se decepcionou. Doeu perceber que isso era o mais perto que ela chegaria deles. Pendurada na janela de fora da sua antiga casa do seus pais, ela sentiu as lágrimas rolarem no seu rosto. Ela nem sequer sabia seus nomes.

TormentaWhere stories live. Discover now