POV Pietra
Sigo trabalhando com um sorriso idiota dançando em meu rosto e o coração todo invejoso faz o mesmo. Me sinto uma garota de quinze anos apaixonada, mas não qualquer paixão, é uma daquelas que te fazem se sentir em uma dimensão bem diferente.
Ando pelo bar como se estivesse flutuando, nem consigo decorar muito no que os clientes pedem e por isso começo a anotar tudo, até os que eu normalmente não esqueço.
Eu nem sei explicar direito o que senti quando Anthony disse que queria conversar comigo.
Meu coração se descontrolou como sempre, as pernas parece que ficaram meio fracas e a respiração parecia ter sido tomada de mim.
Enrico caminha em minha direção, um sorriso estampado em seu rosto e então quando estamos frente a frente ele ri.
- O que foi? - pergunto preocupada.
- De triste você passou para super feliz. - ele responde e dou de ombros. - Meu palpite é que isso é graças ao cara misterioso. - Ele aponta Anthony com um movimento de cabeça.
- É mesmo. - Não tem porque esconder. - Sou apaixonada por ele então estou feliz que tenha vindo atrás de mim.
- Fico feliz demais por você.
- Eu só estou meio insegura.
- Por? - Enrico me lança um olhar confuso.
- Porque eu tenho medo de que ele tenha vindo atrás de mim só pra me dizer umas poucas e boas por conta do modo que agi da última vez em que nos vimos. - falando em voz alta parece bem idiota e deve ser mesmo porque Enrico me olha confuso.
- Devia ficar tranquila, o cara não viria aqui se não fosse para se resolver com você. - Ele me tranquiliza e acabo abraçando ele empolgada.
- É bom demais ouvir isso, fiquei bem mais segura agora. - Me afasto dele sorrindo.
- Isso mesmo garota.
Rimos juntos e meus olhos procuram por Anthony, então lá está ele, lindo e... e sério.
Parece magoado, com raiva e meu sorriso se desfaz totalmente quando vejo uma cerveja em sua mão. Dói no meu coração, no meu corpo... sei lá, parece doer tudo!
Meu trauma com bebidas vem desde a época que tomei consciência das coisas que meu pai fazia.
Me lembro ainda da vez em que ele chegou em casa tão bêbado que precisava se segurar para não cair, minha mãe tentou conversar com ele mas meu pai gritou muito e fiquei tão assustada!
Sempre que me envolvia com alguém e via a pessoa bêbada demais eu me sentia subitamente desinteressada, era como se eu estivesse diante de meu maior medo que é me envolver com uma pessoa que futuramente pode me fazer sofrer como meu pai fez com a minha mãe durante anos.
Sem alternativa eu caminho por entre as pessoas, evito olhar para Anthony e apenas tento manter o foco em meu trabalho.
Quando passo perto dele vejo sua mudança de humor, ainda sério seus olhos parecem mais débeis, frios e sinto raiva quando ele me ignora por completo.
As horas passam lentas e as cervejas de Anthony só aumentam.
No final do meu expediente corro para o vestiário, troco de roupa o mais rápido que consigo e respirando fundo volto para o bar.
Encontro Anthony no mesmo lugar, distraído e bebendo uma cerveja.
Parece perdido em pensamentos, mas mais que isso parece perdido em si mesmo. Dá uma vontade maluca de gritar com ele para saber o que está acontecendo.
Anthony não toca o sinal de alerta como os outros que me envolvia, eu sinto que é diferente, que ele precisa da minha ajuda, que precisa do meu apoio.
Quando ele nota minha presença fica de pé, cambaleia e se apoia no balcão, tenta dar mais um passo e desiste vendo que é inútil.
- Está bêbado. - aviso para o caso dele não ter notado ainda. - Quantas cerveja foram?
- Dez... não, não... doze... - sua voz arrastada se embaralha nas palavras. - Por... porque... quer saber? Não tem nada haver com isso.
- Não tenho mesmo. - respondo simplesmente enquanto ele me olha sério, tento tocar sua mão mas ele se afasta. - O que aconteceu com você? - me irrito. - Veio atrás de mim e agora está agindo feito um idiota?
- Eu vim... porque sou... Sou mesmo um idiota! - Ele me olha nos olhos, tem mágoa e raiva, tudo misturado. - Achei que poderíamos... nos acertar, ai venho aqui... nossa, bebi demais. - Anthony se interrompe piscando longamente. - Venho aqui e te vejo toda cheia... cheia de sorrisinho com... com aquele parasita de academia.
- Está falando do Enrico? - pergunto rindo. - Ele é meu chefe, Anthony!
- Eu sei... isso devia ser errado! Ninguém gosta muito dos chefes e você... fica lá de... de sorrisinho... - sua indignação é tão engraçada que preciso me segurar para não rir mais - Está rindo de mim?
- Estou! Você é bem idiota. - aviso com um sorriso tranquilo dançando em meu rosto. - Enrico é gay, e mesmo se não fosse seria natural eu sorrir pra ele. Mulheres e homens podem ser amigos sim. - Agora falo bastante séria e ele me olha com uma careta.
- Chata.
- Idiota. - retruco finalmente conseguindo alcançar sua mão. - Agora vem, vou te levar pra casa.
- Pra sua? - ele me olha curioso.
- Claro que não! - respondo no momento em que ele se levanta e quase perde o equilíbrio, mas Rafael um colega de trabalho o ampara.
- Eu não quero que me leve pra casa! - um desespero parece o atingir. - Eu... eu vou sozinho... Eu consigo, eu...
- Consegue nem ficar em pé, quem dirá ir sozinho pra casa! - passo seu braço ao redor do meu ombro e sorrio para tranquilizar ele.
- Quer ajuda com ele? - Rafael pergunta ainda do nosso lado.
- Sim, por favor. Preciso que me ajude a levar ele até meu carro. - peço e ele assente colocando o outro braço de Anthony em volta de seu ombro. - Vamos pela saída de emergência, é mais fácil.
- Isso tá ridículo...
- Culpa sua! Quem mandou beber como se o mundo fosse acabar? - reclamo indignada.
- Porque o meu acabou... - olho pra ele confusa enquanto seguimos em direção a saída.
Seus olhos agora são pura escuridão e solidão, me machuca e sinto raiva por não saber nada sobre ele, por não saber como tirar sua dor.
Chegamos ao meu carro e abro a porta do passageiro e Rafael me ajuda a colocar o pé de cana no banco.
- Obrigada. - agradeço afagando seu braço, ganho um sorriso. - Até amanhã.
- Até amanhã e boa sorte com ele.
Entro no carro e me sento em frente ao banco, Anthony me olha arqueando uma de suas sobrancelhas e sorrio.
Giro a chave na ignição e o carro não pega, tento uma outra vez e nada.
- Por favor carrinho, não me abandona agora. - choramingo encostando a testa no volante.
- Esse seu carro é meio inútil em? - fuzilo Anthony com o olhar.
- Quer calar a boca? Vai ofender ele! - reclamo voltando a olhar para o painel. - Vou tentar de novo, por favor dê certo!
Quando a chave vira o motor pega em seguida, o barulho não é dos mais agradáveis mas me alivia pensar que não vou precisar andar por essas ruas de pedra com um bêbado chato.
Dirijo em direção ao prédio de Anthony, as ruas pouco movimentadas agora.
O silêncio que se estende sobre nós dois é confortável, ao menos agora. Não quero muito papo com uma pessoa alcoolizada, geralmente elas dizem coisas que depois se arrependem então o melhor é ficarmos calados mesmo.
Fico pensando no quão absurdo é o fato dele ter ficado irritado por uma coisa tão boba como me ver rindo para o Enrico. Muito idiota isso.
Paro o carro em frente ao prédio, Anthony abre a porta e antes que possa sair eu corro para o lado de fora para amparar ele.
- Eu dou conta. - Ele avisa ficando de pé, ignoro e passo os braços em volta da sua cintura, os dele vem para o meu ombro.
- Que bom.
- É... é sério Pietra! - reviro os olhos pra ele. - Eu não quero que veja... não quero que entre lá. - seus olhos transmitem tanta tristeza e mágoa, me dói também.
- Só colabora Anthony. - começo a guia-lo em direção a porta de entrada e o tempo todo ele fica acanhado, parece estar com medo. - Cadê as chaves?
- Aqui. - ele diz num sussurro enquanto me entrega o pequeno molho de chaves. - Pietra, por favor...
- Quer que eu vá embora? Tem certeza disso? - pergunto enquanto entramos e começamos a subir uma escada.
- Quero. - Não tem nenhuma convicção em sua voz.
- Qual é o seu apartamento?
- Não quero você aqui Pietra. - suas palavras insistentes me fazem parar no meio do caminho, Anthony se afasta de mim e se encosta na parede. - Vai embora, por favor. Você não quer ver quem eu sou, acredite.
- Tem certeza disso? - pergunto brava. - Porque se eu for embora, a partir do momento em que eu virar minhas costas você nunca mais vai me ver, entendeu isso?
Seus olhos capturam os meus, buscam qualquer mentira e quando não encontra ele se decepciona.
- Eu sou capaz de encontrar outro emprego, um que fique o mais longe possível de você. Posso te evitar de todos os modos. - aviso determinada e não é mentira isso.
Anthony encara as escadas, fica pensativo e parece ter uma briga interna dentro dele. Queria ter algum poder, ter alguma forma de descobrir o que ele pensa.
- 06. - ele diz do nada e me deixa confusa.
- O que?
- Meu apartamento, é o 06... - ele responde com a voz arrastada. - Não queria saber?
- Sim. - sorrio caminhando até ele e estendendo minha mão. Anthony aceita mas fica tonto no meio do caminho e tem que se apoiar em mim.
Subir os degraus é meio torturante, ele é pesado e está muito apoiado em mim, não tem muito controle sobre seu corpo agora. Acho que vou ficar bem dolorida ainda.
Paramos em frente a porta de madeira que entalha o número 06, antes que eu possa colocar a chave na tranca Anthony segura minha mão, olho pra ele confusa e me sinto fraca só de imaginar me mandando embora de novo.
- Anthony...
- Espera, deixa eu falar. - seu pedido sai abafado, ele parece bem melhor, como se a bebedeira passasse como um susto. - Antes que entre ai, quero que saiba que sou exatamente o que vai ver nesse apartamento, sou um caos... Sou... sou um ninguém... - ele engole em seco e me olha nos olhos. - Se for embora, se correr pra longe de mim, saiba que eu entendo, que não vou julgar...
Não digo nada, não sei nem se existe palavras pra esse momento.
Me assusta demais o que posso encontrar do outro lado.
Giro a chave e juntando toda minha coragem eu abro a porta.
A sala está mal iluminada pela noite, está tudo apagado.
Apenas caminho com Anthony para a sombra que eu deduzo ser o sofá, ele se senta e quase caio em cima dele, um bom lugar pra se cair.
- Onde está o interruptor? - pergunto me levantando.
- Pietra...
- Eu não me importo com nada que for dizer Anthony. - garanto e ele suspira. – Vou achar esse interruptor nem que fique até amanhã procurando! – me irrito.
- Na parede ao lado da porta.
Caminho abanando as mãos no ar para não dar de cara com uma parede, hoje a noite está incrivelmente escura e a lua mal deu o ar de sua graça.
Tropeço em algo de vidro e só percebo que é uma garrafa de cerveja quando ligo a luz.
Meu coração se aperta com a cena, me sinto até fraca.
A casa está repleta de garrafas de bebidas, roupas jogadas em tudo que é lugar e cacos de vidro do que um dia foi uma mesa de centro. Dói.
Dói mais ainda quando olho para Anthony que me encara perdido, com medo...
- Pode ir... - sua voz sai carregada mágoa. - Eu... Eu entendo.
Uma alma ferida, é isso que ele é. E eu também sou, tenho monstros como qualquer outra pessoa e não vou deixar que o cara por quem estou apaixonada fique se achando um ninguém.
Caminho até ele, uma determinação desconhecida aparece do nada. Me abaixo em sua frente e seguro seu rosto com as duas mãos.
- Para de ficar me mandando embora! - peço e ele investiga meu rosto. - Eu não vou a lugar nenhum!
Faço um carinho em seu rosto, vejo o alívio que sente e forço um sorriso.
- Que tal ir se deitar? Amanhã conversamos direitinho sobre tudo. - beijo seu rosto. - Se quiser.
- Eu quero. - ele diz por fim. - Mas não sei se depois de tudo que ouvir ainda vai me querer por perto.
- Vou. Eu também tenho minhas dores Anthony. - me sento ao seu lado.
- Fica aqui hoje? - sua timidez me faz sorrir. - Eu vi que o seu carro não está funcionando muito bem, então...
- Eu fico. - minhas mãos seguem para seu cabelo, afago ele. - Mas não é pelo meu carro, é por você...
- Pietra... - Anthony pretendia dizer algo mas para no meio do caminho. - Só... obrigado.
- Imagina.
- Tem um banheiro no meu quarto, se quiser tomar banho...
- Vai primeiro, estou bem por enquanto.
- Vai estar aqui quando eu voltar?
- Claro. Mas acho que seria melhor deitar em sua cama depois do banho. Precisa dormir, descansar...
- E vou, mas no sofá. - ele insiste e eu reviro os olhos. - Você dorme na minha cama.
- Não Anthony, eu fico no sofá.
- Não. Fica na cama. - Ele determina e acho que não tem como eu vencer essa.
- Tudo bem! - coloco as mãos pra cima em sinal de rendição.
- Eu já volto.
Fico olhando enquanto Anthony corre escada acima em direção ao seu quarto.
Me permito olhar todo o lugar, não tem nada de demais, é apenas um loft com alguns móveis. É simples demais para as condições dele, não gosto da aparência, parece triste e é um lugar solitário. Pouca iluminação, poucas cores, muita coisa preta.
As garrafas e os cacos no chão me lembram a casa de um velho beberrão.
Quando Anthony for dormir vou organizar tudo mesmo correndo o risco de ser taxada de intrometida depois.
Pego meu celular e disco o número da mamãe, preciso avisar que vou dormir fora.
- Pietra, onde você está? - é a primeira coisa que ela diz ao atender.
- Na casa de uma amiga. - nem em sonhos que vou falar na casa de um cara, nem falei do Anthony pra ela. - O carro está começando a morrer de novo, então achei mais seguro dormir aqui.
- E a faculdade amanhã? - ela pergunta preocupada.
- Saio cedo daqui e passo aí em casa para trocar de roupa. - aviso e ela ri.
- Pede uma roupa emprestada pra sua amiga, depois devolve. - reviro os olhos e coloco a mão na testa. Inventa uma desculpa agora bobona!
- Eu até poderia mamãe, mas eu acho que as roupas dela não ficariam bem em mim, sabe? - começo a rir para disfarçar. - Mãe tenho que desligar, minha amiga tá me chamando. Tchau.
Quando me viro vejo Anthony descer a escada vestido em uma bermuda e uma camiseta, tem um ar rebelde que me atrai.
- Está bem?
- Sim... - Ele ainda parece bêbado mas agora não cai nas coisas. - Se quiser já pode ir se deitar lá no meu quarto, troquei os lençóis da cama.
Apenas assinto e continuo no mesmo lugar. Anthony se senta no sofá, arruma o travesseiro antes de se deitar e eu só fico pensando mesmo no quanto ele vai se sentir dolorido amanhã.
- Anthony? - chamo ele que se apoia no cotovelo para me olhar. - Não precisa dormir aí... - pigarro para disfarçar meu desconforto.
- Não me importo Pietra, é sério. - ele tenta me tranquilizar, não adianta nada. – Já amanheci nesse sofá inúmeras vezes.
- Eu estava pensando que... - torço meus dedos toda insegura. - Que pode dormir lá no seu quarto também... comigo... mas só dormir mesmo. Eu juro.
Ele me olha confuso e triste, depois desvia o olhar e fica longos momentos encarando o nada. Parece pensar sobre a proposta e eu começo a me arrepender. Burrona Master!
Anthony se levanta com dificuldade, caminha em minha direção e sorrio.
Passo na frente dele e subimos a escada em silêncio. O quarto tem um espaço bom e só tem uma cama, dois criados-mudos com abajures e uma escrivaninha, um pequeno closet e uma porta que deve levar ao banheiro.
Nós dois ficamos parados olhando a cama, escuto só nossas respirações, que constrangedor.
Tomo atitude e me deito na cama, Anthony me observa com certa admiração e meu coração dispara feito maluco.
- Vem. - chamo com a voz rouca, até eu estranho.
Ele se deita ao meu lado, mas tem um espaço grande entre nós. Acho que ele tem medo de fazer algo e acho bom que fique distante, eu poderia não resistir.
Cada um está virado frente a frente, a respiração dele acelerada e talvez a minha também.
Queria sentir seus lábios de novo, suas mãos mas sei que agora não é o momento, mas se tudo se acertar amanhã eu nunca mais vou desgrudar meus lábios do dele.
- Boa noite Anthony. - sussurro me segurando para não tocar seu rosto.
- Boa noite Pietra.
E então fecho os olhos, demoro mesmo para pegar no sono, mas quando ele vem me deixo relaxar e sonhar com um dia especial ao lado do cara que sou apaixonada.********
Amores, espero que tenham gostado e infelizmente tenho que dizer que TALVEZ eu não volte amanhã para colocar mais um capítulo.Fiquem tranquilas que Pietra e Anthony vão se entender logo ❤
Beijos 😙😙
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Duologia: Curados Pelo Amor - Um Novo Começo
RomansPietra Vitale é uma jovem estudante de Design de Interiores. Por fora é uma pessoa alegre que está sempre tentando fazer as pessoas a sua volta se sentirem bem, mas ninguém imagina por toda as dificuldades que a moça passa. Não acredita mais no amor...