O anjo

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O silencio se tornava cada vez mais angustiante.

Não conseguia olhar para o juiz sentado a minha frente de forma casual e muito menos me sentia preparada para levantar e retornar para o cubículo escuro e úmido. Estava postergando o inevitável, sabia disso.

Inconsciente acabei levando a mão até o meu braço machucado, acariciando-o levemente, afim de recordar o que tinha me acontecido. Precisava manter a racionalidade e o equilíbrio se quisesse continuar a ter alguma sanidade. Não queria me transformar em algum animal.

— Não vai perguntar o motivo da minha visita? – A voz do juiz conseguia ser ainda mais profunda e máscula do que me recordara. O juiz que havia me colocado naquele reformatório era o único sentado a minha frente com o semblante impassível. Talvez, ele tivesse se arrependido e buscasse alguma redenção.

— Se tivesse algum motivo teria falado e não esperado que eu falasse alguma coisa – Falei como estava acostumada. Desconfiar de pessoas era o único escudo que possuía. – Se quiser falar, diga de uma vez.

Revirei os olhos ao mantê-los fixados na parede branca do outro lado da sala. Não queria encará-lo por medo de enxergar desprezo neles. O mesmo desprezo que havia enxergado antes no tribunal.

— Vai contar a verdade? – Sua pergunta fez com que eu o olhasse confusa. Não estava escondendo nada que pudesse me recordar – Estou dizendo sobre o incêndio e invasão no prédio – Esclareceu ao manter suas mãos em cima da mesa. Elas estavam pousadas com a palma para a baixo. Parecia que ele queria mostrar que não oferecia perigo para mim.

— Não sei sobre o que está falando. Invadi o local, coloquei fogo em alguns papeis, mas tudo saiu do controle, acontece – Dei de ombros ao manter meus olhos nele. Não queria perder sua expressão de insatisfação ou de resignação, contudo ele sorriu. O juiz parecia estar se divertindo com tudo aquilo.

— Nós dois sabemos que não foi a única culpada pelo crime.

Tentei não empalidecer e consegui sorrir com sucesso.

— Fui a única, sinto que isso lhe desaponte – Levantei sabendo o que me esperava, contudo antes que conseguisse perceber emiti um pequeno grito ao sentir a mão do juiz apertar o meu braço machucado, para evitar que eu fugisse. Quando percebi o que tinha feito era tarde demais, o juiz já tinha erguido a manga da minha camisa com brutalidade e analisava o machucado em meu braço. – Não foi nada – Menti sem saber o motivo. Então era assim que as vitimas agiam? Sempre negando o crime e mantendo suas cabeças baixas.

Tentei não pensar nisso, sem sucesso.

Eu era patética.

— Quem fez isso? A marca não é de uma garota. A marca é grande demais para isso – O juiz não era tão tolo como eu pensei. Sua análise conseguia ser bem precisa – Um dos guardas fez isso então – Declarou ao me soltar. – Quem foi?

— Ninguém fez isso – Continuei a mentir sem compreender o motivo de fazer aquilo.

— Se continuar mentindo, tudo vai piorar, sabe disso. Ele te fez mais alguma coisa? – Senti o seu olhar analisar-me minuciosamente – Ele abusou de você? – Sua pergunta foi mais fria do que deveria ser.

— Já disse que não aconteceu nada – Gritei angustiada com suas perguntas. Não queria ser conhecida como dedo duro naquele reformatório.

Em um reformatório existiam regras e a principal era não ser um dedo duro. Ainda queria reencontrar Breno e os outros meninos do grupo. Eu ainda queria viver mesmo que nada significasse para as pessoas a minha volta.

MAISON [ Concluído] Onde histórias criam vida. Descubra agora