No outro dia Macunaíma acordou febrento. Tinha mesmo delirado a noite inteira e sonhado com navio. — Isso é viagem por mar, falou a dona da pensão. Macunaíma agradeceu e de tão satisfeito virou logo Jiguê na máquina telefone pra insultar a mãe de Venceslau Pietro Pietra. Mas a sombra telefonista avisou que não secundavam. Macunaíma achou aquilo esquisito e quis se levantar pra ir saber o que era. Porém sentia um calorão cocado no corpo todo e uma moleza de água. Murmurou: — Ai... que preguiça... Virou a cara pro canto e principiou falando bocagens. Quando os manos vieram saber o que era, era sarampão. Maanape logo foi buscar o famoso Bento curandeiro em Beberibe que curava com alma de índio e água de pote. Bento deu uma agüinha e fez reza cantada. Numa semana o herói já estava descascando. Então se levantou e foi saber o que tinha sucedido pro gigante. Não tinha ninguém no palácio e a copeira do vizinho contou que Piaimã com toda a família fora na Europa descansar da sova. Macunaíma perdeu todo o requebrado e se contrariou bem. Brincou com a copeira muito aluado e voltou macambúzio pra pensão. Maanape e Jiguê encontraram o herói na porta da rua e perguntaram pra ele: — Quem matou seu cachorrinho, meus cuidados? Então Macunaíma contou o sucedido e principiou chorando. Os manos ficaram bem tristes de ver o herói assim e levaram ele visitar o Leprosário de Guapira, porém Macunaíma estava muito contrariado e o passeio não teve graça nenhuma. Quando chegaram na pensão era noitinha e todos já estavam desesperados. Tiraram uma porção enorme de tabaco dum cornimboque imitando cabeça de tucano e espirraram bem. Então puderam pensamentear.
— Pois é, meus cuidados, você andou lerdeando, cozinhando galo, cozinhando galo, o gigante é que não havia de esperar, foi-se. Agora agüente a massada! Nisto Jiguê bateu na cabeça e exclamou: — Achei! Os manos levaram um susto. Então Jiguê lembrou que eles podiam ir na Europa também, atrás da muiraquitã. Dinheiro, inda sobravam quarenta contos do cacau vendido. Macunaíma aprovou logo porém Maanape que era feiticeiro imaginou imaginou e concluiu: — Tem coisa milhor. — Pois então desembuxe! — Macunaíma finge de pianista, arranja uma pensão do Governo e vai sozinho. — Mas praquê tanta complicação si a gente possui dinheiro à bessa e os manos podem me ajudar na Europa! — Você tem cada uma que até parece duas! Poder a gente pode sim porém mano seguindo com arame do Governo não é milhor? É. Pois então! Macunaíma estava refletindo e de repente bateu na testa: — Achei! Os manos levaram um susto. — Quê foi! — Pois então finjo de pintor que é mais bonito! Foi buscar a máquina óculos de tartaruga um gramofoninho meias de golfe luvas e ficou parecido com pintor. No outro dia pra esperar a nomeação matou o tempo fazendo pinturas. Assim: Agarrou num romance de Eça de Queiroz e foi na Cantareira passear. Então passou perto dele um cotruco andarengo muito marupiara porque possuía folhinha de picapau. Macunaíma dei- tado de bruços divertia-se amassando os tacurus das formigas tapipitingas. O tequeteque saudou: — Bom-dia, conhecido, como le vai, muito obrigado, bem. Trabalhando, não? — Quem não trabuca não manduca. — É mesmo. Bom, té-loguinho.
E passou. Légua e meia adiante topou com um mi-cura e lembrou de trabucar também um bocado. Pegou no gambazinho, fez ele engolir dez pratas de dois milréis e voltou com o bicho debaixo do braço. Chegando perto de Macunaíma mascateou: — Bom-dia, conhecido, como le vai, muito obrigado, bem. Si você quer te vendo meu micura. — Quê que vou fazer com um bicho tão pichento! Macunaíma secundou botando a mão no nariz. — Tem aca mas é coisa muito boa! Quando faz necessidade só prata que sai! Vendo barato pra você! — Deixe de conversa, turco! Onde que se viu micura assim! Então o tequeteque apertou a barriga do gambá e o bicho desistiu as dez pratinhas. — Está vendo! Faz necessidade é prata só! Ajuntando a gente fica riquíssimo! Barato pra você! — Quanto que custa? — Quatrocentos contos. — Não posso comprar, só tenho trinta. — Pois então pra ficar freguês deixo por trinta contos pra você! Macunaíma desabotoou as calças e por debaixo da camisa tirou o cinto que carregava dinheiro. Porém só tinha a letra de quarenta contos e seis fichas do Cassino de Copacabana. Deu a letra e teve vergonha de receber o troco. Até inda deu as fichas de inhapa e agra- deceu a bondade do tequeteque. Nem bem o mascate sorvetera entre as sapupiras guarubas e parinais do mato que já o micura quis fazer necessidade outra feita. O herói arrendondou o bolso aparando e a porcaria caiu toda ali. Então Macunaíma percebeu o logro e abriu numa gritaria desgraçada, caminho da pensão. Virando uma esquina encontrou o José Prequeté e gritou pra ele: — Zé Prequeté, tira bicho do pé pra comer com café! José Prequeté ficou com ódio e insultou a mãe do herói porém este não fez caso não, deu uma grande gargalhada e foi seguindo. Mais adiante lembrou que ia indo pra casa zangado e pegou na gritaria outra vez.