Capítulo 17 Ursa maior

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Macunaíma se arrastou até a tapera sem gente agora. Estava muito contrariado porque não compreendia o silêncio. Ficara defunto sem choro, no abandono completo. Os manos tinham ido-se embora trans- formados na cabeça esquerda do urubu-ruxama e nem siquer a gente encontrava cunhas por ali. O silêncio principiava cochilando a beira- rio do Uraricoera. Que enfaro! E principalmente, ah!... que preguiça!... Macunaíma foi obrigado a abandonar a tapera cuja última parede trançada com palha de catolé estava caindo. Mas o impaludismo não lhe dava coragem nem pra construir um papiri. Trouxera a rede pro alto dum teso onde tinha uma pedra com dinheiro enterrado por debaixo. Amarrou a rede nos dois cajueiros frondejando e não saiu mais dela por muitos dias dormindo caceteado e comendo cajus. Que solidão! O próprio séquito sarapintado se dissolvera. Não vê que um ajuru-catinga passara muito afobado por ali. Os papagaios perguntaram pro parente onde que ia. — Madurou milho na terra dos Ingleses, vou pra lá! Então todos os papagaios foram comer milho na terra dos Ingleses. Porém primeiro viraram periquitos porque assim, comiam e os periquitos levavam a fama. Só ficara um aruaí muito falador. Macunaíma se consolou pensamenteando: "O mal ganhado, diabo leva... paciência". Passava os dias enfarado e se distraía fazendo o pássaro repetir na fala da tribo os casos que tinham sucedido pro herói desde infância. Aaah ... Macunaíma bocejava escorrendo caju, muito mole na rede, com as mãos pra trás fazendo cabeceiro, o casal de legornes empoleirado nos pés e o papagaio na barriga. Vinha a noite. Aromado pelas frutas do cajueiro o herói ferrava no sono bem. Quando a arraiada vinha o papagaio tirava o bico da asa e tomava o café da manhã devorando as aranhas que de-noite fiavam as teias dos ramos pro corpo do herói. Depois falava: — Macunaíma! O dorminhoco nem se mexia. — Macunaíma! ôh Macunaíma! — Deixa a gente dormir, aruaí... 

— Acorda, herói! É de-dia! — Ah... que preguiça!.. . — Pouca saúde e muita saúva, Os males do Brasil são!... Macunaíma dava uma grande gargalhada e cocava a cabeça cheia de pixilinga que é piolho-de-galinha. Então o papagaio repetia o caso aprendido na véspera e Macunaíma se orgulhava de tantas glórias passadas. Dava entusiasmo nele e se punha contado pro aruaí outro caso mais pançudo. E assim todos os dias. Quando a Papaceia que é a estrela Vésper aparecia falando pras coisas irem dormir, o papagaio zangava por causa da história parando no meio. Uma feita ele insultou a estrela Papaceia. Então Macunaíma contou:  — "Não insulta ela não, aruaí! Taína-Cã é bom. Taína-Cã que é a estrela Papaceia tem pena da Terra e manda Emoron-Pódole dar o sossego do sono deste mundo pra todas essas coisas que podem ter sossego porque não possuem pensamento que nem nós. Taína-Cã é indivíduo também... Relumeava lá no campo vasto do céu e a filha mais velha do morubixaba Zozoiaça da tribo carajá, solteirona chamada Imaerô falou assim: — Pai, Taína-Cã relumeia tão bonito que eu quero me amulherar com ele. Zozoiaça riu bem por causa que não podia dar Taína-Cã de casamento pra filha velha não. Vai, de-noite veio descendo o rio uma piroga de prata, um remeiro saltou dela, bateu no poial e falou pra Imaerô: — Eu sou Taína-Cã. Escutei vosso pedido e vim numa piroga de prata. Casa comigo por favor? — Sim, ela fez contentíssima. Deu a rede pro noivo e foi dormir com a mana mais nova se chamando Denaquê. No outro dia quando Taína-Cã pulou da rede todos se sarapantaram. Era uma coroca enrugado enrugado, tremelicando tanto feito a luz da estrela Papaceia. Vai, Imaerô falou: — Cai fora, coroca! Vê lá si vou casar com velho! Pra mim há-de ser um moço mui brabo mucudo e de nação carajá! 

Taína-Cã ficou jururu jururu e principiou imaginando na injustiça dos homens. Porém a filha mais nova do morubixaba Zozoiaça teve pena do coroca e falou: — Eu caso com você... Taína-Cã brilhou de gozo. Ficaram ajustados. Denaquê preparando o enxoval cantava noite e dia: — Amanhã por estas horas, furrum-fum-fum... Zozoiaça respondia: — Eu também com vossa mãe, furrum-fum-fum ... Depois que se acabaram os dedos das vossas mãos, papagaio, que são de espera pra noivo, na rede trançada por Denaquê se brincou dança de amor, furrum-fum-fum. Nem bem o dia estava rompendo a barra, Taína-Cã pulou da rede e falou pra companheira: — Vou derrubar mato pra fazer roçado. Agora você fica no mocambo e nunca não vai na roça me espiar. — Sim, ela fez. E ficou na rede, matutando gozada naquele velhinho esquisito que dera pra ela a noite mais gostosa de amor que a gente imagina. Taína-Cã derrubou mato, botou fogo em todos os macurus de formiga e preparou a terra. Naquele tempo inda a nação carajá não conhecia as plantas boas. Era só peixe e bicho que carajá engolia. Na outra madrugada Taína-Cã falou pra companheira que ia buscar sementes pra semear e repetiu a proibição. Denaquê ficou deitada na rede inda um bocado, matutando nas gostosuras valentes das noites de amor que o bom do coroca dava pra ela. E foi fiar. Taína-Cã deu uma chegadinha no céu, foi até o corgo Berô, fez oração e botando uma perna em cada barreira do corgo esperou assuntando a água. Daí a pouco vieram vindo no pêlo da agüinha as sementes do milho cururuca, o fumo, a maniveira, todas essas plantas boas. Taína-Cã apanhou o que passava, desceu do céu e foi no roçado plantar. Estava trabucando na Sol quando Denaquê apareceu. Era por causa que ela de sodosa quis ver o companheiro dando gostosuras tão valentes pra ela nas noites de amor. Denaquê deu um grito de alegria. Taína-Cã* não era coroca não! Taína-Cã era mas um rapaz muito 

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