A Queda

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Chovia muito na cidade de Porto Alegre. A chuva caía como Ana. A diferença é que Ana caía de dezenove andares, e a chuva só molhava mais o chão. Ana bateu no chão como Otávio havia batido em sua porta três horas antes. Otávio entrou no quarto de Ana querendo "conversar", talvez se Ana não tivesse sido tão ingênua naquele momento, ela não estaria tão morta como Laura. Laura morreu dias antes de Otávio bater na porta de Ana que caiu como a chuva. Mas vamos explicar onde eu, Fernando, surjo nessa história, e onde se encaixa o porquê de tudo isso.
● ● ●
Voltemos à chuva, mas não no dia de Ana, e sim no meu. Acordo às 13h. Escovo meus dentes zonzo, sem saber para onde olhar. Minha mãe, Marisa, havia deixado uns dez recados na caixa postal como se eu ainda fosse obrigado a dar satisfação a ela, mesmo com o fato de eu ter vinte anos de idade. Ao ouví-los, escuto a voz da minha mãe preocupada comigo, pois ela sabia que eu estava numa festa da faculdade com meus colegas de quarto e havia tomado o maior porre. Saio do banheiro do apê e noto que meus colegas de quarto não estão presentes. Presumo que já saíram para suas aulas. Olho na mesa e vejo um bilhetinho de Laura, escrito ontem por volta do horário da festa:

- " Fui Em Rio grande Numa Amnésia coNstante De Ornamentos, ME Aguarde Jantando Um Delicioso Estrogonofe. "

A primeira coisa que penso é na quantidade de vodka que essa garota tomou pra estar escrevendo coisas tão sem sentido de maneira tão bizarra. Guardo o bilhetinho no bolso e me arrumo, para assim, sair para minha aula de português.

Atravesso o campus, que mais parece uma floresta, com árvores, névoa e tudo. Passo pela casa onde havia sido a festa, o pátio está imundo, como se ninguém ligasse para a limpeza dos resíduos descartados na festa. Passo na frente da casa do professor Matias - mais conhecido como professor de literatura e portugês - e percebo algo incomum: seu carro não está na garagem, mas a luz do segundo andar está acesa. Continuo a andar. Passo pelo mural. Aquele maldito mural. Por que eu tinha que passar por ali, nessa hora do dia? Por que eu ainda paro para observá-lo?. Olhando os cartazes e as fotos, percebo uma foto da minha colega de quarto e amiga Laura, com algo escrito, meio borrado da chuva... forço meu olho para ler, e consigo decifrar a palavra: "desaparecida". No mesmo momento sinto arrepios. Primeiro o bilhete estranho e agora isso. A chuva voltou a apertar e eu tive de correr para entrar na ala do curso de letras, para assim ter minha aula.
● ● ●

- Trinta minutos atrasado, Fernando?! Logo você que ama a minha matéria?! Suponho que teve uma noite longa... - diz Matias, parando sua aula para rir do meu repentino e raro atraso.
- Desculpa professor, não vai mais se repetir. Pode continuar de onde parou, estamos aprendendo o quê? - respondi desconversando a noite passada porque eu não lembrava de nada.
- Na verdade não estávamos aprendendo matéria, e sim conversando sobre o desaparecimento de uma aluna da universidade na festa de ontem, na qual você esteve presente. - explicou Matias, com a maior calma do mundo, como alguém aliviado.
- É verdade então, professor? Laura sumiu mesmo? - perguntei preocupado com aquela amiga e colega de quarto que me escreveu um bilhete tão bizarro minutos antes da festa.
- Sim, sumiu. Escafedeu-se. Ninguém sabe o que houve com ela. O campus todo está orando por seu retorno, ela está mais famosa que o Messias quando nasceu! - respondeu Matias de um jeito misterioso.

Paro de conversar. Faço sinal de compreensão. Não consigo parar de pensar em três coisas: 1. Por que ela deixaria um bilhete logo para mim? 2. Por que eu não me lembro de nada que aconteceu na festa? 3. Por que Matias está tão calmo com esse acontecido?

Me perco em pensamentos, quando o sinal toca, avisando que devemos mudar de sala para outra matéria:
- Adeus jovens, até a próxima aula. E lembrem-se: as maiúsculas são sempre importantes quando você é um escritor! - disse Matias, se despedindo.

Onde Está Laura?Onde histórias criam vida. Descubra agora