Portanto, embora Sewell Point não tenha sido uma das principaisbatalhas, teve potencial para afetar decisivamente o desenrolar daguerra. Obviamente, a baía de Chesapeake foi uma área críticapara ambos os lados. Então, dez páginas sobre o bloqueio e seus efeitos,para segunda-feira.Minha turma gemeu.— Senhorita Em! — protestou Hunter Graystone. — Isso deve dar umasdez vezes mais dever do que as outras professoras passam.— Oh, pobres crianças! Quer que eu segure seu braço enquanto digita?— Pisquei para ele. — Dez páginas. Doze se reclamar.Kerry Blake riu. Ela estava mandando uma mensagem de texto paraalguém.— Me entregue isso, Kerry! — falei, estendendo a mão para pegar ocelular. Era um modelo novo, cravejado de cristais.Kerry ergueu a sobrancelha perfeitamente depilada.— Srta. Emerson, a senhora, tipo, sabe quanto custa esse telefone? Tipo,se meu pai souber que a senhorita pegou isso, ele ficaria, bem... muitochateado.— Você não pode usar seu celular durante a aula, querida — falei pelacentésima vez naquele mês, provavelmente. — Você o terá de volta no fimdo dia.— Tanto faz — ela resmungou. Então, percebendo o olhar de Hunter emsua direção, Kerry jogou os cabelos para trás e se espreguiçou. Huntersorriu, apreciando a cena. Tommy Michener, que estava dolorosa einexplicavelmente apaixonado por Kerry, ficou paralisado de repente, o quefez Emma Kirk abaixar a cabeça, desanimada. Ah, o amor da juventude...Do outro lado do corredor, ouvi uma explosão de gargalhadas vinda dasala de aula de Ava Machiatelli, que ensinava História Clássica. A maioriados alunos da Academia Manning adorava a srta. Machiatelli. Notas boassem esforço, uma falsa simpatia por suas agendas apertadas, o queresultava em muito pouco dever de casa, e a abordagem de História maisrasa desde... bem, desde que Brad Pitt estrelara Troia. Mas, assim comoBrad Pitt, Ava Machiatelli era bonita e charmosa. Acrescente seus suéteresdecotados e saias apertadas e era como ter Marilyn Monroe ensinandoHistória. Os rapazes ficavam loucos por ela, as garotas anotavam dicas demoda e os pais a adoravam já que os filhos tiravam tantas notas "A". Já eu...não era assim tão fã dela.O sinal tocou, anunciando o fim da aula. A Academia Manning não tinhacampainhas — eram agudas demais para os jovens ouvidos dos americanosabastados. No entanto, os delicados sinos Zen tinham o mesmo efeito deuma terapia de choque, meus alunos do último ano dispararam dosassentos em direção à porta. Às segundas-feiras, a Guerra Civil era a últimaaula antes do almoço.— Esperem, crianças — chamei. Eles pararam, como ovelhinhas dóceis.Meus alunos podiam ser, em sua maioria, mimados demais eexageradamente sofisticados para suas tenras idades, mas eu tinha queadmitir que eram obedientes. — Nesse final de semana, o "Brother AgainstBrother" vai encenar a Batalha de Bull Run, também conhecida como aPrimeira Batalha de Manassas, como estou certa de que se lembram, já quefoi o trabalho de casa de leitura para terça-feira. Um ponto extra para quemaparecer, certo? Me mandem um e-mail se estiverem interessados e ficareifeliz em pegá-los aqui.— Até parece — falou Kerry. — Não estou precisando tanto assim deponto extra.— Obrigado, senhorita Em — falou Hunter. — Parece divertido.Hunter não iria, embora fosse um dos meus alunos mais educados. Seusfins de semana eram passados fazendo coisas como jantar com Derek Jeterantes de um jogo dos Yankees ou voando para uma das muitaspropriedades de sua família. Tommy Michener talvez fosse, já que pareciagostar de História, seus trabalhos eram sempre inteligentes e perspicazes,mas era mais provável que a pressão dos amigos o mantivesse em casa,infeliz e desejando Kerry, totalmente inconsciente da atração que elemesmo provocava em Emma Kirk.— Ei, Tommy! — chamei.Ele se voltou para mim.— Sim, srta. Em?Esperei um pouco até que o resto da turma saísse.— Está tudo bem com você?Ele sorriu com certa tristeza.— Está, sim... Só a mesma porcaria de sempre.— Você pode conseguir alguém melhor do que Kerry — falei comdelicadeza.Ele bufou.— É isso o que meu pai diz.— Está vendo? Dois dos seus adultos favoritos concordam.— É... Só que não podemos escolher por quem nos apaixonamos, não émesmo, srta. Em?Fiz uma pausa.— É verdade, não podemos.Tommy foi embora e eu fiquei arrumando meus papéis. História erauma matéria difícil para ensinar. Afinal, a maior parte dos adolescentes malse lembrava do que acontecera no mês anterior, quanto mais há um séculoe meio. Mas, ainda assim, eu gostaria que, ao menos uma vez, elessentissem como a História impactara o mundo em que viviam.Principalmente a Guerra Civil, minha parte favorita da História Americana.Queria que entendessem o risco que representara, que imaginassem a dor,a incerteza e a aflição que o presidente Lincoln com certeza experimentara,a sensação de perda e de terem sido traídos, vividas pelos sulistas quehaviam se separado...— Olá, Grace. — Ava estava parada na porta da minha sala, com osorriso sonolento que era sua marca registrada cintilando no rosto, seguidopor três piscadas de olhos lentas e sedutoras. A primeira... então asegunda... e lá estava a terceira.— Ava! Como está você? — eu disse, forçando um sorriso.— Estou muito bem, obrigada. — Ela inclinou a cabeça, de modo queseus cabelos sedosos caíssem para um lado. — Já soube das novidades?Hesitei. Ava, ao contrário de mim, sabia de tudo o que ser referia àspolíticas da escola Manning. Eu era uma dessas professoras quedetestavam ficar de conversa fiada com os membros do conselhoadministrativo e ex-alunos ricos da escola, preferindo passar meu tempoplanejando aulas e orientando os alunos que precisavam de uma ajudaextra. Ava, por outro lado, sabia como funcionava o sistema. Acrescente-sea isso, o fato de que eu não morava no campus da escola (Ava tinha umacasinha no extremo do campus, e as más línguas diziam que ela dormiracom o responsável pela administração das casas para conseguir isso) e oresultado era que a mulher, sem dúvida, sabia das coisas.— Não, Ava. Que novidades são essas? — perguntei, tentando manter otom de voz agradável. A blusa dela era tão decotada que eu conseguia ver oideograma chinês tatuado em seu seio direito. O que significava que todosos alunos que haviam comparecido à aula dela também tinham visto atatuagem.— O dr. Eckart está se afastando do cargo de chefe do Departamento deHistória. — Ava deu um sorriso felino. — Ouvi de Theo. Nós andamos nosvendo muito ultimamente. — Que maravilha... Theo Eisenbraun era opresidente do conselho administrativo da Academia Manning.— Nossa... que interessante — comentei.— Ele vai anunciar sua decisão até o final da semana. Theo já pediu queeu me candidatasse ao cargo. — Sorriso. Piscada. Piscada. E... era sóesperar... mais uma piscada.— Que ótimo. Bem, preciso correr para casa para almoçar. Nos vemosmais tarde.— Que pena que você não mora no campus, Grace. Pareceria muito maiscomprometida com a Manning se morasse.— Obrigada pela preocupação — respondi, enquanto jogava meuspapéis em minha velha bolsa de couro. As notícias de Ava haviam tocadoum ponto sensível. Sim, o dr. Eckart era um senhor, mas já era um senhorhá muito tempo. Fora ele quem me contratara seis anos atrás, quem ficaraao meu lado quando um pai ou uma mãe me pressionavam para aumentara nota do pequeno Peyton ou da pequena Katherine, quem aprovava decoração meus esforços para envolver meus alunos com o tema das aulas.Achei que ele me diria se estivesse indo embora. Mas era difícil dizer.Escolas particulares são lugares estranhos, e eu era obrigada admitir que asinformações de Ava costumavam ser confiáveis.Kiki me encontrou do lado de fora do prédio Lehring.— Oi, Grace, quer almoçar comigo?— Não posso — falei. — Preciso correr até em casa antes da aula deHistória Colonial.— É aquele seu cachorro, não é? — ela perguntou desconfiada. Kiki eraa orgulhosa dona de um gato siamês diabético que atendia pelo nomemisterioso de sr. Sortudo. O bicho era cego de um olho, já perdera váriosdentes e era dado a vomitar bolas de pelo, além de ter síndrome dointestino irritável.— Bem... sim, Angus estava com o intestino um pouco solto, se você meentende, e não quero chegar em casa à noite e descobrir que ele nãoconseguiu se segurar.— Cachorros são tão nojentos.— Não vou nem me dignar a respondê-la, a não ser para dizer que temcupons de desconto na loja Stop & Shop para ração para gatos da marcaFresh Step.— Oh, obrigada! — disse Kiki. — Meu estoque já está acabando. Ei,Grace, eu lhe contei que conheci uma pessoa?Enquanto caminhávamos para nossos carros, Kiki desfiou o rosário devirtudes de um cara chamado Bruce, que era bom, generoso, atencioso,engraçado, sexy, inteligente, trabalhador e absolutamente honesto.— E quando você conheceu esse cara? — perguntei, mudando meuspapéis de mão enquanto abria a porta do carro.— Nós tomamos um café no sábado. Oh, Grace, acho que esse é "O Cara".Sei que já disse isso antes, mas ele é perfeito.Mordi minha língua.— Boa sorte — desejei, fazendo uma anotação mental para separaralgum tempo para Kiki, dali a uns dez dias, quando o tal Bruceprovavelmente já teria mudado o número de telefone e minha amigaestaria chorando no sofá. — Ei, Kiki, você ouviu alguma coisa sobre o dr.Eckhart?Ela balançou a cabeça, negando.— Por quê? Ele morreu?— Não — respondi. — Ava me contou que ele está se aposentando.— E Ava sabe disso porque está dormindo com ele? — Kiki, assim comoAva, morava no campus, e as duas às vezes saíam juntas.— Pare com isso.— Bem, se for verdade, é ótimo para você, Grace! Apenas Paul tem maistempo de escola do que você, não é? Você vai se candidatar ao cargo, nãovai?— É um pouco cedo para falar a respeito — eu disse, colocando aquestão de lado. — Só queria saber se você tinha ouvido alguma coisa. Atélogo!Sai do estacionamento dirigindo com cuidado — os alunos da Manningcostumavam dirigir carros que custavam mais do que o meu salário anual,e passei pelo rio Farmington de volta para as ruas sinuosas de Peterston,pensando no dr. Eckart. Se a aposentadoria dele fosse mesmo verdade,então eu me candidataria para o cargo de nova chefe do nossodepartamento. Para ser honesta, achava o currículo de História daAcademia Manning muito chato. Os alunos precisavam sentir a importânciado passado e, sim, às vezes precisavam que o enfiássemos por suasgargantas. Com delicadeza e carinho, é claro.Estacionei na minha garagem e vi a verdadeira razão pela qual eupassara em casa, além dos intestinos de Angus. Meu vizinho estava paradoem seu pátio da frente com uma serra elétrica ou alguma outra ferramenta.Sem camisa. Os músculos dos ombros saltavam sob a pele, os bíceps fortese salientes... firmes... dourados... Muito bem, Grace! Já basta!— Olá, vizinho! — eu disse, me encolhendo assim que as palavrasdeixaram a minha boca.Ele desligou a serra e retirou os óculos de segurança. Me encolhinovamente. O olho dele estava horrível. Agora já conseguia abrir um oudois centímetros, o que era um progresso, pois na véspera o olho estava tãoinchado que não abria de jeito nenhum, e até onde eu podia ver, o brancodos olhos estava muito vermelho. Uma mancha roxo-azulada cobria o rostodele da testa ao malar. Olá, bad boy! Sim, era inegável que fora eu quemprovocara aquele machucado nele — na verdade eram "machucados", noplural, já que havia uma leve marca vermelha no maxilar do homem, bemonde eu o atingira com o ancinho. Meu vizinho tinha a aparência rude eardente de Marlon Brando no filme Sindicato dos Ladrões. Ou Clive Owenem Sin City. Ou ainda Russel Crowe em tudo o que ele já fez.— Oi — ele falou, apoiando as mãos nos quadris. O movimento deixou acurva de seu braço ainda mais bonita.— Como está seu olho? — perguntei, tentando não encarar o peito largoe musculoso.— Como parece que está? — ele grunhiu.Muito bem, então ele não havia superado o acontecido.— Escute, nós começamos mal — eu disse com o que esperava ser umsorriso triste. De dentro da minha casa, Angus ouviu minha voz e começoua latir de alegria. Au! Au! Au! Auauauauau! — Podemos começar de novo?Sou Grace Emerson. Moro na casa ao lado. — Engoli em seco e estendi amão.Meu vizinho ficou me encarando por um momento. Então andou atéonde eu estava e pegou a minha mão. Meu Deus! A eletricidade subiu pelomeu braço como se eu estivesse segurando um fio desencapado. As mãosdele, com certeza, eram mãos de trabalhador braçal. Calosas, duras,quentes...— Callahan O'Shea — ele falou.Ohh... Oh, uau! Que nome... Regiões da minha anatomia há muito temponegligenciadas, se fizeram presentes com uma palpitação quente.Auauauauau! Percebi que estava encarando Callahan O'Shea (suspiro!)e que ainda estava segurando sua mão. E ele estava sorrindo. Só umpouquinho, mas o bastante para suavizar belamente aquela aparência debad boy.— Então — eu disse com a voz fraca, e soltei a mão dele com relutância.— De onde você está vindo?— Da Virgínia. — Ele estava me encarando. Era difícil pensar.— Virgínia. Ahn... De onde, na Virgínia? — perguntei. Auauauauau!Angus agora estava quase histérico. Calma, meu bem, pensei. Mamãe estáenlouquecendo de desejo.— De Petersburg — falou Callahan. Ele não era o cara mais falante domundo, mas não tinha problema. Com músculos como aqueles... comaqueles olhos... bem, eu me refiro ao olho que não estava machucado... se ooutro fosse como aquele, eu estava me candidatando.— Petersburg — repeti fracamente, ainda encarando-o. — Já estive lá.Houve algumas batalhas da Guerra Civil na cidade. A Batalha Petersburg,entre elas. Isso mesmo.Ele não respondeu. Au! Au! Au!— Então, o que você fazia em Petersburg? — perguntei.Callahan cruzou os braços.— Cumpria minha pena.Auauauauau!— Como? — perguntei.— Eu estava cumprindo uma pena de três a cinco anos a que fuicondenado, na Prisão Federal de Petersburg — ele respondeu.Eu levei algum tempo para registrar, enquanto meu coração disparavano peito. Tum!... Tum!... Tum!... Santo Deus!— Prisão? — perguntei com a voz muito aguda. — E, ahn... uau! Prisão!Imagine só.Ele não disse nada.— Então... quando... quando você saiu?— Na sexta-feira.Sexta-feira. Sexta-feira. Ele acabara de sair da cadeia! Era um criminoso!E que tipo de crime será que cometera? Talvez eu tenha ido longe demaiscom as minhas perguntas! E eu ainda atacara o homem! Santa Mãe de Deus!Havia atacado um ex-presidiário e o mandara para a cadeia! Eu o mandarapara... oh, Deus... o mandara para a cadeia na noite seguinte em que elesaíra do presídio... Com certeza isso não contaria pontos para mim comCallahan O'Shea, ex-presidiário. E se ele quisesse vingança?Minha respiração estava ofegante. Sim, não havia dúvidas de que estavahiperventilando um pouco. Auauauauauau! Finalmente a parte de correr doinstinto de lutar ou correr me atingiu.— Uau! Escute só o meu cachorro! É melhor eu ir. Tchau! Tenha umbom dia! Preciso... preciso ligar para o meu namorado. Ele está esperando aminha ligação. Sempre nos falamos ao meio-dia para checar se está tudobem. Preciso ir. Tchau.Consegui me controlar para não correr até em casa. No entanto,tranquei a porta assim que entrei. Com as duas trancas. E chequei a portada frente. E tranquei-a. Fiz o mesmo com as janelas. Angus corria ao redorda casa em suas tradicionais voltas de vitória, mas eu estava atordoadademais para dar a atenção a que ele estava acostumado.Três a cinco anos de sentença! Na prisão! Eu estava morando ao lado deum ex-presidiário! Quase o convidei para jantar!Peguei o telefone e disquei o número do celular de Margaret. Ela eraadvogada, poderia me dizer o que fazer.— Margs, meu vizinho é um ex-presidiário! O que devo fazer?— Estou a caminho do tribunal, Grace. Um ex-presidiário? E qual foi ocrime dele?— Não sei! É por isso que preciso de você.— Bem, o que você sabe?— Ele estava em Petersburg, na Virgínia. Três anos? Cinco? Três a cincoanos? Nem sei direito o que isso significa... Não é nada horrível, certo? Nadaassustador?— Pode ser qualquer coisa. — A voz de Margaret era despreocupada. —As pessoas são condenadas a menos tempo por estupro e agressão.— Oh, meu bom Deus!— Acalme-se, acalme-se. Petersburg, certo? É uma prisão de segurançamínima, pelo que sei, para presos que não são perigosos. Escute, Grace, nãoposso ajudá-la agora. Me ligue mais tarde. Jogue o nome dele no Google.Preciso ir.— Está certo. Google. Boa ideia — falei, mas ela já havia desligado. Corripara o meu computador, suando. Quando relanceei o olhar pelas janelas dasala de jantar, vi que Callahan O'Shea voltara a trabalhar. Os degrausarrebentados na varanda da frente da casa dele haviam sido arrancados e amaior parte das telhas também havia sido retirada. Eu o imagineiquebrando pedras ao longo de alguma rodovia estadual, usando o macacãolaranja típico dos presidiários americanos. Droga!— Vamos — murmurei, enquanto esperava que meu computadorvoltasse à vida. Quando a tela do Google finalmente apareceu, digiteiCallahan O'Shea e esperei. Bingo!Callahan O'Shea, primeiro-violinista do grupo folclórico irlandês We MissYou, Bobby Sands, sofreu ferimentos leves quando atiraram lixo na banda quese apresentava no Sullivan's Pub, em Limerick, na Irlanda.Muito bem. Aquele provavelmente não era o cara que eu procurava.Continuei a ler os outros resultados da busca. Infelizmente, aquela bandateve bastante divulgação nos últimos tempos... eles haviam irritado aplateia ao tocar "Rule Brittania", uma canção patriótica britânica e osirlandeses não reagiram bem.Foi nesse instante que minha conexão com a internet, que nunca foradas mais confiáveis, decidiu cair. Droga!Dei outra olhada assustada para a porta e deixei Angus sair para oquintal cercado, então voltei para a cozinha para preparar alguma coisapara almoçar. Agora que meu choque inicial havia passado, o pânicotambém diminuíra. Recorri ao meu vasto conhecimento legal, adquiridograças a muitas horas felizes assistindo ao seriado Lei & Ordem, a doisparentes advogados e a um ex-noivo que tinha a mesma profissão. Ao queme parecia, uma sentença de três a cinco anos normalmente não era o queaplicavam a homens assustadores e violentos. E se ele realmente havia feitoalguma coisa assustadora... bem. Eu me mudaria.Engoli rapidamente o almoço, chamei Angus para dentro de casa,lembrei a ele que era o melhor cachorro do universo e pedi para que nemolhasse para o ex-presidiário grandão da porta ao lado, e peguei as chavesdo meu carro.Callahan O'Shea estava martelando alguma coisa quando me aproximeido meu carro. Ele não parecia assustador. Parecia lindo, isso sim. O que nãosignificava que não fosse perigoso. Prisão de segurança mínima, isso erareconfortante. Além do mais, aquela era a minha casa, minha vizinhança.Não seria coagida. Endireitei meus ombros e decidi marcar meu território.— Então, pelo que foi condenado, sr. O'Shea? — perguntei.Ele endireitou o corpo, levantou os olhos para mim, então saltou davaranda, me assustando um pouco com a graça ágil do movimento. Muito...predatório. Callahan caminhou até a cerca que dividia nossas propriedadese cruzou novamente os braços. Uau! Pare com isso, Grace.— Pelo que você acha que fui condenado? — ele perguntou.— Assassinato? — sugeri. Era melhor começar logo pelo meu piormedo.— Por favor. Você não assiste a Lei & Ordem?— Assalto e agressão?— Não?— Roubo de identidade?— Está esquentando.— Preciso voltar para o trabalho — me apressei a dizer. Ele ergueu umasobrancelha e eu permaneci em silêncio. — Você cavou um buraco em seuporão e manteve uma mulher acorrentada ali.— Bingo! Você acertou. Uma pena de três a cinco anos por acorrentaruma mulher.— Bem, o negócio é o seguinte, Callahan O'Shea. Minha irmã éadvogada. Posso pedir a ela para investigar e descobrir seu passadosórdido. — Na verdade, já fiz isso, pensei. — Ou você pode simplesmenteme dizer se preciso comprar um Rottweiler.— Me parece que aquele seu cachorrinho do tamanho de um rato já fazum bom trabalho sozinho — ele falou, passando a mão pelos cabelosmolhados de suor e eriçando-os.— Angus não tem o tamanho de um rato! — protestei. — Ele é umcachorro de raça, um West Highland Terrier. De uma ninhada muito doce ecarinhosa.— Sim. Doce e carinhoso foi exatamente o que pensei quando eleenterrou os dentinhos no meu braço na noite passada.— Oh, por favor. Ele só pegou a manga da sua blusa.O sr. O'Shea esticou o braço e mostrou duas marcas de dentes em seupulso.— Droga — resmunguei. — Está certo, então. Contrate um advogado, seé que um ex-presidiário pode fazer isso. Vou ligar para a minha irmã. E noinstante em que chegar na escola, vou jogar seu nome no Google.— Todas as mulheres dizem isso — ele retrucou. Então virou-se para aserra, me ignorando. Me peguei dando uma boa olhada em seu traseiro.Muito bonito. Me dei um tapa mentalmente e segui para o carro.O teimoso Callahan O'Shea podia não ser muito comunicativo em relação aseu passado sórdido, mas eu sentia que tinha a obrigação de saberexatamente que tipo de criminoso vivia na porta ao lado. Assim que a aulasobre Século XX dos meus alunos do segundo ano terminou, fui até minhapequena sala e entrei na internet. Dessa vez, tive sorte.O jornal Times-Picayune, de Nova Orleans, publicara a seguinteinformação dois anos antes:"Callahan O'Shea foi considerado culpado das acusações de apropriaçãofraudulenta e sentenciado a cumprir de três a cinco anos de pena em umpresídio de segurança mínima. Tyrone Blackwell foi considerado culpadodas acusações de roubo."Os outros resultados da busca sempre se referiam à fracassada bandairlandesa.Apropriação fraudulenta. Muito bem. Isso não era assim tão ruim,certo? Não que fosse bom, é claro... mas não era nada violento ouassustador. Me perguntei quanto dinheiro o sr. O'Shea havia desviado. Etambém fiquei curiosa para saber se ele era solteiro...Não. A última coisa de que eu precisava era de um envolvimento comum ex-presidiário grosseiro. Estava procurando por alguém com quem eupudesse ter um relacionamento de longo prazo. Um pai para os meus filhos.Um homem de moral e íntegro, que também tivesse ótima aparência e quebeijasse muito bem. E que soubesse se comportar nos eventos da AcademiaManning. Queria um namorado que fosse como um general Maximusmoderno, se é que me entendem. Não queria perder tempo com CallahanO'Shea, por mais bonito que fosse seu nome, ou por melhor que ele ficassesem camisa.
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A Arte de Inventar o Amor
Romance'Grace dominava como ninguém a arte de inventar o namorado perfeito...' Não que isso a deixasse desconfortável. A>inal, existem aqueles que se deleitam em olhar vitrines de grifes que não cabem no bolso... Outros, se realizam colecionando fotos d...