Muito bom, sra. Slovananski, um, dois, três, rápido. Quatro, cinco,seis, sete, lento. Você conseguiu, garota! Muito bem, agora nosobserve. — Julian e eu fizemos o passo básico de salsa mais duasvezes. Eu exibia um sorriso largo no rosto e requebrava os quadris, fazendoa minha saia girar. Então ele me rodou para a esquerda, puxou-me de voltacontra o seu corpo e nos inclinou para trás. — Tchã-rããã!A audiência foi à loucura, aplaudindo com entusiasmo com as mãosartríticas. Era o Baile da Terceira Idade, o evento semanal favorito na casade repouso Golden Meadows, e Julian estava em seu elemento. Quase todasas semanas eu era sua parceira de dança e professora assistente. Mémétambém morava ali e embora ela fosse tão agradável quanto um tubarãoque come seus filhotes, um senso puritano de dever de família forainculcado em mim há muito tempo. Afinal, éramos descendentes dospioneiros que chegaram aos Estados Unidos, no Mayflower. Ignorarparentes insuportáveis era para outros mais sortudos. Além do mais, asoportunidades para dançar eram cada vez menores e eu adorava dançar.Principalmente com Julian, que era bom o bastante para chegar até aparticipar de competições.— Todos entenderam? — perguntou Julian, observando nossos casais.— Um, dois, três, rápido... pro outro lado, sr. B... cinco, seis, sete, nãoesqueçam da pausa, pessoal. Muito bem, vamos ver se conseguimos fazercom a música! Grace, dance com o sr. Creed e mostre a ele como se faz.O sr. e a sra. Bruno já estavam na pista de dança. A osteoporose deles esuas juntas artificiais não permitiam que explorassem toda a sensualidadede movimentos que a salsa costumava requerer, mas eles compensavamisso com a expressão de seus rostos... amor, puro e simples, e felicidade,alegria, gratidão. Era tão comovente, tão lindo que acabei perdendo a contados passos, e o sr. Creed tropeçou.— Me desculpe — eu disse, segurando com um pouco mais de firmeza.— Foi minha culpa. — De sua cadeira da morte, minha avó deixou escaparum som de desprezo. Como muitos dos moradores da Golden Meadows, elaaparecia toda semana para observar os dançarinos. Então a sra.Slovananski pediu meu lugar — os boatos diziam que ela estava de olho háalgum tempo no sr. Creed — e fui até um dos senhores que estavaassistindo, enquanto Julian inclinava a sra. Helen Pzorkan para trás commuito cuidado para não agravar o problema de bexiga solta de sua parceira.— Olá, sr. Donnelly, e então, está com disposição para umas voltas napista de dança? — disse para um dos senhores que viera assistir,aproveitando a música de outra época, mas muito tímido ou incapacitadopara se aventurar.— Eu adoraria, Grace, mas meu joelho não é mais o que costumava ser— ele falou. — Além do mais, não sou um bom dançarino. Só não faziavergonha quando minha esposa estava comigo, me dizendo o que fazer.— Tenho certeza de que isso não é verdade — animei-o, dando umtapinha carinhoso em seu braço.— Bem... — ele falou, olhando para os pés.— Como o senhor e sua esposa se conheceram? — perguntei.— Oh — ele disse, sorrindo, os olhos encarando à distância. — Ela eraminha vizinha. Não me lembro de um só dia em que não estivesseapaixonado por ela. Eu tinha apenas doze anos quando deixei claro para osoutros garotos que era eu quem a acompanharia ao colégio.A voz dele era tão melancólica que senti a garganta apertada.— Que sorte a de vocês, se conhecerem tão jovens — murmurei.— Sim. Tivemos sorte — ele falou, ainda sorrindo por causa dalembrança. — Realmente muita sorte.Sei que parece muito nobre e altruísta dar aula de dança para idosos,mas a verdade era que aquela costumava ser a melhor noite da minhasemana. A maior parte das noites eu passava em casa, corrigindo trabalhose preparando provas. Mas às segundas-feiras, eu vestia uma saia rodada decor vibrantes (normalmente com babados, imagine só) e me arrumava paraser a bela do baile. Eu costumava chegar cedo para ler um pouco paraalguns pacientes que não falavam, o que sempre me dava uma sensaçãoabençoada, maravilhosa.— Gracie — chamou Julian, vindo em minha direção. Olhei para orelógio. Como imaginara, já eram nove da noite, hora de dormir para amaior parte dos moradores. Julian e eu terminávamos o baile com umapequena exibição, um número de dança em que realmente nos exibíamos.— O que vai ser essa noite? — perguntei.— Pensei em um foxtrote — ele disse. Julian trocou o CD, caminhou atéo meio da pista de dança e ergueu os braços com um floreio. Fui até ele,mexendo sinuosamente o corpo, e estendi a mão, que ele segurou comdeterminação. Viramos nossas cabeças para a plateia e esperamos que amúsica começasse. Ah... A música era "There Goes my Baby", do TheDrifters. Enquanto deslizávamos pela pista, lento-lento-rápido-rapidíssimo,Julian olhou bem dentro dos meus olhos. — Fiz matrículas para nós doisem um curso.Inclinei a cabeça para trás, enquanto orientávamos nossos passos demodo a não esbarrar no andador do sr. Carlson.— Que tipo de curso? — quis saber.— "Encontrando o homem certo", ou coisa parecida. Eles garantem quedevolvem o dinheiro se não gostarmos. Você me deve sessenta dólares.Uma noite apenas, duas horas de aula, por isso não precisa surtar, estábem? É uma aula motivacional.— Você está levando essa história a sério, não está? — eu falei.— Muito a sério. Precisamos conhecer pessoas. E você está inventandoum namorado. Pode muito bem sair com alguém que pague a conta de vezem quando.— Está bem, está bem. É só que parece um pouco... bobo.— E o namorado inventado é uma ideia assim tão esperta? — Nãorespondi. — Somos dois bobos, Grace, pelo menos no que diz respeito ahomens, ou não passaríamos três noites da semana juntos assistindo aprogramas como Dancing with the Stars e Project Runway. E esse é o pontoalto do nosso calendário social. Concorda?— Como você está resmungão, hoje... — resmunguei.— E também estou certo. — Ele me girou e me trouxe de volta. —Cuidado, querida, você quase pisou no meu pé.— Bem, para dizer a verdade, tenho um encontro marcado para daqui ameia hora. Portanto, estou ganhando de você no jogo do namoro.— Bom para você. Esta saia que você está usando é de arrasar. Lávamos nós! Dois, três, quatro, gira, desliza, tchã-rããã!Nosso número de dança terminou e a plateia aplaudiu mais uma vez.— Grace, você não nega o seu nome, é pura graça na pista! — memimou Dolores Barinski, uma das minhas favoritas.— Oh, que é isso... — respondi, adorando o elogio. Os senhores esenhoras me achavam adorável, admiravam minha pele jovem e meusmembros flexíveis. É claro que ali tinha que ser o ponto alto da minha vidasocial. E era tão romântico... Todos que moravam na Golden Meadowstinham uma história absolutamente romântica de como haviam conhecidoos amores de suas vidas. Nenhum deles precisara entrar na internet epreencher formulários que perguntavam se você era alguém da religiãosique procurando um católico, ou se achava piercings excitantes. Ninguémprecisara ter aulas para aprender como fazer um homem notá-la.Dito isso, eu realmente tinha um encontro com alguém indicado por umdos sites de relacionamento na internet. Dave, um engenheiro quetrabalhava em Hartford, queria me conhecer. Quando fui checar a foto dele,vi que, apesar do corte de cabelo antigo, conservador, ele era bembonitinho. Respondi ao e-mail, dizendo que adoraria que nosencontrássemos para um café. E pronto. Dave confirmou o encontro. Quempoderia imaginar que seria tão fácil? E por que eu esperara tanto?A verdade era que, enquanto beijava bochechas enrugadas e recebiatapinhas gentis de mãos carinhosas, sentia meu peito se encher deesperança. Dave e Grace. Gracie e Dave. Ainda naquela noite, eu conheceria"O Cara". Eu entraria no Rex Java's, nossos olhares se encontrariam, ele seenrolaria com seu café na hora de se levantar para me cumprimentar, orosto ruborizado e, ouso dizer, sentindo-se um pouco zonzo. Bastaria umolhar e já saberíamos. Daqui a seis meses estaríamos planejando nossocasamento. Ele prepararia meu café da manhã aos sábados e nós daríamoslongas caminhadas. Então, um dia, eu contaria a ele que estava grávida elágrimas de gratidão encheriam seus olhos... Não que eu estivesseadiantando as coisas ou algo assim.Mémé saiu antes que a dança terminasse, por isso não fui obrigada aaturar suas críticas habituais em relação à minha técnica como dançarina,ou aos meus cabelos, ou à minha escolha de roupas. Fui me despedir deJulian.— Ligarei para você, passando a data e a hora do curso — ele falou, eme deu um beijo no rosto.— Está certo. Temos que cobrir todas as possibilidades.— Essa é a minha garota. — Julian piscou para mim e pendurou a bolsano ombro, acenando em despedida.Meu cabelo parecia um pouco cheio demais, por isso passei no banheiropara aplicar um pouco mais do antifrizz/controlador de cachos/água benta,antes de meu encontro com Dave.— Olá, Dave, sou Grace — disse para o meu reflexo no espelho. — Não,não, é natural. Oh, você adora cabelos encaracolados? Nossa, obrigada,Dave!Quando deixava o banheiro, vi de relance alguém no fim do corredor, seafastando de mim. O homem se virou, indo na direção da ala médica. EraCallahan O'Shea. O que ele estava fazendo ali? E por que eu estavaruborizada como uma menina que que foi pega fumando no banheiro docolégio? E por que ainda estava olhando para ele quando tinha umencontro de verdade me esperando? Com isso em mente, me encaminheipara o meu carro.O Rex Java's já estava quase cheio quando entrei, sendo que a maior partedos frequentadores era de estudantes — embora não tivesse ninguém daAcademia Manning, que ficava em Farmington. Olhei ao redor,furtivamente. Dave não parecia estar ali... Havia um casal de cerca dequarenta anos em um canto, de mãos dadas, rindo. O homem pegou umpedaço do bolo da mulher e ela deu um tapinha na mão dele, sorrindo.Exibidos, pensei com um sorriso. Todo mundo podia ver o quanto estavamfelizes. Perto da outra parede, estava sentado um homem mais velho, decabelos brancos, lendo um jornal. Mas Dave não estava ali.Pedi um cappuccino descafeinado e me sentei, imaginando se deveriater trocado a blusa antes de sair. Dei um gole na espuma de leite e lembrei amim mesma de controlar minhas expectativas. Dave podia ser legal ou serum idiota. Mas a foto dele era boa. Muito promissora.— Com licença, você é Grace?Levantei os olhos. Era o senhor de cabelos brancos. Ele me pareciafamiliar... será que já estivera no Baile da Terceira Idade? Afinal, era umevento aberto ao público. Ou será que já o vira na Manning?— Sim, sou Grace — falei, curiosa.— Sou Dave! Prazer em conhecê-la!— Oi... ahn... — Eu não conseguia fechar a boca. — Você é Dave? O Davedo site de relacionamentos?— Sim! Prazer em conhecê-la? Posso me sentar?— Ahn... Eu... claro — falei lentamente.Pisquei, confusa, enquanto observava Dave se sentar, mantendo a pernaesticada para fora da mesa. O homem à minha frente tinha no mínimo 65anos. Talvez setenta. Os cabelos brancos eram ralos, o rosto enrugado, asmãos cheias de veias. E eu estava enlouquecendo ou o olho esquerdo deleera mesmo de vidro?— Esse lugar é muito agradável, não? — ele disse, ajeitando a cadeira eolhando ao redor. Bingo. O olho esquerdo não se movia. Sem dúvida eraartificial.— Sim. Ahn, escute, Dave — eu comecei, optando por um sorrisosimpático, mas confuso. — Me perdoe por dizer isso, mas sua foto... bem,você parecia tão... jovem.— Oh, isso — ele riu. — Obrigado. Então você disse que gosta decachorros? Eu também. Tenho uma Golden Retriever, a Maddy. — Ele seinclinou para frente e senti um cheiro forte de Gelol. — Você disse quetambém tinha um cachorro?— Ahn, sim. É verdade, eu tenho. O Angus. Um West Terrier. Então,quando foi tirada a foto?Dave pensou por um instante.— Hmmm, deixe-me ver... Acho que usei a que tirei pouco antes de irpara o Vietnã. Você gosta de comer fora? Eu adoro. Comida italiana,chinesa, tudo. — Ele sorriu. Tinha todos os dentes, pelo menos isso, emboraa maioria fosse amarelada, com manchas de nicotina. Tentei não fazer umacareta.— Sim, quanto a foto, Dave... Escute. Talvez você devesse atualizá-la,não acha?— Acho que sim — ele respondeu. — Mas você não teria saído comigose soubesse a minha verdadeira idade, teria?Fiz uma pausa.— Essa... essa é exatamente a questão, Dave — eu disse. — Realmenteestou procurando alguém da minha idade. Você disse que estava próximodos quarenta anos.— Eu estive próximo dos quarenta! — Dave riu. — Um dia. Mas escute,doçura, há vantagens em namorar um homem mais velho e achei que vocês,garotas, iriam se abrir mais para essas vantagens se me conhecessempessoalmente — O sorriso dele ficou mais largo.— Estou certa de que há vantagens, sim, Dave, mas a questão é que...— Oh, com licença — ele interrompeu. — Eu realmente preciso esvaziarmeu coletor de urina. Você não se incomoda, não é? Fui ferido em Khe Sanh.Khe Sanh. Por ser professora de História, eu sabia muito bem que KheSahn fora uma das batalhas mais sangrentas da guerra do Vietnã. Meusombros desmoronaram.— Não, é claro que não me importo. Vá em frente.Ele piscou o olho verdadeiro, se levantou e caminhou até o banheiro,mancando levemente. Ótimo. Agora eu precisava ficar ali, porque nãopoderia abandonar um Coração Púrpura — como eram chamados osmilitares feridos em combate e condecorados pelo governo. Poderia? Nãoseria nada patriótico. Eu não poderia simplesmente dizer: Sinto muito,Dave, mas não namoro com veteranos idosos e feridos que não conseguemurinar sozinhos. Isso não seria nem um pouco gentil da minha parte.Portanto, em homenagem ao meu país, passei mais uma hora ouvindosobre a procura de Dave por uma mulher-troféu, uma jovem que pudesseexibir, sobre os cinco filhos que tivera com três mulheres diferentes, sobreo incrível desconto que ele conseguira por ser aposentado na compra desua poltrona reclinável e sobre os tipos de cateteres que funcionavammelhor para ele.— Bem, agora preciso ir — falei, no instante em que senti que já haviacumprido meu dever para com a América. — Ahn, Dave, você temexcelentes qualidades, mas realmente estou procurando alguém maispróximo da minha idade.— Tem certeza de que não gostaria de sair de novo? — ele perguntou, oolho bom fixo em meus seios e o artificial olhando um pouco mais ao norte.— Achei você muito atraente. E você disse que gosta de dança de salão, porisso aposto que é muito... flexível.Tentei controlar o estremecimento de terror que percorreu meu corpo.— Adeus, Dave.O curso que Julian sugerira estava parecendo cada vez melhor.— Ainda não foi dessa vez que arrumei um papai para você — eu disse paraAngus depois que voltei para casa. — Mas sou tudo de que você precisa,certo? — perguntei a ele. Angus deu um latido, concordando, e entãocomeçou a saltar na porta dos fundos para sair. — Sim, meu amor. Senta...senta. Pare de pular. Venha, rapaz, você está rasgando a minha blusa. Senta.— Ele não sentou. — Está certo, você pode sair. Mas na próxima vez vai sesentar. Entendeu? — Quando abri a porta, Angus saiu em disparada nadireção da cerca dos fundos.Havia uma mensagem na secretária eletrônica.— Grace, é Jim Emerson — disse a voz do meu pai.— Mais conhecido como papai — eu disse para a máquina, revirando osolhos e sorrindo.A mensagem continuava.— Passei por aí essa noite, mas você não estava. Suas janelas precisamser trocadas. Vou cuidar disso. Será meu presente de aniversário. Aliás, seuaniversário foi no mês passado, não foi? De qualquer modo, estácombinado. Vejo você na Bull Run. — A máquina fez um bip.Não pude deixar de sorrir diante da generosidade do meu pai. Eraverdade que eu ganhava o bastante para pagar as minhas contas, mas comoprofessora não ganhava tanto quanto os outros membros da família.Natalie provavelmente ganhava três vezes mais do que eu e aquele eraapenas seu primeiro ano de trabalho. Já Margaret ganhava o bastante paracomprar um pequeno país. Papai vinha de uma família abastada, comoMémé gostava de nos lembrar, e ainda recebia um salário bastanteconfortável. Minha situação o fazia sentir-se paternal e ele costumava pagarpelos consertos na minha casa. Se possível, papai gostaria de fazer elemesmo os reparos, mas sua tendência a se machucar com ferramentas oimpedia — fato de que ele só se convenceu após levar dezenove pontos porcausa de um incidente que até hoje chama de uma serra radial "maluca".Voltei para a sala de estar, sentei em meu sofá e olhei ao redor. Talvezestivesse na hora de repintar algum cômodo... eu costumava fazer issoquando estava melancólica. Mas não. Depois de quase um ano e meio dereformas ininterruptas, a casa estava perfeita. As paredes da sala de estareram de um lavanda pálido com rodapés de um branco cintilante e comuma luminária da Tiffany em um canto. Eu comprara um sofá vitoriano deencosto curvo em um leilão e reformei em tons de verde, azul e lavanda. Asala de jantar era de um verde pálido e tinha uma mesa de nogueira emestilo colonial no centro. A casa não precisava de nada, a não ser pelasjanelas novas. Eu provavelmente estava precisando de outro projeto. Quaseinvejava Callahan O'Shea, o vizinho, que estava começando uma reforma.Au! Au! Auauau!— Muito bem, o que foi agora, Angus? — resmunguei, levantando dosofá. Abri a porta deslizante da cozinha e não vi sinal do meu bebê peludo ebranquinho, que costumava estar sempre à vista. Au! Au! Fui até as janelasda sala de jantar para ter outro ângulo de visão.Lá estava ele. Droga! Como adorava fazer, sempre que tinha umaoportunidade, Angus passara por baixo da cerca e agora estava no quintalda casa vizinha, latindo para alguém. Três chances para acertar para quemele latia... Callahan O'Shea estava sentado na varanda da frente, agora semescada, e estava encarando meu cachorro, que latia do quintal, enquantogirava e pulava, tentando morder as pernas do homem. Dei um suspiro eme encaminhei pela porta da frente.— Angus! Angus! Venha, meu bem! — Não me surpreendi quando meucachorro não me obedeceu. Resmungando por causa de Angus, atravessei opátio da frente da minha casa e entrei no número 36 da rua Maple. A últimacoisa de que eu precisava era de outro confronto com o vizinho expresidiário,mas com Angus latindo e rosnando para ele, não me restavaoutra escolha. — Me desculpe — eu falei. — Ele tem medo de homens.Callahan desceu da varanda, e me dirigiu um olhar cínico.— Sim, pânico. — Quando ele disse essas palavras, Angus se atirousobre as botas pesadas de Callahan, cravando os dentes no couro erosnando de um jeito adorável. Grrrrr. Grrrrr. Callahan balançou o pé, e sesoltou de Angus por um instante, mas logo depois meu cachorrinho voltoua atacar a bota com renovado vigor.— Angus, não! Você está sendo muito desobediente. Me desculpe, sr.O'Shea.Callahan O'Shea não disse nada. Eu me inclinei, segurei Angus pelacoleira e puxei, mas ele não soltou a bota. Por favor, Angus, obedeça.— Vamos, Angus — chamei com mais determinação. — Está na hora deentrar. Hora de dormir. Hora do biscoito. — Puxei a coleira novamente,mas os dentes de trás de Angus eram tortos e adoráveis e eu não queriacorrer o risco de arrancar nenhum.No entanto, eu estava abaixada e minha cabeça estava na altura davirilha do sr. O'Shea e... Sabem como é... eu estava começando a sentir certocalor.— Angus, solte. Solte, rapaz.Angus balançou a cauda e a cabeça, mostrando os cadarços da botapesada presos em seus dentinhos tortos. Grrrrr. Grrrrr.— Me desculpe — falei novamente. — Ele não costuma ser tão... — Euendireitei o corpo e...bang! O topo da minha cabeça bateu em alguma coisadura. O queixo de Callahan O'Shea. Os dentes dele se chocaram uns com osoutros em um estalo audível e ele jogou a cabeça para trás. — Jesus,mulher! — exclamou o homem, esfregando o queixo.— Oh, Deus! Me desculpe! — exclamei. O topo da minha cabeça doíacom o impacto.Com uma expressão de irritação no rosto, Callahan abaixou, agarrouAngus pela parte de trás do pescoço, levantou-o — ouviu-se um pequenoestalo quando os cadarços foram arrancados da boca de Angus — e oentregou para mim.— Você não deveria levantá-lo assim — eu disse, acariciando o pobrepescocinho de Angus enquanto meu cachorro lambia meu queixo.— E ele também não deveria me morder — falou Callahan, sem sorrir.— Muito bem... — Abaixei os olhos para o meu cachorro e beijei suacabeça. — Me desculpe pelo seu, ahn... queixo.— De todos os machucados que você já me causou, esse foi o que doeumenos.— Oh. Que bom, então. — Meu rosto já estava queimando de tãovermelho. — Então... você vai morar aqui, ou a casa é um investimento oualguma coisa assim?Ele fez uma pausa, obviamente imaginando se eu valia o esforço de umaresposta.— Vou revendê-la.— Oh — deixei escapar, aliviada. Angus viu uma folha voando pelogramado e se agitou para ser colocado no chão. Depois de um segundo dehesitação, soltei-o, e fiquei aliviada ao vê-lo correr para caçar a folha. —Bem, boa sorte com a casa. Ela é muito bonita.— Obrigado.— Boa noite.— Boa noite.Andei alguns passos na direção da minha casa, então parei.— A propósito — acrescentei, me voltando novamente para o meuvizinho —, coloquei seu nome no Google e descobri que você foi preso porapropriação fraudulenta.Callahan O'Shea não disse nada.— Preciso dizer que estou um pouco desapontada. Hannibal Lecter aomenos é interessante.Callahan sorriu de repente, um sorriso perigoso que fez apareceremruguinhas ao lado de seus olhos e iluminou seu rosto. Diante disso, sentium calor em minhas entranhas que pareceu explodir na direção do meuvizinho musculoso. Aquele sorriso prometia todo tipo de perversidades, decalor, e descobri que estava respirando com dificuldade, quase ofegante.Então ouvi um barulho e Callahan O'Shea também ouviu. Umbarulhinho... Ambos olhamos para baixo. Angus estava de volta, com aperna levantada, fazendo xixi na bota que tentara comer alguns momentosantes.O sorriso de Callahan O'Shea desaparecera. Ele ergueu os olhos paramim.— Não sei qual de vocês dois é pior — disse o meu vizinho. Então virousee voltou para a casa dele.
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A Arte de Inventar o Amor
Romance'Grace dominava como ninguém a arte de inventar o namorado perfeito...' Não que isso a deixasse desconfortável. A>inal, existem aqueles que se deleitam em olhar vitrines de grifes que não cabem no bolso... Outros, se realizam colecionando fotos d...