Capítulo 1

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Estava em minha cabine, fazendo o mesmo trabalho que faço há anos, verificar os níveis de radiação da terra, em outras palavras verificar se podemos voltar pra lá. E ao passar dos anos esse nível vem abaixando, a ponto de me deixar com dúvidas do funcionamento dessas sondas. Era final de mês, e como de costume tenho que relatar ao meu irmão, e também líder interino, os dados obtidos durante este período, então pego minha pasta que já não está em condições tão boas assim e vou para a sala dele.

- John, nossas sondas em solo mostraram que a terra está com níveis duvidosos de radiação, eu recomendaria a gente esperar mais um tempo antes de tentar mandar alguém lá.

-Adam, nosso tempo aqui está se esgotando, e precisamos de uma alternativa, você precisa tirar a gente dessa situação, estamos ficando sem oxigênio.

Como eu queria poder matar John nessas horas, eu odeio quando ele diz que preciso conseguir uma solução, que preciso de algum modo limpar a radiação restante da terra, como se o fato da terra não estar em boas condições para a vida humana fosse totalmente minha culpa. Respirei fundo e disse.

-John, eu realmente queria poder ajudar mas eu não tenho uma varinha mágica para tirar a radiação da terra – eu o respondi saindo de sua sala.

Voltei a minha cabine, sentei em minha velha cadeira de rodinhas, abri meu computador e comecei a ver fotos de minha amada esposa. Como eu sinto saudades dela, nós éramos um casal perfeito, raramente brigávamos e quando brigávamos, logo fazíamos as pazes, ela era uma pessoa muito sensata e sempre pensava em nossa filha antes mesmo dela. Sou interrompido pelo tocar do telefone, e quase que instintivamente, eu o atendo.

- É o John, não precisa explicar porque você está todo estrassadinho, não liguei por isso, na verdade quero que venha ao meu quarto tomar aquele velho whisky do vovô, sabe um momento a sós, de irmão pra irmão.

Por mais que ainda estivesse extremamente irritado com ele, e tenha a certeza de que isso não era um convite social, aquele whisky realmente parecia ser bom. Então eu respondi:

-Pensarei no assunto, agora tenho que voltar ao trabalho. - sem esperar algum tipo de resposta eu coloco o telefone no gancho.

Escuto um barulho agudo, algo feito de vidro caiu no chão, ao recolher, percebo ser uma moldura com uma foto de minha família, pouco antes de minha esposa morrer, Sophie devia ter uns 5 anos de idade, fico me questionando se ela lembra bem de sua mãe. Repentinamente meus olhos se enchem de lagrimas, lembrar daquela data infeliz até hoje me traz pesadelos, como eu a amava, ela era a única pessoa nesta estação que tinha o poder de fazer tudo isso ter algum sentido.

***

-Adam! eu não esperava por sua presença, realmente não achei que você viria.

-Não é todo dia que se tem a chance de tomar um whisky de verdade, não aquelas porcarias que eles vendem no bar. – eu respondi olhando a imensidão desta cabine, com certeza a maior da nave. Por mais que já tenha entrado aqui diversas vezes, cada vez esse lugar me parece maior.

Ele se aproxima de mim e me entrega um copo cheio da bebida, então dou um gole e digo

- Vamos cortar as cortesias irmão. Eu sei que você não me chamou aqui apenas para me oferecer esse bom e velho whisky. – dou mais um gole.

- Nosso tempo está acabando, Adam, a terra é nossa última chance, precisamos de voltar para lá, não sei se podemos esperar por dados mais concretos. - ele fala com um tom de desespero, realmente parece estar com medo. - Eu estava conversando com nossos engenheiros, eles estimam que em menos de seis meses estaremos sem nada! Vamos morrer sufocados.

- Seis meses irmão, isso é bastante tempo, podemos esperar mais, analisar mais, descobrir se realmente é seguro. Eu não quero arriscar toda a raça humana por conta de alguns números errados.

- Ai que está, você sabe que não temos naves suficientes para levar todos, se a gente for agora, podemos dar mais tempo de vida pra quem for ficar, teremos tempo para busca-los antes do oxigênio acabar. – ele colocou a mão em meu ombro. - Me ajude nessa irmão, temos que fazer isso em segredo e antes que seja tarde demais.

- Olha John, eu já te disse que acho isso errado, a gente não pode simplesmente deixar essas pessoas para morrer sem ao menos conta-las o que está acontecendo. Mas parece que sou o único do conselho que acha isso, então minha opinião não importa em nada.

- Realmente não importa, mas você ainda faz parte deste conselho e preciso de sua ajuda. Temos que convocar uma reunião e precisamos de todos do conselho para escolher quem vai e quem fica.

Será que ele realmente está me pedindo isso? Escolher quem tem o direito de viver ou de morrer?

- quero que nos ajude a escolher as pessoas mais importantes para a sobrevivência da espécie humana, engenheiros, médicos, pessoas que realmente são importantes para o progresso lá em baixo.

Sim, ele realmente está pedindo isso, a cada palavra a vontade de bater nele aumenta, quem ele pensa ser para poder escolher quem vive e quem morre? eu não o deixarei fazer isso!. Matar todas aquelas pessoas sem ao menos dize-las pelo que estão morrendo.

Apesar de estar extremamente irritado com isso, não posso deixar que ele saiba que vou impedi-lo de matar aquelas pessoas, então decido concordar com ele para evitar suspeitas.

-Sim eu vou te ajudar irmão.

-ok, Um brinde a volta à terra! Há, já ia me esquecendo amanhã faremos uma proclamação no salão principal, espero que você apareça.

Eu respiro fundo, dou um falso sorriso e termino de beber o pouco de whisky que ainda resta em meu copo. Logo depois volto ao meu quarto, que por sinal não era nada perto de onde estava. Abro a porta e acendo a luz dizendo:

-Sophie, está acordada filha?

Passam alguns segundos sem respostas, provavelmente ela já está dormindo, eu quase nunca a vejo. Estou trabalhando durante o dia todo e as vezes até a noite, e ela sempre está na biblioteca da nave, lendo e estudando sobre a história da humanidade. Praticamente todos os dias quando chego em casa ela já está na cama, com certeza não sou o melhor pai solteiro que existe, mas ela é minha menininha e eu a amo.

***

- Bom dia pessoal, como todos já sabem, sou John, o líder desta estação espacial, e estou aqui com algo muito importante para falar para vocês...

De alguma forma as mentiras ditas por meu irmão soavam como palavras soltas que meus ouvidos se recusavam a ouvir, de repente ele me dá um tapinha no ombro e diz:

- Sua vez, maninho.

Me vem uma enorme dúvida na cabeça, devo dizer a verdade a todos agora? Ou esperar por um momento melhor? Com certeza meu irmão iria tentar me impedir, dizer que eu fiquei louco depois da morte da minha mulher. Devo esperar a hora certa para contar a verdade a todos.

-Todos já devem me conhecer, sou Adam, Membro integral do conselho e sou o responsável pelo setor de sondagem na terra. É com grande orgulho que venho dizes que meus últimos resultados indicam que a terra está habitável novamente e em pouco tempo poderemos voltar para nosso lar de verdade.

O ambiente é recheado de aplausos e gritos, as pessoas estão eufóricas, com toda certeza essa é a melhor notícia que já ouviram em suas vidas. Odeio ter que mentir para estas pessoas, mas se eu falasse agora com certeza eu iria ser silenciado e preso.

-Um minuto pessoal!. – O ambiente fica em silencio novamente. - Amanhã no mesmo horário iremos convoca-los novamente para começarmos a explicar como será o processo de evacuação.

Quando estávamos saindo do salão chamei John para outra dose daquele whisky, para comemorar o "sucesso" do discurso e impedi-lo de ver o que vou dizer a tripulação amanhã.

Finalmente, em casaWhere stories live. Discover now