Aprendi logo no início do meu estágio ali no balcão de atendimento ao consumidor, a prestar atenção em detalhes, e a ampliar meu campo de visão. Tarefa nada fácil observar e ler o ser humano, mas aos poucos fui me aprimorando, aprendendo a detectar inverdades e a lidar com elas. Ficava perplexa com a desonestidade que reinava dentro daquela loja por parte dos clientes. Entre devoluções e trocas de mercadorias desde alimentos até eletrônicos o freguês armava.
A mulher do lenço, se julgava muito esperta, crendo que nos enganava quando despejava no balcão pão embolorado, ou batatas apodrecidas que ela pegava no lixo dos outros e vinha na loja para 'devolver' alegando que tinha comprado havia poucos dias. Descarada! O saldo no cartão de assistência alimentar daquela desavergonhada sempre crescendo para nossa indignação. Me refiro à mim e às colegas.
A despudorada trabalhava, trabalhava duro, trabalhava muito, coletando embalagens vazias e recibos de compras que encontrava jogados no estacionamento, depois visitava as outras lojas da rede em busca daqueles ítens que podiam passar despercebidos pela porta, no bolso do vestido longo, ou em outro compartimento de suas vestes, para mais tarde apresentá-los à nós em caráter de devolução. Eu e as colegas não nos conformávamos em colaborar com aqueles atos sujos, mas não tínhamos provas contra a deslavada.
Sua figura miúda quase sumida por aquela vestimenta larga e longa, a qual deixava à vista somente as mãos, mais o complemento do lenço que lhe cobria a cabeça, as orelha e o pescoço deixando apenas o oval do rosto de fora, ficou conhecida na loja num curto espaço de tempo. Nós do balcão, em parceria com a equipe de prevenção de perdas nos empenhamos a pôr um fim àqueles atos nada louváveis.
A tal passou um bom tempo sem aparecer, chegamos a pensar que ela já havia sido flagrada em suas andanças, mas que nada, um belo dia a mulher novamente deu o ar da graça em nosso território. A fila estava longa, a loja cheia, nós atrás do balcão, descascando os pepinos de sempre, e eu de olho na infeliz, que afinal coincidiu ser atendida por mim.
Com satisfação, peguei o recibo e a mercadoria. Tratava-se de um jogo de duas fronhas o qual ela queria 'devolver.' O pacote estava fechado, como se nunca tivesse sido aberto. A barra de código conferia com a do recibo, mas eu já sabia que ali tinha coisa e não iria deixar passar aquela oportunidade de desmascará-la. Rasguei a embalagem, e tirei as fronhas para fora, ela não contava com minha atitude.
- Senhora essas fronhas não pertencem a essa embalagem, disse-lhe mostrando que a marca das peças surradas, eram diferentes da embalagem.
- Foi a minha irmã que me pediu para devolver, eu não tinha reparado, respondeu e nem sequer ficou vermelha de vergonha, simplesmente se foi.
Aquela foi uma pequena vitória, mas fiquei feliz, eu tinha impedido a concretização de um ato desonesto. A criatura fez outras tentativas mais, mas todas sem sucesso. Por fim desistiu e não voltou mais, pelo menos enquanto estive trabalhando lá.
Filomena, a amada.
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SEGREDOS DE CAIXA
Short StoryMeu nome é Filomena, a amada. Fui operadora de caixa por alguns anos. Nessa função tive a oportunidade de observar o comportamento humano em suas variações e experimentar diferentes emoções todos os dias. Os episódios são muitos, mas só conto aquele...