4.
O refúgio de Faiald ficava sob as raízes de uma enorme árvore centenária, o tronco coberto de musgo verde e sedoso, há uns cem metros dos abetos e da clareira. Tratava-se de uma gruta à qual se chegava ao penetrar entre as raízes escuras, descendo alguns degraus de pedras. Mais adiante, iluminada fracamente por uma lanterna, havia uma porta de madeira escura e reforçada. Grandes pregos de cobre e bronze a enfeitavam cobertos por azinavre. Apenas a argola da aldraba estava limpa, sinal de que era bastante usada. Faiald torceu-a com facilidade e o mecanismo deslizou nas entranhas da porta que se abriu, dando passagem para o interior.
A gruta era uma continuação do túnel, muito seca e limpa, iluminada por uma fogueira e outro candeeiro que pendia do teto. César observou-a com um sorriso satisfeito, como se isso resolvesse tudo:
- Luz elétrica! Estão vendo? Luz elétrica!
Faiald olhou para o lampião, deixando a arma ao lado de um banco de madeira.
- De fato, um brinquedinho que meu tio me deixou.
- De onde tira a energia?
- De um gerador instalado mais atrás. Meu tio fazia parte do primeiro grupo de jogadores que... hum... chegou aqui primeiro.
- O que quer dizer? - indagou Cíntia olhando ao redor. - O que quer dizer tudo isso, afinal?
- Tenha um pouco de paciência, por favor - aconselhou o ruivo. - Querem me acompanhar?
O seguimos até o fundo da caverna, passando pela lareira, diante da qual haviam dois bancos recobertos de uma pele grossa e escura, e chegamos, afinal, à cozinha, aquecida por um pequeno fogão construído sobre uma grande pedra quadrada, com tijolos de barro vermelho escurecidos pelo uso diário.
O gnomo que perseguíramos há pouco, saltitava por lá, sobre os armários e os caixotes amontoados debaixo deles, brandindo uma enorme colher de pau com a qual ocasionalmente mexia e experimentava o que havia nas panelas. Ao ver-nos parados a olhá-lo com espanto, deu uma cambalhota circense e aterrizou no meio da estreita cave com um sorriso alegre mergulhando em seguida numa profunda reverência. O homenzinho era calvo e tinha um estreito tufo de cabelos cinzentos e duros ao redor da careca lustrosa.
- Sejam bem-vindos, jogadores - cumprimentou-nos ao endireitar-se. - O jantar está quase pronto e se quiserem beber um pouco de vinho xerez ou fumar um cachimbo antes da refeição, terei o máximo gosto em servi-los.
- Não, obrigado - sorriu César, por baixo da recente palidez. Aquilo era um gnomo de verdade, não um anão ou um menino fantasiado. Cada ruga daquele rostinho alegre tinha sua própria idade e história, incontestável em sua profundidade e singeleza.
- Vamos nos sentar diante do fogo, se não se importa - disse Faiald ao seu amigo, tirando do armário a seu lado um cachimbo e um saco de fumo.
- Claro que não, claro que não. Mas o jantar não tarda - volveu o homenzinho, voltado a sacudir a colher no ar. - Hoje teremos cozido de coelho e massa, além de umas ótimas turfas que colhi esta manhã.
- Coelho e turfas... devemos estar na Europa - opinou Cíntia com um ar sonhador. Faiald olhou para ela e passou por nós com um ar desanimado. Foi acomodar-se diante da lareira. Mais uma vez o seguimos como cães atrás do dono.
- Agora irá responder às nossas perguntas? - indagou Edula, sentando-se num dos bancos.- Ou isso ainda ficará para depois do jantar?
Faiald sacudiu a cabeça negativamente.
- Embora os gnomos sempre digam que certas coisas se ouve melhor com a barriga cheia, o que tenho para contar-lhes é uma história muito longa, e por isso, vou começar agora.
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O Jogo no Tabuleiro
FantasíaUm jovem desaparecido. Um grupo de amigos dispostos a resgatá-lo a qualquer preço. Um universo alternativo, que responde às regras de um jogo mortal - que podem mudar, se a Mestre do Jogo assim determinar. Escrito na década de 1990, "O Jogo no Tabul...