CLARINHA COM(O) BARRO

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*CAPITULO ESPECIAL, NÃO PRESENTE NO LIVRO FÍSICO, SÓ DISPONÍVEL EM VERSÃO DIGITAL

**BASEADO EM VÁRIAS HISTÓRIAS REAIS


Maria Clara era escura.

Vivia só de calcinha na rua.


Tinha seis anos, sorriso banguelo,

Adorava escalar a barreira e as costas de seu irmão mais velho,

Um boy que vivia a sorrir à toa,

com seus olhos vermelhos e dedos amarelos.


Sete horas,

Clarinha acordava pra ir pra escola.

Odiava acordar cedo, principalmente quando amanhecia chovendo...

Mas acordava, vestia seu sorriso e sai de pinote pra escola, que é barreira à baixo.


-Barreira ingrime, perigosa, cheia de ratos, baratas, homens

e outras pragas da civilização moderna-


Na escola ela via quem ia pra perturbar e quem ia só pela merenda.

Escola pública, sem professor, sem aula, alguns tiroteios de vez em quando

e a PM entrando na sala de aula pra dar baculejo nos pirraias

-triste rotina das escolas públicas brasileiras-,

MAS QUE CLARINHA ADORAVA!!!

e aproveitava a aula vaga pra sair correndo a brincar,

com a inocência e a sabedoria que só os anjos infantis guardam...


Aos domingos ela declarava [que] sua paixão era (é)terna,

tanto que desde cedo raiava.


Domingo céu de anil, som alto na favela,

os maloqueiros nas ruas com as pipas e papai em casa -um milagre!-.

Ela passava o dia agarrada com ele, e ele, passava o dia agarrado nas suas cervejas.

De 10 da manhã às 10 da noite, seguindo a liturgia da "cerveja dominical"¹,

tanto que beija mais as latas do que a boca de suas amadas (esposa e Clara).


O domingo acaba na depressão dos domingos à noite, 

e lá está Clarinha rezando, 

amanhã já é segunda e ela prefere nem acordar...


Certo dia, o Recife amanhece em chuvas prolongadas de Outono.

Cidade sem estrutura fura.

Água que corre e encharca a terra do terreno íngreme.

Terreno sem base, encharcado e habitado por Clarinha, sua mãe, seu pai ainda bêbado, seu 

irmão e um cachorro resgatado ano passado num deslizamento de terra.


Neste dia chuvoso, segunda de casos pluviosos, Clarinha não acordou cedo.

Bem cedo cedeu a barreira em avalanche,

levando o quarto de Clarinha até a sala de aula de sua escola,

lá em baixo, e de baixo do barro está Clarinha, só de calcinha...

Nada se fez,

só passou a triste história no Jornal da Tribuna em 30 segundos de matéria...


Virou estatística, morreu inocente e vítima, fruto do descaso.

Só sobrou o caos;

com as chuvas

caindo das nuvens e dos olhos

+Fé,lipe...

1: "Cerveja Dominicais" RUSSO, Tacio F. – A.R. LIVRE - https://www.youtube.com/watch?v=7-aMO8G24aU

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