Aquele barulho da maçaneta, aquele rangido. Parecia que estava tudo em câmera lenta. Entraram Giordana e Yara, de mãos dadas com um sorriso enorme estampado em seus rostos. Talvez Giordana contara uma piada sem graça para Yara. Típico dela. Quando ela entrara, logo em sua frente, depara-se com seus pais. Braços cruzados e com a expressão séria. Aquele sorriso que antes encontrava-se em seu rosto, agora não havia mais rastros do mesmo.
Os olhos ferozes deles, que antes sempre foram olhares dóceis e gentis, agora dirigiam-se para Yara. Ela se sentia... abusada, violada de certa forma. Aquele olhar estava profundo, ameaçador. Ela sabia que era um comando. Um comando para ir embora, se possível, sumir do mapa. Ela tentara, mas Giordana, paralisada, a segurou ali. Estava sem saída.
Alexa, mãe de Giordana, fala:
— O que essa... essa... pecadora está fazendo aqui dentro da minha casa!? – ela grita. – Deus a perdoa, desse pecado que irá persegui-la para sempre! – Alexa dissera. – Além do mais, está seduzindo minha filha a tal coisa. Fazendo com que ela beije-a. Fazendo ela pecar.
Giordana estava incrédula. Como eles sabiam? Agora ela não tinha ideia do que fazer. Faltava apenas um ano. Um ano para aquele sufoco acabar, aquela angústia. Ela seria dona de si mesma. Mas, o que ela não queria que acontecesse, mesmo sabendo que podia acontecer a qualquer momento, aconteceu. Seus pais descobriram.
Não havia palavras em sua boca, estava mortificada para pensar no que podia ser dito. Ela só queria ir para o seu quarto, esquecer que existe, e descontar esse sufoco, essa angústia, em seus pulso. Ela sabia que era errado, machucar sua própria pele, mas, de alguma forma, isso ajudava-na... bem, ou era o que ela pensava.
— Vamos minha filha – Henrique olhava-a com uma cara de quem queria que aquilo que vira, não fosse verdade. Deixando Giordana mais culpada. –, fala para mim, que você não deixou essa... – ele respira. – jovem influência-la.
— Pai... – ela tenta se pronunciar, no entanto sua voz a trai, falhando. Era difícil para ela enfrentar, encarar de frente com seu pai – e-eu...
— Vamos minha filha, desembucha! – Alexa já estava sem paciência.
— Sra. Fernandes...
Yara fora cortada por Alexa, que volta a encara-la ferozmente:
— Não ouse dirigir palavras a mim, sua pecadora. Você seduziu a minha filha – ela aproxima-se de Yara. –, minha pequena, a esse mundo. A esse mundo de pecadores. – Giordana entra à frente de Yara e Henrique a segura.
Após essas palavras, Giordana cai em lágrimas. Mesmo tentando contê-las, desabou-se em lágrimas. Seus choros podiam ser escutados pela casa inteira. Yara tenta conforta-lhe, colocando a mão em seu ombro. Lembrando de que estava ali, a seu lado. Isso até que ajudou-a.
— Mãe, eu queria poder dizer que não é verdade, mas... – soluços a interrompe – e-eu a beijei. – Ela fala, encarando, profundamente, os olhos de sua mãe. – Eu quis mãe.
Ela limpa as lágrimas que estavam caindo de seu rosto e indo para sua boca. Ela não queria mostrar fraqueza após dizer essas palavras.
Henrique fica boquiaberto. Alexa, que está próxima de Giordana, cai no chão de joelhos. Yara tenta ajuda-la, tenta levanta-la novamente – um erro –, e Alexa recusa de forma grosseira, demonstrando nojo. Levantando-se, respira fundo e limpa as lágrimas que se encontram pelo seu rosto. Ela volta ao seu ponto de origem, ao lado de Henrique. E o que Giordana esperava acontece:
— Não quero ver vocês duas juntas, nunca mais. Você nunca irá dirigir uma palavra se quer à essa garota. Você mudará de escola. Não quero vê vocês juntas.
— Você só pode estar brincando! – Ela dá uma risadinha. – Você não pode fazer isso.
— Quem disse? Eu sou sua mãe Giordana. Você faz o que eu mandar.
Ela bate o pé, com raiva, e sua voz flui de forma autoritária e rígida. O ódio corre em suas veias, e ao mesmo tempo, a vontade de chorar, a vontade de gritar, de sumir.
— Eu não vou fazer isso. – todas as palavras saíram firmes.
Alexa encara-a. Henrique estava observando desde início. Ele não gostava muito de brigar. Ele era praticamente o contrário de Alexa.
— Você está me desafiando, Giordana? – ela olha com uma expressão séria. – Isso não é hora dessas suas birras de adolescente. E o que essa menina continua fazendo aqui? – seus olhos passam de Giornada a Yara – Vai embora da minha casa!
Yara estava paralisada. Do mesmo jeito que antes se encontrava Giordana. Ela vira para abrir a porta, mas é interrompida, novamente, por Giordana.
— Ela não vai. Você não tem esse direito.
— Eu faço o que eu quero. Ela está debaixo do meu teto.
— Depois eu sou a "birrenta". Olha o que você acaba de dizer. Pareceu uma criança. Mas você é apenas uma velha rabugenta que quer mandar na vida de todos. Quer controlar todos. Mostrar como viver. Critica todo mundo, pelo jeito que veste, pelo jeito que fala, que anda, por quem ama... – Mais lágrimas correm por seu rosto. – Para! Ao menos por um momento, de tentar controlar tudo. Para de tentar colocar protocolos, regras.
— Cuidado com o jeito que você fala com a sua mãe, Giordana. – Henrique ordena, passando uma expressão séria e a voz autoritária.
Sem ninguém perceber, Yara abre a porta e sai correndo. Giordana ao sentir a falta de Yara, olha para trás, ao ver a porta aberta e sua amiga correndo, um sentimento estranho surge. Então vira-se novamente de encontro com os pais, que encarando-na daquela forma, com um olhar recheado de sofrimento e, ao mesmo tempo, desgosto. Giordana não queria ficar ali. E então, contendo as lágrimas, subiu correndo para o seu quarto e, antes que Alexa pudesse alcança-la, bateu com força a sua porta e trancou-a.
Sentada na sua cama, Giordana estava por fim sozinha. Mas, mais do que isso, ela se sentia sozinha. Não sabia o que fazer, essa dor precisava sumir, precisava acabar...
A sua única solução estava na última gaveta do último armário do seu guarda-roupa. Dentro de um porta-batom cor-de-rosa que comprara em sua última ida para Goiânia.
Sentou-se mais uma vez enquanto segurava firme a lâmina afiada. Com a manga de seu suéter de lã puxada, cortes disformes e em início do processo de cicatrização apareceram em seu braço. Menos no pulso, ela nunca chegava no pulso.
Mas hoje, um corte vermelho cobriu a linha azul-esverdeada que delimitava sua veia.
E então, enquanto o sangue escorria vermelho-escuro e vivo de seu braço, ela encostou a cabeça na parede, e com os olhos fechados, suspirou aliviada.
Por alguns instantes, a única dor que sentiria, seria a dor física.
Mil vezes mais suportável.
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Poderia Ter Sido Perfeito
RandomGiordana, filha de pais extremamente religiosos, sempre acreditou que o amor de sua vida seria um homem, mas todos os ensinamentos sobre o amor que teve em sua infância, foram derrubados quando se apaixona pela espetacular Yara. Giordana, então, de...