CAP.8 - A Vingaça de Ares

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Caminhamos mais alguns metros entre os destroços do avião, o calor das chamas nos forçando a apertar os olhos. Os pedaços de fuselagem estavam espalhados como se o céu tivesse desabado ali. Entre os escombros, membros carbonizados e corpos mutilados formavam um cenário digno de um pesadelo de guerra. O cheiro de querosene queimando misturado ao ferro derretido e carne carbonizada era sufocante.

A turbina ainda girava, lentamente, emitindo um lamento mecânico fantasmagórico que se misturava aos gritos de agonia dos poucos sobreviventes.

— O que vamos fazer, tia? — perguntei, meus olhos varrendo a clareira aberta pelo impacto.

— Vamos nos dividir. Você e o Júnior vão até a cauda. Eu e o Carlos cuidamos das asas. — disse firme, mas com um leve tremor na voz ao nos entregar um kit de primeiros socorros.

— Tio, pega aqui. — estendi a arma do meu pai.

— De onde cê tirou isso, guri? — ele perguntou, surpreso, hesitando por um segundo.

— Era do meu pai.

O silêncio caiu por um instante. Tenso. Um peso nos olhos do meu tio. Ele assentiu e pegou a arma, sem dizer mais nada.

— Se cuidem. Qualquer coisa, disparem pra assustar e fujam. — minha tia completou, já se afastando com Carlos.

Marley foi na frente, farejando entre os destroços. Eu e Júnior seguimos logo atrás. O chão estava instável, coberto por destroços pontiagudos, como se andássemos sobre ossos quebrados.

Gritos. Gritos humanos. Do tipo que arrepiam a alma.

— Me ajudem! — uma mulher gritava, com a voz rouca de tanto chorar.

Corremos. Ela estava presa no que restava de um assento da fileira de emergência. Tinha cerca de quarenta anos, com queimaduras no braço e um corte profundo na testa.

— Calma, senhora. Vamos ajudar. Onde dói mais? — Júnior se ajoelhou ao lado dela.

— Minhas pernas... não sinto as pernas. E minha nuca... está latejando como se fosse explodir.

— Fica comigo. Vai dar tudo certo.

Enquanto ele cuidava dela, permaneci de vigia. O estalo de galhos ao longe me deixou em alerta. O som de algo — ou alguém — se arrastando. Armei o fuzil e prendi Marley a uma barra de ferro.

— Luan, ajuda aqui! — Júnior pediu.

Puxamos a mulher com cuidado, mas a dor a fazia se contorcer. Era impossível mover com mais agilidade.

— Deita ela aqui. — indicou um espaço mais seguro, longe do fogo.

— Vou procurar mais sobreviventes.

— Cuidado, mano. Vai com calma.

Fui até a cauda do avião. O metal estava retorcido, a estrutura parecia um túmulo gigante. Entrei por um vão estreito entre as ferragens. Dentro, um horror silencioso. Corpos empilhados, presos pelas poltronas, alguns queimando lentamente. Um cheiro doce-amargo de morte pairava no ar. De repente...

— Alguém aí? — chamei, sentindo meu estômago revirar.

— Aqui! — uma voz fraca.

Me aproximei e vi um rapaz preso entre dois assentos virados. Um dos encostos havia prendido sua perna, mas ele estava consciente.

— Segura minha mão. Vai doer, mas precisamos sair daqui agora!

Apoiei meus pés nas poltronas e puxei. Uma fisgada intensa atravessou minha perna machucada, mas não parei.

— Valeu, cara. Achei que fosse morrer aqui dentro.

— Agradece depois. A cauda tá pegando fogo.

Saltamos por cima dos assentos até sair pelo mesmo buraco de entrada. O fogo já se alastrava como uma serpente faminta.

— Você é daqui?

— Não... sou Pedro. A gente vinha de São Paulo. De repente, algumas pessoas surtaram no avião... mordiam os outros... tudo virou um inferno. Quando acordei, estava aqui.

Antes que eu respondesse, ouvimos mais gritos. Desta vez, do outro lado do avião.

— Vamos! — desamarrei Marley e corremos.

Júnior estava ajoelhado ao lado da mulher.

— Os gritos vêm daquele lado!

— Tem mais sobreviventes? — Pedro perguntou, os olhos arregalados.

— Tem sim. Pressiona essa gaze no pescoço dela, rápido! — Júnior disse a ele.

Subimos sobre os destroços para enxergar melhor. O que vimos... vai me assombrar pra sempre.

Cinco infectados devoravam vivos os passageiros ainda conscientes. Mordiam com selvageria, mesmo faltando membros. A fome parecia infinita. Um dos infectados arrastava metade do corpo no chão — ainda assim, avançava.

— Precisamos sair daqui agora. — disse, trincando os dentes.

— E deixar essas pessoas assim?! — Júnior me encarou.

— Não temos armas, nem vantagem numérica. Já tem mais vindo dali! — apontei para as árvores, de onde surgiam sombras cambaleantes.

— ATRÁS DE VOCÊ! — gritei.

Um infectado pulou sobre meu primo. Os dois rolaram pelos destroços. Mirei com o coração acelerado. Um tiro seco. A cabeça do monstro explodiu.

Mas agora... eles sabiam onde estávamos.

— CORRE! — puxei meu primo com força.

Marley latiu desesperado. Voltamos até Pedro e a mulher.

— Vamos, AGORA!

— Mas ela... como vamos tirá-la?

— Um braço cada um. Vai!

Enquanto levantávamos a mulher, três novos sobreviventes se aproximaram — uma jovem, um senhor e uma menina com um olhar perdido. Nos juntamos em um grupo improvisado e seguimos mancando, correndo, tropeçando.

Encontramos meus tios em cima da asa direita.

— TEMOS QUE SAIR DAQUI AGORA! — gritei.

— Por quê... — Carlos começou, mas parou ao ver a horda surgindo atrás de nós. Centenas.

Corremos. O som de dezenas de pés arrastando, urros, grunhidos, galhos quebrando. A floresta parecia respirar ódio.

Chegamos nos carros cobertos de cinzas e folhas queimadas.

— Tio, coloca ela na caçamba da camionete com o Pedro! Eu levo o resto. — gritei ao abrir a porta.

— Vamos, rápido! — Carlos respondia, olhando para trás sem parar.

— Eles estão quase aqui! — o senhor gritou.

Empurramos todos nos carros e aceleramos, deixando para trás um rastro de fumaça e morte.

Continua...

História Z - Parte IOnde histórias criam vida. Descubra agora