Verbos irregulares. Por que a língua inglesa tem que complicar algo simples? Se tudo fosse regular, ou seja, padronizado, eu não estaria confuso agora. Não é que esta seja a coisa mais complexa do mundo, mas preciso decorá-la. Não é simplesmente ler e compreender; preciso reler e, depois, mais uma vez, às vezes, algumas a mais e nada. Parece que existem palavras que não entram na minha cabeça. Apenas. Já aceitei que viverei sem elas. Basta a minha mãe aceitar, no entanto.
Seus olhos vigiam a minha caneta sobre o papel. Minha respiração é vagarosa como um satélite a pousar na lua. Dá para perceber que estou confuso, quero dizer, eu perceberia. A tinta azul fica no mesmo lugar em que a coloquei. Não tremo nem borro. Minha mão se mantém intacta, enquanto o meu cérebro revira todas as palavras lidas há pouco. Elas estão ali, consigo achá-las, porém, por algum motivo, estão completamente embaçadas.
Se um pequeno ser habitasse a minha mente, ele estaria de pé, diante de uma paletada enorme, com um texto na mão totalmente distorcido. A testa franziria, o cenho se enrugaria. Empurrando o óculos para trás, tentaria ler. Todavia, mesmo com a tentativa, as palavras alinhadas estariam invisíveis. O medo do homem seria real: o papel estaria em branco.
Vazio.
Não há nada do que li guardado no interior de minha cabeça.
Involuntariamente, minha mão se despede da caneta e fisga o pingente prateado no pescoço, levando-o de um lado para o outro através da corrente. A mesma translação de Saturno ao redor do sol é a que sinto meus pensamentos fazerem entorno de meus medos.
— Henry, onde você está? — as palavras de minha mãe fazem com que o rapaz suma, bem como as palavras imaginárias no papel fictício.
Embarco na minha nave espacial e retorno ao planeta de minha origem.
— Aqui, mamãe — consigo formular uma frase —, mas... lhe confesso que estava em Saturno.
— Você sempre está lá. — assinto, dando-me por vencido.
— Prometo... prometo durar aqui um pouco mais.
Minha mãe solta uma risada doce. O sorriso dela é, sem dúvidas, a coisa mais bonita desse mundo. Talvez, a minha parte preferida na Terra seja estar perto dos meus pais. E da Iris. Ela também me faz bem.
— Não precisa, acho legal ter um filho interessado no espaço. — desta vez, ela quem me arranca um sorriso.
— Mesmo? — concorda com a cabeça. — Que bom, porque gosto de ser... assim. Ma-mamãe, sobre o exercício, por que esses malditos verbos não podem ser iguais aos outros? É muito mais simples só acrescentar "ed" no final da palavra. Muito mais.
— Henry, você é como um verbo irregular. — arregalo os meus olhos. — A maioria dos garotos da sua idade gosta de futebol, festas... você não, o que lhe fascina é olhar as estrelas. — acompanho seu raciocínio. — Você não é como o padrão, certo? — assinto. — Isso não lhe torna um "maldito", apenas diferente.
— Está certa. Certa.
Sua mão longa e fina bate contra o livro. Largo o colar de imediato. Minha atenção é completamente sugada para o que faz.
— Agora, anote os verbos especiais no caderno para que os memorize. — incentiva-me.
— Pelo menos... pelo menos, "bet" e "beat" são mais fáceis e não mudam no passado. — ela ri, contudo concorda. — Prometo me esforçar mais, mamãe. Prometo.
— Okay, mas mais tarde. Agora está na hora da sua consulta.
Estranho o horário. Estávamos nos encontrando às tardes. O céu está rosado, um crepúsculo digno de fotos incríveis. Tão logo, o sol sumirá sob às montanhas e as estrelas polvilharão a escuridão que substituirá o tom de azul.
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Ruídos de Saturno
RomanceO silêncio é o mais perturbador dos ruídos. Para um portador do espectro autista, esses sons podem ser ensurdecedores. Henry McGuire é um deles. Introspectivo e inteligente, o garoto mergulha no universo de informações sobre os corpos celestes. Fis...