Anjo sem asas

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Olho para baixo e penso:
- Porquê?
Supostamente nós, anjos, temos obrigatoriamente de morar e fazer as nossas vidas no Monte Guardian, ou como os humanos lhe chamavam, Monte Everest. Observo os meus pequenos pés descalços e sinto o gelo a fazer-me pequenas cócegas. Nós, anjos, temos esta característica de suportar baixíssimas temperaturas, embora não lidemos tão bem com calor excessivo, daí vivermos no extremo, no monte mais alto do mundo. Porque essa teoria que afirma que os anjos moram no céu é puro mito. Tal como "Deus". Cada um dita o seu destino, e sejamos sinceros, se esse senhor existisse, o mundo não teria passado por tudo o que passou, e milhões de inocentes não teriam sofrido e falecido.
- Cassian, baixa-te!- levanto o meu olhar dourado e vejo o meu irmão a voar na minha direção, completamente descontrolado. Rapidamente me abaixo, e o Miguel sobrevoa a minha cabeça, a 10 centímetros de chocar comigo. Milésimas de segundos depois, o mesmo dá um pequeno mortal no ar, e literalmente, aterra de trombas no chão.
- O que é que te passa pela cabeça? Tem cuidado com onde metes as asas idiota! - revolto-me para o pequeno ser, ainda estendido no chão e de asas amassadas e desarrumadas.
-Ah, relaxa Cassian, estava só a treinar- olha para mim com olhar traquinas. Hum, sei, " treinar" no seu vocabulário significa pavonear-se pelas raparigas do monte. Desde que as asas terminaram de lhe crescer, há três meses, que anda nesta roda viva.
-Tem cuidado. Sabes perfeitamente que só ficas com quem o Supremo decidir. Não te serve de nada andares por ai armado em bom para teres a atenção das raparigas.
-Que piada Cassian. Já disse que ficarei com a pessoa que eu amar! E o que é que tu podes saber sobre "andar armado em bom"? Deves ter muito a falar sobre isso, ah não, espera, deixa as tuas asas falarem.
Nesse momento olho para o meu pequeno e extremamente irritante irmão e só penso " Seria engraçado se o seu cabelo loiro pegasse fogo" e nesse momento, acontece.
Vejo o rapaz a correr de um lado para o outro, assustado, e riu-me com a sua figura. Sussurro umas palavras e o fogo termina.
Viro costas e começo a andar sem destino, simplesmente a pensar na minha vida. Eu era o fraco da aldeia, a aberração que havia nascido sem asas. A minha querida mãe tinha chegado a consultar todo o tipo de médicos do sobrenatural, mas todos lhe haviam dito que eu simplesmente "era especial". Uma palavra bonita a camuflar o facto de eu ser um aberração. Não sou humano, tenho poderes, sendo estes o controlo do fogo e uma capacidade incrível de me meter em problemas. Mas asas? Não. Sou o primeiro anjo, em 236 anos, a não ter asas. O último, não sabe o que aconteceu com ele. Apenas se considera um cobarde por ter fugido a meio da Guerra dos Clãs. Essa guerra, foi a pior guerra que todo o mundo já viu. Foi a guerra que dizimou a espécie humana. Crianças, mães e pais, mulheres e esposos, tudo morto. Porque pura e simplesmente, quando finalmente conseguiram aceitar a convivência entre as várias espécies que não se sabia existir até então, o nosso mundo entrou em colisão. E sendo a espécie humana a mais fraca, foi a primeira a morrer.

A quedaOnde histórias criam vida. Descubra agora