Conversa Inacabada

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15 de maio
Q

uerido diário...
Eu estou morrendo.
Sei que isso não é nenhuma novidade. Mas é a primeira vez que eu passei mal desde que o feitiço foi lançado sobre mim. Como se já não bastasse meus poderes não existirem mais, agora eu estou me sentindo extremamente doente. Estou com febre e colocando até as minhas tripas para fora.
Mamãe veio no meu quarto umas dez vezes desde que eu acordei novamente, checa a minha temperatura de meia em meia hora, me trás comida, mas eu não suporto nem um cheiro daquilo, sempre termino escorada contra o vaso, aos prantos com as dores que ainda insistem em se apossar do meu corpo, como se ela fosse ser a causa do meu óbito.
Não sei até quando vou conseguir esconder isso da minha família, uma hora ou outra eles vão reparar que não sou mais uma bruxa, que eu não tenho mais nenhum dom e não passo apenas de uma medíocre adolescente humana. Estou surpresa com o fato de que ninguém reparou pelo meu cheiro, meu sangue deveria ser como um doce muito apreciativo para meus familiares. Mas ele claramente parecem estar ocupados demais com outras coisas e eu adoraria que se mantivessem assim.
Tenho receio do meu pai, ele esta um pouco mais atento comigo. Não sai do quarto o dia todo, ele acredita que estou de ressaca, porque claramente ninguém engana Klaus Mikaelson e ele deixou bem claro de que não havia acreditado na mentira que Elijah inventou para me encobrir de levar uma bronca por beber antes dos 21 anos.
Alias, ainda não consigo acreditar que Elijah anda mentindo para os meus pais para me encobrir. Logo ele? O tio certinho, o irmão mais correto da família, o que desde que eu voltei só estava me dando sermões e tentando fazer eu me comportar como uma pessoa que eu nunca fui? Não sei o que esta se passando na cabeça dele, mas Elijah se tornou o maior quebra cabeça que poderia existir. Eu não sei o que ele planeja, não sei o que pensa e muito menos o que quer comigo. Além de ferrar com a minha vida, claro.
Saudades de quando a nossa relação era boa. De quando ele era o meu tio preferido De como eu amava as aulas de pianos e os livros de literatura que ele me presenteava. Amava quando ele me levava ao parque, ou as festas de concerto publico na cidade. Ele, depois do meu pai, foi uma das figuras masculinas mais importantes na minha vida. Não teve um momento se quer na Inglaterra que eu não deixei de pensar nele. Em como eu sentia a falta do meu tio, de como eu queria retornar aos nossos velhos costumes de antes. Mas agora ele me parece tão distante, tão inalcançável.
Eu apenas queria ter a oportunidade de viver as coisas como ela nunca deveria ter deixado de ser, antes que o meu fim chegue. Antes que eu tenha de decepcionar todos.

Fechei o diário e o enfiei embaixo do meu travesseiro, afastei o cobertor pesado de cima de mim e arrastei meu corpo para que me levantasse da cama. Todas as juntas do meu corpo doíam, como se eu tivesse levado uma surra e depois sido atirada na frente de um caminhão. Eu precisava dar um jeito de amenizar aqueles sintomas, não poderia passar meus últimos meses sofrendo daquela forma. Minha família iria reparar que não estou melhorando, que tem algo de muito errado comigo.
Retirei a roupa durante o trajeto até o banheiro, já estava nua quando alcancei o box, abri o registro e deixei a água quente cair sobre meu corpo, a sensação veio como um cobertor que levava embora todo o peso que me assolava. Deixei a água molhar até meus cabelos e permaneci por longos minutos parada ali embaixo, até a água começar a arder contra a minha pele, devido a temperatura alta. Peguei o sabonete e passei pelo meu corpo, com certa delicadeza, estava com receio de que qualquer movimento brusco pudesse aumentar a minha dor. Foi uma luta conseguir lavar meus cabelos, mas depois de quase uma hora virando canja embaixo daquela água quente, eu terminei. Busquei pela toalha e enrolei entorno do meu corpo, deixando que meu cabelo ainda pingasse um pouco de água conforme eu voltava ao quarto.
Parei próxima a minha cômoda ao ver Elijah curvado sobre a minha mesa de leitura, seus dedos passavam sobre a capa do livro que eu andava lendo nos últimos dias O Morro dos Ventos Uivantes, era um dos romances mais lindos que eu já tinha tido o gosto de ler, apesar de proibido e trágico demais para o meu gosto, eu amava a forma como os personagens se envolviam tão intensamente. Chegava a ser deprimente saber que eu morreria sem ter a experiencia de vivenciar algo como aquele sentimento.
Amor.
Realmente a minha vida havia virado um romance trágico. O resumo de uma garota que queria amar e ser amada, mas não tinha tempo o bastante pra isso.
Respirei fundo para iniciar um diálogo, mas ele se virou rapidamente. Tomando a minha frente.
— Como está se sentindo? — Seu questionamento veio acompanhado de uma rápida encarada de cima abaixo, apesar de eu achar que esse “rápido” acabou sendo um pouco lento demais.
Abri a boca para dizer que estava bem, eu estava repetindo muito essa frase nos últimos meses, mentindo para todos ao meu redor, contando algo que não era verdade. E eu já tinha tantas mentiras soltas, aquilo estava me sufocando.
— Parece que eu fui atropelada e depois me espancaram. — Confessei, me sentando na beirada da cama, segurando na barra da toalha contra meu corpo.
— Talvez isso te sirva de lição para não beber novamente. — Ele advertiu, apesar de haver um certo tom de divertimento.
Ah, se você soubesse, tio Elijah. Se soubesse que isso vai muito além do que a rebeldia de uma adolescente.
O observei se sentar ao meu lado e me encolhi um pouco, nem tanto por eu estar praticamente nau diante dele, mas porque quanto mais perto, maiores as inspeções e Elijah conseguia ser muito mais enxerido do que meu pai. Esconder dele estava sendo o maior desafio da minha vida, porque eu mal havia colocado os pés em New Orleans e ele já tinha apontado uma boa parte do que estava errado comigo. E eu só ando me esgueirando pelos cantos da melhor maneira que posso.
— Obrigada. – Comecei depois de alguns segundos naquele silencio mórbido. Meu tio me encarou com certa confusão, me fazendo sorrir com a forma como ele parecia inocente com aquela expressão. — Obrigada por me encobrir dos meus pais e evitar que eu ficasse de castigo.
— Ninguém é perfeito, Hope. Todos temos um pouco de rebeldia. Mas isso não impede que eu ou seus pais não nos preocupemos com o que você faz para arriscar a sua vida. – Ele soltou tranquilamente, tão calmo que eu até começava a me sentir bem. Até o santo Elijah, resolver encostar as costas de sua mão contra a minha bochecha e fazer uma careta que não me agradou em nada. – Você ainda está com febre, não pode ficar apenas de toalha, está entrando uma brisa pela janela, você não vai melhorar nunca assim. – Conforme ele falava, ia se levantando da minha cama e seguindo até a janela para fechar as cortinas que balançavam levemente devido a brisa da noite. – Você deve ter pegado um resfriado devido a sua exposição na madrugada fria de New Orleans. O que faz eu me arrepender de realmente não ter quebrado a cara daquele seu amigo. Como já se viu, arrastar uma dama por um relento? Ele deveria ter sido mais responsável e trazido você para casa.
— Elijah, ele tem a minha idade. Nós apenas estávamos nos divertindo. – Tentei defender o coitado do Issac, que desde a noite anterior não tinha me dado noticias, o que me fazia pensar que ele pudesse ter se assustado com o comportamento monstruoso de Elijah e fugido da cidade.
— Isso não justifica o comportamento inadequado de nenhum homem perante uma mulher.
— Incrível como você saiu da antiga Renascença, mas ela não saiu de você. – Rebati com sarcasmo.
— Se estar preso na antiga Renascença, quer dizer que sou um velho careta que ainda respeita e honra o sexo feminino. Com certeza eu prefiro a Renascença. Como você pode permitir que um homem a trate desta maneira, Hope? Você é muito melhor do que isso, merece muito mais do que isso. Como Niklaus costuma dizer, você nasceu para ser uma princesa, para governar está cidade, assim como nós governamos há décadas. Não pode aceitar menos do que você realmente merece. – O discurso dele estava ficando cada vez mais tenso, eu podia sentir pelo ar da atmosfera, que Elijah estava tenso com aquele assunto, como se estivesse incomodado com algo, alguma coisa que também começava a me incomodar, mesmo sem eu saber o que realmente era.
— E o que eu realmente mereço, tio Elijah? – Disparei com certa irritação. Por que diabos ele estava falando daquela forma comigo?
Ele pareceu ter entrado em choque, suas lindas orbes castanhas me encaravam com confusão, até um misto de desespero, como se nem ele mesmo soubesse responder aquela pergunta. O vi balançar a cabeça para os lados, parecia querer afastar algum tipo de pensamento perturbador, e quebrou o espaço que havia entre nós, achei que fosse parar na minha frente, mas apenas passou por mim, seguindo até a porta.
— Se vista e desça para comer alguma coisa. – Foi a única coisa que ele respondeu antes de sair e fechar a porta.
O ódio me preencheu naquele instante. O que diabos ele estava querendo? O que achava que estava fazendo? Qual era o problema dele? Céus, Elijah iria me deixar louca, mais louca do que eu já estava com tudo ao meu redor.
Arranquei a toalha do meu corpo e a atirei sobre a cama, enquanto nua, eu seguia para o closet, indo procurar qualquer roupa para vestir.

&&&

Papai me obrigou a comer comida, algo que tia Rebekah havia cozinhado e que estava horrível, ou, era apenas o meu estomago que não estava muito bom. Me esforcei diversas vezes para não vomitar e nem ao menos demonstrar meu desconforto na mesa. Por sorte, tio Kol estava comigo e sempre me distraia com alguma piada, ou ficava mexendo no meu cabelo, o que atraia olhares raivosos de Elijah.
Motivo?
Vou morrer sem saber. Esse homem é um poço de mistérios pra mim e um poço de estresse também. Se ele tem algum problema comigo, espero que venha logo bater de frente, porque eu odeio alguém que fica me encarando de canto de olho como se eu tivesse uma bola de cristal para adivinhar as coisas.
— Você está um pouco pálida. – Tia Freya comentou depois de me encarar por vários minutos fixamente. – O que acha se eu preparar um pequeno chá de ervas? Você vai se sentir ótima de novo, isso vai ativar a magia dentro de você e vai se curar rapidinho.  
Quase cuspi o suco que eu estava bebendo no momento. Me engasguei e tossi com certo desespero, enquanto Kol deslizava a mão pelas minhas costas e Elijah quase se levantava de sua cadeira para vir até mim.
Céus. Mentir vai ser mais difícil do que eu imaginava.
— Não tem necessidade, tia. – Respondi, parando pra tossir mais um pouco. – Amanhã eu vou acordar bem melhor, estou apenas de ressaca. – Forcei um sorriso, o que pareceu ter convencido a todos.
— Muito bonito a senhorita passar a noite bebendo. – Mamãe surgiu na sala, me fazendo quase saltar sobre a cadeira. Sua expressão não era muito das melhores e papai vinha logo atrás dela, como que para quem quisesse apaziguar a situação. Conhecendo Hayley como eu bem conhecia, não existia um ser no mundo que pudesse aplacar a ira dela quando estava disposta a causar guerra. — É eu ainda estou muito chateada com você, Elijah. De todos os irmãos, você sempre fora o mais sensato. E agiu pelas minhas costas para proteger ela. Você é igualzinho ao seu irmão.
— Eu acho que ser comparado a mim deveria soar como elogio, não? — Papai balbuciou com certo orgulho. Ganhando um olhar mortal da minha mãe que o fizera engolir em seco todas as palavras proferidas.
— Céus! — Grunhi jogando a cabeça pra trás. Um gesto que a fez latejar, abaixei novamente e senti a tontura tomar conta de mim. Minha respiração ficou meio ofegante e tive de me apoiar na borda da mesa. Mesmo sentada, sentia o mundo todo girar ao meu redor.
— Hope? — Num milésimo eu vi a imagem embaçada de Elijah curvado logo ao meu lado. Suas mãos amparando meus ombros, enquanto eu sentia que a gravidade me puxava para o chão.
Ouvi a voz de mamãe já desesperada e meu pai também a acompanhou, mas não consegui encarar nenhum deles além da escuridão que tomou posse da minha vista. E logo eu me senti entorpecida com um sono que me arrastou facilmente para o inconsciente.

O diário de Hope Mikaelson Onde histórias criam vida. Descubra agora