C A P Í T U L O – 1
Me recordo dela, uma mulher dos olhos claros e cabelos brancos. Que não permitia que o tempo fosse o causador da perca de suas esperanças, mas os anos que passei em Londres me afastaram da família, tinha apenas sete anos, não sabia bem o que estava acontecendo. E com vinte, retornei, mas ela se foi... e até hoje não sei qual a explicação certa. São tantas vírgulas e nunca um ponto final.
Me chamo Anastácia Casterelle, filha de Rosie Trilares e de Hugo Casterelle, nasci no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Minha família sempre foi construída por pessoas reservadas que se viam poucas vezes no ano, com poucos comprimentos. Desde doutores a discentes, assim que é construída minha árvore genealógica. Diferente deles, em Londres obtive o amor pela fotografia desde os meus quinze anos.
Quando retornei para o Rio de Janeiro em 2015, quis buscar novas formas de contar história e, tudo começou naquele dia 30 de maio . Era tarde, sentei no sofá e fiquei observando os quadros, cada detalhe, é... o tal olhar fotográfico. Até que vi pendurado na estante o colar de pérolas de minha avó e, enquanto todos estavam conversando soltei a pergunta que trazia o maior desconforto:
- Tia, o que aconteceu com a vó? - olhei fixamente para minha tia Rosalinda.
Ela sentiu-se desconfortável, mas me respondeu friamente:
- Tácia, existem coisas que você e seus primos não precisam saber.
- Só queria saber o porquê, é tão dificil? -perguntei.
- Já que quer tanto saber, sua avó nos abandonou. Viajou com a filha adotiva dela e nunca mais voltou.
Minha mãe interrompeu-nos:
- Filha, já chega! Vamos para cozinha.
Minha mãe me puxou pelo braço e quando chegamos no outro cômodo, irritou-se:
- Você tem que parar com essa mania, Anastácia. De querer saber as coisas no seu tempo.
- Mãe, qual é o simples problema de perguntar sobre a minha avó?
- O problema é perguntar sobre ela.
- Eu nunca vi tanto mistério para uma família só! -afirmei.
- Filha, por favor, vamos manter a paz, pelo menos hoje... -pediu.
- Ok!
Outro fato em evidência, é que meus parentes são conservadores, quando nos reuníamos, era como se eles tivessem passagem livre diante nossos sonhos e pudessem entrar criticando-os. Quando voltamos de viagem tivemos que visitar a todos e, como sempre eu era aquela que era taxada de inferior, por não ter a faculdade que eles almejavam. Meus primos já estavam formados, com suas vidas "construídas" e banhadas pelo sucesso. E claro, a zombaria por eu ser uma fotógrafa, era ensurdecedora.
Aquela noite, era dia 25 de novembro, estávamos comemorando o aniversário de minha tia Marie, todos estavam na sala de jantar, dando gargalhadas, falando opiniões que nem sequer encontrei sentido. E então, parecia que algo me puxou para a biblioteca da casa. Fui até lá, sem fazer muitos alardes.
Sabe aquele cheiro de livros antigos? Estava a maioria deles empoeirados. E vi que tinha algumas cartas não mexidas em cima da mesa de leitura. E a primeira delas estava escrito: "O remetente é o desconhecido e conhecido a ti". Tirei uma foto com meu celular e escutei alguém chegando. Fingi que estava lendo um livro:
- Anastácia, o que está fazendo aqui?
Quem chegou era um amigo de meu primo, Henrique, vinte e cinco anos, olhos azuis, pele clara e cabelos lisos. E um dos advogados da família, cadê agora aquela reação de revirar os olhos?
- Ah, nada! Quis sair da mesa para distrair um pouco.
- Essa família é complicada, né? Está se acostumando?
- Tentando se acostumar, acredito que deveria ser o encaixe perfeito dessa frase.
- Já viu seus irmãos? Eles acabaram de chegar...
Esqueci de relatar este fato, sim, eu tinha dois irmãos mais velhos por parte de mãe, Danielle e Ricardo. Eles eram gêmeos e quatro anos mais velhos que eu. Minha mãe, preferiu que eles não se mudassem junto a nós, então ambos permaneceram com o pai.
- Ainda não os vi. -respondi.
- Vamos até lá!
E percebi que "discretamente" ele escondeu as cartas que estavam em cima da mesa. Quando sai da biblioteca, meus irmãos estavam de costas, não sabia ao certo o porquê estava com medo ou se aquilo era minha ansiedade atacando mais uma vez.
- Olá! -disse em baixo tom.
Eles se viraram.
- Olá, irmã! -disse ela.
- Olá, irmãzinha! – disse ele.
Danielle, era baixa, tinha um "corpo definido" e olhos castanhos claros assim como minha mãe, as duas eram muito parecidas. Ricardo, olhos mais escuros, alto, musculoso. E os dois, formados em Direito. É, cada dia eu enxergava mais que estava na família errada.
Os abracei e em seguida fui sozinha para a sala, sentei no sofá, fiquei mexendo no meu celular. Até que meu pai recebeu uma ligação e correu empolgado para perto de mim.
- ... ok! Muito obrigado!
- O que aconteceu? -perguntei.
- Filha, sabe aquela exposição que você fez quando terminou seu curso de fotografia?
- Sim, sei!
- Uma das suas fotos ganhou um concurso e você vai receber o prêmio em dinheiro! - meu pai me abraçou.
- Está falando sério, pai? A mãe já sabe?
- Ainda não filha! Vai lá contar a ela.
Quando cheguei na cozinha, minha mãe estava conversando com meus irmãos:
-... sua irmã fez um curso de fotografia, mas não traz muitos lucros à família, nem sei por quanto tempo ainda ela vai morar comigo. Vocês têm casa, carro, estou muito orgulhosa...
- Eu como tia, também me orgulho muito de vocês dois, um presente para a família. -disse Marie.
Eu não tive reação, era como se um tic-tac estivesse martelando minha mente, fechei os olhos, as lágrimas desceram. E sai daquela casa o mais depressa possível, sem que ninguém visse. Como tinha a chave, fui para casa e arrumei minhas coisas e comprei as passagens online. Peguei um táxi e fui para um hotel da cidade. Suportei demais. Não sei o que estava fazendo, parecia que algo estava me cegando, eu não aguentava mais ser zombada por amar minha arte.
Era a hora de crescer, ser a mulher que eles não esperavam...
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RETICÊNCIAS
Historical FictionAntes de começar a ler este diário, queime todos os seus livros de história. - Sthefani Hinckel