Soraya - CP 3

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Os espíritos do Senhor são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se movimenta desde que
Ele recebeu o comando. Estes espalham-se sobre toda a superfície da Terra e, semelhantes às estrelas
cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos.
Prefácio do Espírito da Verdade do livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo” de Allan Kardec (1864).
Deus nos permite absolutamente tudo e, por isso, nos concede o livre arbítrio, justamente por sermos a
primeira e única espécie a evoluir para o intelecto desenvolvido. O homem tem total liberdade para fazer
tudo de ruim que conseguir. E tudo de bom que conseguir também. Quando faz, pensa ou realiza algo
ruim, acaba, cedo ou tarde, se prejudicando com isso. Aos poucos, com o passar dos anos, vai
aprendendo que o único caminho para a libertação do sofrimento e para a felicidade plena é a prática do
bem, da caridade e da prece verdadeira. No fim, o bem sempre vence. O espírito foi programado para
evoluir. Por mais que ele se perca pelas desventuras das vidas, perdendo seu tempo precioso, ele jamais
regride. Sempre progride. Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a Lei.
Ninguém vai para o Umbral por castigo. O espírito recémdesencarnado vai para o lugar que melhor se
adapta à sua vibração

espiritual. Quando deseja realmente melhorar, evoluindo suas vibrações para níveis positivos, sempre
existirá algum espírito de luz para o ajudar. Todos que sofrem no Umbral podem um dia ser resgatados
por espíritos do bem e levados para tratamento em colônias espirituais, para que melhorem, evoluam e
possam viver em planos de vibrações superiores. Basta que se deseje do fundo do coração e se peça com
muita crença.
...
Em meio ao lodo e águas turvas das regiões umbralinas, Soraya é observada por dois espíritos
perturbadores que estão a uma distância de onde é possível espioná-la sem que ela perceba. Eles têm o
propósito de piorar ainda mais a situação dos espíritos recémdesencarnados. Muitos sem sequer
compreender ainda onde estão e o porquê de estarem em um local tão feio, tão fétido e tão doloroso.
– Ei, você, acorda garota, tá na hora de acordar, ei, você...
Eles falam rindo e gritando de uma forma profundamente irritante. Ruminam ofensas em cochichos, no
ouvido, como se estivessem combinando o que fazer. Soraya desperta já aos prantos, gritando. Parecia
que estava sonhando com a mãe.
– Mãe, mãe, socorro, socorro, mãe, me salva, me tira daqui...
– Olha lá, olha isso, ela acha que ainda está viva, chamando pela mamãezinha, que bonitinho, que
peninha.
– Muito idiota mesmo essa menina. Nem se deu conta ainda de onde ela está. Mas vamos deixar essa
coitada pra lá, vamos procurar outros espíritos perdidos para pertubar. Afinal, a gente já conseguiu o que
a gente queria com essa daí, não é mesmo?
- Isso mesmo – respondeu o outro espírito pertubador, com um sorriso assustador e olhos esbugalhados,
enquanto o espírito prosseguiu:
– Nós a conduzimos às drogas e conseguimos chegar ao ápice de nossa missão como espíritos obsessores
na Terra: tiramos a vida dessa miserável.
Proferiu uma gargalhada que deve ter acordado mais alguns espíritos assustados e continuou.
– Ela me pagou na mesma moeda o que me fez. Se não tivesse feito futrica com meu nome, eles não
teriam me matado e me mandado para esse lugar nojento. Sofre agora, menina, sofre bastante. Paga na
carne.
– Isso mesmo, vamos perturbá-la mais e mais, até ela pirar, ficar doidinha.
– Deixa ela pra lá. Vamos embora, vamos pro outro lado, aqui tá muito escuro.
As pessoas, bem como os espíritos e a alma, que é o espírito encarnado, são campos magnéticos muito
intensos que se atraem ou se expelem por afinidades ou diferentes tipos de vibrações. Quando você emite
vibrações positivas, por meio de pensamentos e atos do bem, você atrai espíritos que se afeiçoam com
essas vibrações, os espíritos de luz. Quando você emite vibrações negativas, fruto de pensamentos ou
atos negativos, você atrai espíritos que se afeiçoam com esse tipo de vibração, os espíritos obsessores.
Isto acontece na Terra e no mundo espiritual da mesma forma. Por isso, todas as pessoas com sede de
vingança e ódio, acabam se atraindo para localizações comuns do outro lado da vida. Por isso esses
espíritos obsessores encontraram Soraya e a atormentaram.
Percebendo que os obsessores se distanciaram, Soraya volta a chamar pela sua mãe a todo instante.
Sentindo-se sozinha e desesperada, ainda sem ter a mínima noção de onde estava e do que tinha
acontecido para estar ali. As regiões umbralinas são as que mais se assemelham com a Terra. Os
espíritos, por estarem ainda muito atrelados à vida material, e por lhe faltarem informação e
conhecimento, acabam se sentindo como se realmente estivessem vivos. Por isso, até as necessidades
básicas do corpo acabam se manifestando nestes espíritos. Sofrem por sentirem dores, sono, fome, sede,
desejos diversos.
– Mãe, mãe, socorro, por favor, me ajuda. Cadê você?
Soraya ficou ali, deitada, sem forças, ainda pensando no que os espíritos cochichavam. Não conseguiu
ouvir tudo mas alguns trechos a intrigaram.
– Do que aqueles dois estavam falando? Por que será que minha mãe não vem? Por que não amanhece
aqui nesse lugar? Cadê o pessoal? Onde estou?
Soraya então começou a lembrar pouco a pouco do que havia acontecido.
– Lembro de ter saído do baile depois daquela confusão toda. Correria, gente gritando pra todo lado. Isso
mesmo, aconteceu uma confusão, uma grande confusão. Lembro agora de tiros, mas o que será que
aconteceu comigo? Será que eu morri? Mas não estou morta. Olha aqui, estou aqui, sou eu, minha pele,
meu cabelo, tudo muito sujo, imundo, fétido, mas sou eu. Como pode isso? Mas tia Neuza falava que a
gente não morria.
Soraya aos poucos ia recobrando o que havia acontecido com ela no plano material. A porta da perdição
é larga, porque as más paixões são numerosas e o caminho do mal é frequentado pela grande maioria. Já
a porta da salvação é estreita, porque as pessoas que querem transpô-la devem fazer grandes esforços
sobre si mesmas para vencer as suas más tendências. Poucos a isso se resignam, há muitos chamados e
poucos escolhidos.
– O que será que está acontecendo? Estou aqui há dias. Então acordo e não vejo ninguém. Ninguém me
ouve e ninguém vem me ajudar? Que lugar é esse, afinal? Socorro!
Um grito raivoso vem de longe e assusta Soraya.
– Ô menina nojenta, cala a boca aí, já tá enchendo o saco com essa falação. Será que você ainda não se
tocou que morreu? Você está “mortinha da silva” minha filha. E o pior: está ardendo no inferno, menina.
Coisa boa você não fez para estar aqui, né?
– Senhora, me ajuda, por favor. Não consigo enxergar nada, só vejo vultos a toda hora passando pra lá e
para cá. Essa névoa que não cessa nunca, que não acaba. Meus olhos de fato ardem, minha pele arde.
Meu peito dói. Não consigo dormi, estou com fome e sede. Ninguém traz nada para mim. Isso aqui é uma
espécie de prisão?
– Ah, cala essa boca , vai lamentar com suas negas. Não quero saber dos seus problemas. E isso aqui não
é uma prisão não, minha queridinha, isso aqui é o inferno, só vem pra cá quem não presta. E se você está
aqui é porque coisa boa você não andou fazendo lá na Terra.
– Como assim? Então quer dizer que eu morri?
– Com certeza, pessoa de inteligência limitada.
– Meu Deus, então aqueles tiros foram em mim? Só me lembro de ter ouvido o barulho dos tiros muito
perto de mim e mais nada. Mas então é isso, é isso mesmo. Vi quando o Neco veio em minha direção me
xingando e falando que eu nunca mais iria entregar ninguém. Senti uma dor muito forte na minha cabeça e
acordei nesse lugar horrível. Será que eu morri assassinada? Meu Deus, que horrível!
– Pelo que você está dizendo, acho que sim, né, coisinha. Então, queridinha, dá uma rezada aí, isso se
você acredita nessas coisas, a maioria acaba gostando daqui e vai ficando. Mas tem uns e outros que
insistem em acreditar e acabam sumindo. Devem conseguir ir embora pra outro lugar. Só não sei se é
melhor ou pior do que esse inferno imundo.
– Meu Deus, mas vou orar para quem, como? Nunca fui sequer a uma igreja. Só fui uma vez em um centro
espírita, da dona Jurema, para falar com uma entidade que me disse para que eu tivesse muito cuidado
com a vida que eu estava levando. E agora, o que eu faço?
– Ore menina, ore a Deus e, quem sabe, ele manda aí algumas luzes aí virem te buscar ou pra te queimar
de vez.
– Como faço para sair daqui?
– Caramba, é preciso repetir quantas vezes para você entender? Não para de perguntar as mesmas coisas,
coisa irritante. Já disse: daqui só se sai se alguém vier te buscar. E eles só vêm buscar por merecimento e
esse negócio de oração. Eu que não tô nem aí mesmo, quero mais é ficar aqui. Faço o que quero, me sinto
bem aqui nesse lugar e é isso
O Umbral começa na crosta terrestre. É o limiar de passagem entre o plano terrestre e o plano astral mais
avançado. Uma divisória vibracional a qual não se consegue atravessar, quem tem o corpo espiritual
denso, pesado e vibrando negativamente. É como se fosse uma peneira energética. Uma verdadeira
alfândega de vibrações. São muitos os espíritos que, mesmo em estado deplorável no Umbral, preferem
continuar onde estão. Neste ponto, acaba não sendo muito diferente do que acontece aqui na Terra. Uma
parte dos moradores de rua continuam nas ruas por opção, não suportam suas casas ou abrigos, onde
acabam sendo exigidos em ter algumas obrigações de higiene e limpeza, de organização ou de obediência
às regras co-muns de qualquer meio de convívio social. E assim, preferem seguir vivendo na miséria a
ter que viver sob a austeridade de qualquer lei ou norma. Infelizmente, só se pode ajudar aquele que
realmente desejam serem ajudados.
O Umbral é uma região muito pesada justamente porque reflete o estado íntimo de quem está lá. Há
lugares que lembram abismos, cavernas escuras, tudo exteriorizado do subconsciente dos espíritos, como
formas mentais. Quando se olha no fundo desses abismos, consegue-se enxergar que está cheio de
espíritos, mas eles não voam, são densos e presos ao chão. No plano espiritual, você encontra
comunidades miseráveis, cidades medievais, vilas e todo tipo de arranjo social. Isso acontece porque os
espíritos vivem presos às estruturas físicas e mentais que mantinham no plano material, das quais, na
maioria das vezes, é muito difícil escapar para conseguir evoluir. Nossos pensamentos e emoções se
plasmam energeticamente em nossa aura e em nosso corpo espiritual. Nós somos a somatória do que
pensamos, sentimos e fazemos durante a vida. Na hora da morte, a vibração do corpo espiritual é a soma
de tudo que você pensou, sentiu e fez durante uma vida inteira.
Soraya entra novamente em desespero e volta a chorar muito, se recordando dos últimos momentos
vividos no plano material. Lembra-se que Neco veio em sua direção gritando que nunca mais ela faria
fofocas e entregaria ninguém, deferindo então uma sequência de tiros contra ela, na direção de sua
cabeça. Uma longa e profunda dor a invadiu a alma e um arrependimento sem fim tomou conta de seu
peito. Recordou sua mãe preparando o jantar para ela enquanto aguardava a chegada do seu pai em casa.
Conseguiu sentir o cheirinho da cebola refogada com alho, que invadia a casa toda, quando sua mãe
começava a preparar o arroz. Lembranças vivas em seu pensamento. Muita saudade que agora faz com
que ela reflita sobre os conselhos dados por sua mãe, sempre tão preocupada com seus estudos e com
suas más companhias.
Os espíritos superiores nos dizem que o inferno e o paraíso são portáteis: você carrega dentro de si. Se
estiver bem, o paraíso está dentro de você. Se sair do corpo nessa condição, você é atraído por uma
vibração semelhante a que existe em seu interior. A passagem para o que seria o paraíso está dentro de
nós. E para o que poderia ser chamado de inferno funciona exatamente da mesma forma. É um estado
íntimo. Veja uma pessoa cheia de culpa e compare com aquela imagem clássica do diabo colocando
alguém dentro da caldeira e espetando. A culpa espeta mais do que qualquer diabo, porque nem é preciso
o inferno vir de fora e de fato existir. Ele já está dentro de você, e o diabo nada mais é do que a soma
desses sentimentos de baixa vibração.
– Ei, menina, ei, você aí...
Soraya, de imediato, procurou se esconder, achando que poderia ser mais um espírito obsessor vindo
pertubá-la. Ao perceber que não daria mais tempo de não ser incomodada, Soraya então é seca e rude,
querendo que ele passasse e desistisse de importuná-la.
– Não conheço você, vai embora.
– Tenha calma. Também estou muito assustado. Estou me sentindo muito mal, não consigo enxergar nada
aqui. É tudo muito escuro, estou sofrendo também, desculpe incomodar você....
O rapaz tinha a voz trêmula, como trêmulas eram suas mãos também. Estava sujo, coberto com farrapos
rasgados que escondiam parte das feridas que trazia em todo corpo. Soraya percebeu que não se tratava
de mais um espírito obsessor.
– Quem é você?
– Me chamo Felipe. Fique calma. A única coisa de que tenho certeza é que precisamos manter a calma e
pedir ajuda aos espíritos superiores. Você tem orado?
– Mais ou menos. Tenho pedido a Deus que me salve desse lugar mas não sei orar direito. Imploro que
me tirem daqui o mais rápido possível, não aguento mais a saudade de minha mãe e de todos.
– Você não deve nutrir saudades do plano material com tanta profundidade. Deve compreender que
precisa evoluir e não regredir. E também não é preciso “aprender a orar” como você imagina. Basta
desejar profundo e conversar com os espíritos superiores. É como se você estivesse realmente
conversando com eles. É o que chamamos de prece. Mas o que você fazia na Terra? – Felipe perguntou
procurando distrair Soraya para acalmá-la.
– Eu tinha uma vida normal de adolescente. Gostava de dançar, de ir aos bailes, festas, de me divertir,
nada de mais. Tenho pensado muito na minha vida, embora pareça que ela realmente não me pertence
mais. Penso que posso ter errado muito. Acho que errei, de verdade, agora é fácil pensar que deveria ter
escutado a minha mãe. Larguei os estudos, me envolvi com drogas e sexo irresponsável. Sempre achei
que tirava onda sendo mulher de bandido. Gostava da sensação de estar íntima do poder. De que
adiantou? Agora es-tou aqui sozinha nesse lugar horroroso, só você veio falar comigo. Os outros passam,
ficam rindo da minha cara, me amolando, me dizendo bobagens e me xingando, não fiz nada a eles. Por
que será que eles fazem isso comigo? – perguntou Soraya voltando a chorar,
o que fazia , a maior parte do tempo em que estava no Umbral.
– Olha, deve ser porque você morreu assassinada. Eles gostam quando chegam pessoas iguais a você
aqui pois se identificam com eles, vibram na mesma frequência, você entende?
– Não muito, mais ou menos. Qual o seu nome? Por que só você conversa e é educado comigo?
Antes de Felipe responder, indicou uma pedra, sugerindo que Soraya se acalmasse um pouco e se
sentasse. Tudo era negro e repleto de limo. Ao se sentarem, eles tinham diante de si um grande vale
repleto de nuvens negras e árvores sem frutos, folhas ou nada que pudesse justificar até que recebessem o
nome de árvore. Eram grandes troncos ocos e secos com enormes galhos vazios. Com o tempo, os
espíritos penosos se acostumavam com o cheiro forte, que parecia de enxofre e impregnava o ar. Depois
de se acomodar ao lado de Soraya, que enxugava as lágrimas com um dos trapos que a cobria, Felipe
prosseguiu:
– Meu nome é Felipe. Você já me perguntou isso, não? Eu converso com você porque já estou há mais
tempo aqui. Acabei aprendendo a conviver assim. Aqui tem algumas regras e eu fui apren-dendo na pele.
Gosto de ajudar aqueles que percebo estarem meio perdidos, que acabaram de chegar ou algo assim.
– Desculpe-me, você realmente já havia me dito seu nome. É que estou muito atordoada. Que regras são
essas?
– Bom, primeiro me diga seu nome, né? Que falta de educação a minha não perguntar.
– Soraya, com ypsilon.
– Bem, Soraya com ypsilon, aqui, se você se mostrar frágil, eles se aproveitam para ficar mexendo com
você,é o pior: isso acaba sugando de você, o que você tiver de bom em sua alma, que veio lá de baixo.
Por isso as preces servem não apenas para tentar atrair os espíritos de luz para te tirarem daqui mas
também afastam os espíritos obsessores, que não suportam sequer ouvir qualquer palavra que se dirija
aos espíritos de luz. É assim aqui como no plano material. Eles se afeiçoam com hábitos e
comportamentos que vibram no mesmo nível que eles gostam de vibrar, entende?
– Entendo. Mas como assim “lá de baixo”? Lá de baixo aonde?
– Da Terra, ué.
– Quer dizer que eu estou viva aqui e morta na Terra?
– Sim, é mais ou menos isso sim.
– Não consigo acreditar, não consigo aceitar. Então quer dizer que vou viver assim o resto da minha
vida?
– Isso eu não consigo te responder, infelizmente. Não temos como saber. O que posso te dizer é que, uma
vez ou outra, aparecem por aqui pequenos grupos de espíritos com muita luz, todos de branco. Eles vêm
especialmente para resgatar pessoas que, por merecimento, são levadas para outros lugares. Eles
aparecem do nada e possuem grandes raios de luz que saem da pele, meio que circundando eles, sabe?
Você tenta olhar e a luz parece que vai te cegar de tão forte. Mas, quando você toma coragem e olha, na
verdade parece que passa a enxergar até melhor. Enxerga com o coração. Sente uma calma, uma paz que
invade você pelos poros e te toma a alma. É uma coisa que não consigo explicar assim, aqui, agora. É
algo que nunca vi nem senti na vida.
– Meu Deus, será então que alguém vem me buscar?
– Não temos como saber, Soraya. Depende muito de você. E também da sua família, seja na Terra, seja
daqueles que já estão nos planos espirituais. Se eles ficarem pedindo por você, orando, desejando que
espíritos de luz ajudem você, muito provavelmente alguém virá alguma hora te buscar sim.
– Mas então por que você ainda não saiu daqui?
– Eu não tinha família na Terra. Minha família era só eu e minha mãe, que levava uma vida muito
desregrada. Era mulher da rua. Quando eu desencarnei foi praticamente um alívio para ela. Daí ela não
deve pensar muito em mim, imagina orar por mim. Por mais que eu ore dia e noite, apesar de neste lugar
não sabermos bem quando é dia e quando é noite por causa dessa névoa escura que não cessa nunca, não
estou conseguindo sair daqui. Mas tenho fé que minhas pequenas preces serão ouvidas por alguém e que,
um dia, eu possa ir para um lugar melhor, um mundo de muita luz.
– Que isso? O que é esse mundo de luz?
– É assim que eles falam: “viemos te buscar para o mundo de luz”. Algumas vezes eles chegam em
caravanas de anjos celestiais e imediatamente esses espíritos obsessores que te atordoam saem de perto
porque não conseguem ficar um segundo sequer tão próximo de tamanha luz. Esses espíritos superiores
são extremamente amorosos e levam os que sofrem para se recuperarem em outro lugar. Sabe Soraya,
nunca aceitei muito bem essa condição em que me encontro pois nunca fiz mal a ninguém. Não entendo o
porquê de estar aqui. Mas uma coisa é certa: só se sai daqui com o arrependimento sincero, do fundo do
peito, e com muita prece. Ouvi dizer que você deve ter a caridade e a humildade mais puras de todas, daquelas que fazem com que perdoe e ore até por aqueles que você, um dia, pode ter considerado seu
desafeto, seu inimigo, sei lá. Fora da caridade, não há salvação, Soraya.
– Nossa, realmente é tudo tão confuso e difícil , e como você tem conhecimento sobre tudo isso? Me
arrependo de não ter tentado entender isso tudo antes, para me precaver, me antecipar, adiantar-me, sei
lá. De alguma forma sinto que poderia ter facilitado um pouco mais este momento agora.
– Que bom que estou tendo a oportunidade de ajudar você, mesmo que seja com o mínimo que sei.
– Nossa, se isso é o mínimo, não quero nem saber como chamaria o que eu sei.
– Irmã, agora o que você acha de fazermos uma prece juntos?
– Claro, vamos sim, será ótimo. Assim aprendo mais rápido.

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