Chico Xavier Dia 2 - CP 7

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O dia começou a amanhecer no Umbral. Não que isso representasse uma mudança muito significativa e
nos aspectos do cenário pertubador, já que a predominância de fumaça escura e densa ainda tomava conta
do céu. Mas, ao menos, não havia aquele breu completo e absoluto da madrugada umbralina.
O índio se aproximou do grupo e entregou a cada um uma cumbuca de chá, preparado especialmente por
ele. Um cheiro gostoso, de uma mistura indescritível de ervas e sensações, envolveu a todos. Ele trazia
esse preparo especial de plantas em um pequeno saco de pano que ficava amarrado em sua cintura. Nina
logo despertou ao sentir o cheiro bom e forte do chá.
– Nina, beba um pouco.
– Obrigado. Hum, uma delícia. E está quentinho.
– Este chá, preparado especialmente pelo índio, é necessário para seguirmos reenergizados no plano
denso do Umbral. Temos todos que tomar essa precaução. Temos que beber até o fim da cumbuca, por
favor.
Rodrigo estava distante do grupo como se estivesse fazendo uma prece. Daniel o observa ao longe.
Todos perceberam e Daniel então explicou ao grupo:
– Estão todos curiosos com o que o Rodrigo está fazendo lá, não é mesmo? – afirmou com um leve
sorriso.
– Sim, irmão Daniel, estamos sim, deu para perceber, né? – sorrisos.
– O Cigano está orando pelos pacientes que ele atende em sua missão espírita na Terra. Está pedindo a
Deus, todo-poderoso, e a nossa mentora, que nunca permita que os assistidos por ele venham para essa
região. Pede ainda que tenha força e muita sabedoria para conduzir os companheiros que, junto com ele,
administram tamanha obra de caridade na Terra. Está orando por todos. Fez-se um silêncio e todos o
auxiliaram na oração.
– Irmão Daniel, os cavalos já estão a caminho.
– Obrigado, meu amigo índio. Vamos juntar nossas coisas e partir.
Um total de dez cavalos chegaram trazidos por outros índios que, após entregá-los, voltaram pelo mesmo
caminho e sumiram na névoa. Eram cavalos brancos, alguns com predominância de bege e marrom. Eram
altos e tinham as crinas compridas e sedosas. Todos montaram e retomaram a viagem de resgate.
– Nina, está gostando do passeio? – pergunta Lucas, sempre bem humorado e simpático.
– Sim, Irmão Lucas, dessa forma nos cansamos menos, né? Eu sempre fui muito próxima dos animais, eu
amo cada um deles da mesma forma que amo todos os humanos.
– Vamos irmãos, vamos seguindo, estamos cada vez mais próximos – exclama Daniel, que voltando-se
para Rodrigo, pergunta ao Cigano.
– Irmão Rodrigo, sei que essa cavalgada o remete às suas encarnações mais recentes, como está se
sentindo?
– Olha, Daniel, estou sentindo uma grande emoção e sei que você percebeu isso dentro do meu âmago,
por isso me perguntou, não é mesmo? Há tempos não cavalgava. O contato com os animais sempre me
deu muitas alegrias, um tremendo prazer. Lembro que, quando menino, cuidava dos cavalos para meu pai
e isso nos aproximava. Ajudava a nos conectar de uma forma que não consigo sequer explicar, sabe?
Comentou Rodrigo, buscando forçar um sorrir, mesmo que meio sem graça, para não se emocionar muito
com as lembranças do pai e chorar diante de todos. Daniel sorriu de forma condescendente.
A cavalgada missionária no Umbral seguia a todo vapor. O grupo estava vencendo longos trajetos com
paisagens mais abertas mas não menos tenebrosas. Subiram uma colina e lá do alto deram uma parada
para avistar as diversas regiões umbralinas de cima. Daniel e Rodrigo, com a ajuda dos guardiões,
definiram ali o caminho que seguiriam adiante, inclusive identificando onde provavelmente Soraya se
encontrava.
Daniel aproveitou para mostrar a todos as principais regiões umbralinas. Ao final, apontou o dedo para
um local e indicou o caminho seguro a seguir, mostrando que a região em que Soraya se encontrava era
uma região mais clara, com um céu menos cinzento e com alguma luz, muito pouca, mas alguma. Isso
porque ainda era relativamente recente o desencarne de Soraya e ali era um dos locais destinados à
chegada de espíritos recém-desencarnados.
De repente, o índio alertou a todos que um grupo de espíritos estava se aproximando e pediu que todos
ficassem atentos e em silêncio. Recuaram para perto de um córrego, na intenção de deixálos passar.
Mantiveram-se em silêncio e ficaram apenas observando eles passarem mais ao longe.
Mas o líder do grupo tinha conseguido avistar a caravana de longe e, logo que se aproximou do local
onde estava o grupo, tentou pegar um dos cavalos. Sem dar a menor possibilidade de ele tocar no cavalo,
o índio o empurrou para longe, mas sem fazer uso de suas mãos. O fez apenas com um fluxo de energia,
como se fosse um sopro muito forte que mais parecia uma ventania.
– Siga seu caminho, irmão. Aqui não há nada que possa te interessar ou muito menos que lhe pertença.
Estamos em missão de paz em resgate de um espírito merecedor. E você pode acreditar, nada nos fará
desistir de nossa missão.
– Qual seria o vosso nome, curiosa e estranha figura? – o espírito de pouca luz era falastrão e ironizador.
Falava com uma voz irritantemente fina e se curvava em tom de deboche para se dirigir ao índio. Parecia
respeitá-lo não por ser alguém do bem mas por conta do porte e tamanho do índio mesmo. Talvez, por
isso, o restante do grupo dos espíritos obsessores se aproximaram, para tentar ajudar o seu líder na
intimidação do índio. Mas ele pouco se incomodou com a presença de mais espíritos de baixa vibração e
voltou a se dirigir ao tal líder do grupo obsessor, agora de forma ainda mais direta e assertiva.
– Não importa saber o meu ou qualquer nome que seja. Agora afaste-se de nós e leve seu grupo de baixa
vibração junto.
– Minha nossa, mas quanta dureza, cidadão. Agente só queria um cavalo, nobre amigo, um cavalinho,
afinal vocês têm tantos.
– Infelizmente, não vamos poder ajudá-los. Os cavalos estão sendo muito úteis para a nossa missão.
Peço, pela última vez, que se afaste e siga o seu caminho em paz. Não gostaria de ter que pedir mais uma
vez.
Daniel e Rodrigo apenas observavam, se posicionando logo atrás do índio. Sabiam que aquilo não daria
em nada pois aquele pequeno grupo de espíritos obsessores só iriam perturbar um pouco e seguir. Eles
não teriam como fazer nada além disso com um grupo tão protegido e iluminado. O líder obsessor então
se revolta e começa a gritar ofensas descabidas.
– Vocês aí ditos seres Iluminados. Vocês deveriam vir aqui para nos ajudar. Estamos passando fome, frio,
dor. Seu Deus não manda ninguém aqui para ajudar. Que Deus é esse?
– Vocês estão colhendo o que plantaram em suas encarnações. É a lei da causa e efeito. Não temos
responsabilidade sobre o que vocês fizeram. Só cada um de vocês pode ter consigo mesmo.
– Vocês se vestem de anjos mas na verdade são um bando de gente ruim que não tem nenhuma pena da
gente. Simplesmente vêm aqui, pegam quem querem e nos deixam sofrendo.
– Irmão, ore muito. Peça a Deus e a todos os espíritos superiores que tenham piedade de ti e que te
permitas seguir adiante. Você será ajudado. Acredite.
– Eu não sou seu irmão e não vou orar nada, droga nenhuma. Essa baboseira toda não serve de nada. Eu
vou é seguir em frente que já perdemos muito tempo com esse papo furado. Melhor ficar por aqui mesmo
porque acho que morreria de tédio levando essa vida que vocês levam. Até nunca mais.
Nina assistiu a toda conversa e, plenamente acometida de sentimentos de amor, tenta interceder junto ao
Irmão Daniel.
– Irmão Daniel, por que não podemos ajudá-los? Coitados, estão vestidos com farrapos fedidos, magros.
Parecem ter sede e fome. Não podemos fazer nada por eles?
– Não, Nina, infelizmente nada podemos fazer. Essa é a lei: dai e receberei, fazei ao outro aquilo que a ti
quiserem que façam. É a lei da causa e efeito. O nosso Pai, que é misericordioso e caridoso, está olhando
por esses também. Ninguém sofre por motivos que não seja para elevá-lo. Todo sofrimento é efeito de
alguma causa anterior mas também é uma prova para a evolução espiritual. Desta forma, chegará o dia
em que todos terão progredido à instância máxima, estando libertos e felizes, como vivemos em nossa
colônia.
– Temos que orar muito então por esses espíritos com tão pouca luz.
– Sim irmã, temos sim.
Aproximando-se do grupo, o índio chama todos a seguir em frente.
– Vamos, irmãos, já perdemos muito tempo com esses obsessores.
– Vamos sim – Irmão Daniel responde convocando a todos a voltarem ao trajeto.
Após algumas horas a mais de percurso, decidem por uma nova parada para o descanso necessário dos
cavalos.
– Nina, estamos bem próximos de sua prima.
– Ela está em sofrimento?
– Sim, Nina. Ela está um pouco perturbada, ainda não consegue entender muito bem o que aconteceu com ela.
– O que ocorreu com ela? Por que a trouxeram para o Umbral?
– Ah, Nina, foram seus desvios, sua insistência em levar uma vida pecaminosa. Soraya teve muitas
oportunidades de se elevar. Mas optou pela vida fútil e fácil, sem caridade e sem estudo espiritual, que
infelizmente a trouxe para cá.
– Meu Deus. Lembro-me de que um pouco antes de ser internada no hospital ainda conversei com ela
para que ela não deixasse os estudos. Que seguisse uma vida regrada, de amor e carinho, que meus tios
tanto se esforçavam para lhe dar. Tinha até um rapaz muito interessado nela querendo casar e constituir
família.
– É, Nina, infelizmente ela se desviou do caminho do bem. Desviou-se, assim, de tudo o que estava
programado em sua encarnação.
– Mas como isso é possível? Seu destino já não estava determinado?
– Lembre-se, Nina, todos temos o livre arbítrio. Por mais que sua consciência fale com você todos os
dias, todas as horas, muitos não ouvem a voz da razão que está dentro do coração de todos os filhos de
Deus. Antes de encarnar, Deus coloca uma sementinha de amor em cada coração. Nessa semente de luz,
ele grava todos os segredos do caminho do bem. Só que, infelizmente, há pessoas que ignoram esse
conhecimento interno e intuitivo. Desviam-se, assim, da obra da evolução espiritual e perdem-se nos
caminhos da vida terrena.
– É uma pena. Soraya sempre foi assim, nunca deu ouvidos aos bons conselhos.
– Estamos vendo o resultado, não é mesmo, Nina. Ainda bem que seus tios seguem vivendo em oração e
não desistiram de Soraya. Só a prece e o amor fazem com que esses espíritos sigam em frente.
– É verdade, irmão Daniel. Graças a Deus, à nossa mentora, e a todos que oraram muito por ela, estamos
aqui para ajudá-la.
– Sim. E já temos permissão para isso. Bom, agora já está tarde. Vamos ficar aqui por esta noite. Amanhã
logo cedo chegaremos ao nosso objetivo. Façamos todos uma oração em agradecimento e vamos
descansar para seguirmos em paz amanhã.
Todos se dão as mãos. Irmão Daniel profere uma linda prece, inspirada na conversa com Nina sobre
Soraya. Em seguida, todos se acomodam para repousar. O grupo descansa de mais um dia extremamente
desgastante no Umbral.
...
A sessão de descarrego começa na casa espírita. Jorge e Marília estão acompanhados de Neuza, irmã de
Marília, que também chega para a desobsessão. Nessa fraternidade espírita que eles frequentam, há a
sessão de trabalhos de desobsessão todas as quartas. Nas quintas é realizado o passe e, nos sábados,
ocorrem palestras, evangelização e outros tipos de atendimentos. Também são oferecidos a todos tudo
aquilo que buscam de ajuda necessária para suas vidas. Tudo de forma completamente gratuita.
O Diretor Espiritual dos trabalhos naquela , casa espírita, intuído pelos mentores, convida a todos os
presentes a realizarem uma oração pelos espíritos sofredores que se encontram nos planos do
Umbral. Inicia então uma linda prece.
Jorge, devoto de Santa Catarina, confiante na ajuda dessa mentora tão querida, invoca com todo fervor
por sua filha. Pede para que, caso ela esteja de fato no plano umbralino, seja socorrida pela
espiritualidade iluminada e superior. Roga para que a mentora envie bons espíritos para socorrer sua
filha.
Todos os participantes da reunião estão em uma vibração muitopositiva, emanando esses fluxos de
energia para os irmãos que se encontram em sofrimento. Um lindo raio de luz invade a sessão e todos se
sentem tocados pela luz divina da caridade. Neste exato momento, muitas ondas de amor e luz invadem o
céu negro do Umbral. Como uma verdadeira chuva de estrelas cadentes, uma falange de cometas
desceram do céu e juntos formaram um feixe intenso de luz que atingiu milhares de espíritos que estavam
em sofrimento. Nina, ao ver aquele verdadeiro espetáculo da luz divina, perguntou ao Irmão Daniel:
– Irmão Daniel, que coisa mais linda. O que é isso? Por que isso tudo assim, de repente?
– São orações, Nina. Estamos diante do poder da prece profunda. Veja como é lindo quando a oração da
Terra atinge diretamente quem está em sofrimento, seja onde for, seja quem for. As preces e pedidos que
vem da Terra estão chegando para aqueles necessitados que aqui sofrem em desespero.
Nina chorou. Não sabia ao certo se o choro era de emoção, por ter a oportunidade de presenciar tudo
aquilo em que sempre acreditou, ou se era um choro de alegria, por comprovar que há tamanho poder nas
preces e orações vindas da Terra e de todos os lugares. Constatava naquele momento que nada é em vão.
Percebeu que todos nós temos, dentro de nós mesmos, tudo que Deus reservou para a nossa vida. Que não
precisamos dedicar tanto tempo e preocupação com tantas coisas que sequer conseguimos usufruir pra
sempre ou em sua totalidade. Possuímos, em nós mesmos, pelo pensamento e pela vontade, um poder de
ação que se estende muito além dos limites de nossa esfera corporal e material. E isso tudo estava ali,
comprovado, diante de seus olhos cheios de lágrimas. Nina só teve condições de agradecer imensamente.
– Mas meu Deus, que lindo ! Que lindo, meu irmão! Agradeço tanto por ter essa oportunidade de estar
aqui, de ter aceito o desafio e convite. Muito obrigada, Daniel, Rodrigo, Sheila, a todos vocês. Agradeço
à nossa querida Catarina por ser essa força de tamanha luz e caridade para com todos. Obrigada,
obrigada, obrigada.
– Você não precisa agradecer, Nina. Você tem ajudado tanto as esferas superiores. Tudo que acontece a
você é mérito seu.
O Cigano Rodrigo interveio e comentou mais a respeito do poder da prece.
– Essas orações libertam, mesmo que momentaneamente, esses irmãos do sofrimento e da angústia. Cada
prece proferida na Terra chega aqui como um feixe de luz intenso que clareia o espírito de dentro pra
fora, dando-lhes a forma antiga e pura da criação. Infelizmente, muitos esquecem do poder de seu amor
ou desconhecem essa dinâmica de oração. Acabam não orando e, por vezes, o sofrimento aqui se estende
por longos e longos períodos. Além de deixar o campo aberto para espíritos que se afeiçoam com
comportamentos negativos. Nós estamos trabalhando para aliviar muitos destes espíritos que estão
encarnados lá na Terra.
– Irmão Daniel, eu sei que em nossa colônia não temos como objetivo os resgates no Umbral. Existe
alguma colônia especialmente voltada para socorrer estes espíritos sofredores que estão aqui?
– Sim, querida Nina. Lembre-se sempre que Deus é amor. Lembre-se que ele é justo e bom. Assim sendo, todos são socorridos, sem exceção. Há colônias muito bem especializadas nesse tipo de atendimento sim.
– Entendi. Ué, mas então vem cá: por que então nós é que viemos buscar Soraya?
– Você compreenderá amanhã, Nina. Vamos repousar agora que já é bem tarde. Boa noite, querida, durma
em paz.
– Boa noite, Irmão Daniel.
Todos descansam enquanto os guardiões resguardam a segurança do grupo. Nina ficou profundamente
curiosa. Afinal, o que Daniel quis dizer com “você compreenderá amanhã”?

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