Lara está com dor de cabeça.
Lugares lotados a deixam assim. Não é fácil, para alguém que ama conversar como ela. Sempre pedia para as amigas combinarem de sair em um lugar mais vazio. Elas nunca entendiam.
Melhor não entender, do que não acreditar. Lara não queria acabar em um sanatório, e é isso que acontece com quem afirma ver o passado das pessoas ao olhar para elas.
Ela já estava tão acostumada a manter segredo que nem percebia mais as desculpas saindo de sua boca. So evitava encarar os outros no meio da rua.
Não era a tarefa mais fácil do mundo, porém. Algumas pessoas simplesmente atraíam seu olhar curioso. Como não querer saber por que a mulher na fila do caixa está segurando o choro? Por que o cara da mesa ao lado está tão preocupado no celular?
Toda ação tem uma consequência. Lara via o segundo para descobrir o primeiro depois.
É incrível, na maioria das vezes. Histórias de vida que já renderam roteiros maravilhosos escritos por ela.
Mas não agora. Não no restaurante mais lotado da cidade. Por que ela tinha vindo mesmo? Nem sequer lembrava.
Queria poder fechar os olhos ou olhar para o teto sem parecer (ou ser) tão maluca.
O garçom trouxe a água que ela pediu. Apressou o braço para pegar o copo, sem tirar o olho da mesa, com medo de mais lembranças. Ficou tão feliz ao fechar a mão sobre o vidro.
Até ele quebrar.
Merda. Começou a recolher os cacos do chão, e praguejou quando viu a mão de alguém ajudando-a.
Lembranças atingiram-na rapidamente.
Um homem, beirando os vinte anos. Sorrisos, olhares, a mão dele na dela. Beijos, promessas, pedidos. Cansaço, frieza, indiferença. Tarefas, deveres, discussões. Gritaria, ordens, desespero. A mão dele na dela, dessa vez para imobilizá-la.
Um acordar desesperado. Uma longa discussão. Ameaças e uma breve separação, deixando dúvidas no ar.
A mulher a encarava como se fosse louca. Lara nem notou. Agradeceu a ajuda, e percebeu que havia perdido a fome.
Acontecia de vez em quando. É surpreendente o número de cicatrizes que as pessoas podem carregar. Mas dessa vez... o final foi diferente. Não havia conclusão. Pairava apenas uma hesitação no ar, uma dúvida.
Pediu a conta: duas águas. Essas histórias a faziam perder a fome. Levantou da cadeira, e encontrou a mulher com o olhar. Parou em sua frente como uma descontrolada.
— Foge. Vai para qualquer lugar, faz qualquer coisa, posso te ajudar se quiser, mas vá embora!
Saiu andando, sem dar a chance de resposta. Dias depois, leu uma pequena reportagem sobre uma mulher assassinada pelo marido. Eternamente, ela ficará em duvida se seria a do restaurante ou as outras seis que se foram naquele dia. Ou em todos os outros dias.Dia 3: um gênero que você nunca tenha escrito.
Tinha pensado em me manter na fantasia, que também nunca escrevi, mas acabei lembrando da complexidade do "magical realism" (realismo mágico? Alguém usa essa expressão em português?). Provavelmente não ficou tão bom, mas considerem alguém iniciante no gênero, e não se esqueça de clicar na estrelinha!
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30 Days Writing Challenge
Non-Fiction30 desafios. 30 dias para cumpri-los. Uma escritora explorando as loucuras da própria mente.