Faca

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Dia seguinte, por volta do meio-dia. Hora de alimentar a prisioneira.

Fazia sol, um dia como outro qualquer até então dentro daquele campo de concentração.

O guarda, já habituado com aquela rotina, pegou uma tigela, mergulhou na panela de arroz e foi em direção à solitária. Sua função era despejar um pouco da comida pelo vão da porta. Apenas isso. Sem pratos, garfos ou bandejas. Nada. A prisioneira teria que pegar arroz do chão com as próprias mãos se quisesse se manter alimentada.

O homem percorreu tranquilamente o pequeno corredor e avistou a porta de madeira. Ia passar o arroz pela fresta da porta quando, então, notou que algo escorria justamente pelo buraco em que passava a comida. Algo vermelho e escuro.

Um filete de sangue descia pelo vão. O guarda olhou espantado. "Será que a garota cometeu suicídio?", pensou o carcereiro. "Mas como?"

Largou a tigela no chão e levou a mão em direção à cintura, buscando seu punhal. Agachou e passou os dedos no líquido que saía pelo vão da porta e confirmou: era sangue.

Com a arma em punho, buscou a chave com a mão esquerda e abriu a porta. Em momento algum pensou em pedir auxílio. Ia apenas confirmar se a garota já estava morta ou ainda agonizando. Se estivesse morta, não teria mais que ficar perdendo seu tempo levando comida para ela, calculava o homem. Se estivesse agonizando, ia dar meia-volta e retornaria apenas bem depois que o fato estivesse consumado.

Levou a chave até o buraco da fechadura e deu uma volta completa. Nenhum som se fez ouvir de dentro da cela. Com a porta aberta, pouco via lá dentro, o ambiente estava muito escuro, ele olhou para baixo, ao fundo do quarto, e notou uma silhueta deitada ao chão. Provavelmente morta, pensou o guarda, se aproximando devagar da garota inerte. Achou que o quarto estava mais escuro que de costume. E estava mesmo. Ele não notou, mas pequenos pedaços de pano cobriam a maior parte das frestas; a luz entrava exclusivamente pela única porta do local.

Caminhando em passos lentos e alerta, o soldado agachou-se. Ao tocar naquilo que pensou ser a perna de Lana, espantou-se ao notar que se desfazia em seus dedos. Era apenas terra. Um corpo moldado de barro.

Antes que pudesse expressar qualquer reação, ele ouviu um estouro. Era a porta fechando-se com violência atrás dele, tudo ficou escuro. Quando o soldado arregalou os olhos, uma forte pancada lhe atingiu a cabeça.

De costas, no escuro e abaixado, o homem se expusera totalmente. Lana batera fortemente com o punho da faca improvisada. Ele cambaleou, mas não desmaiou, até tentou esboçar alguma reação.

Novos golpes seguidos e furiosos foram dados pela garota, desta vez pelo lado pontiagudo da arma. Uma voz em tom sinistro se fez ouvir:

— Isso é por me fazer pegar comida do chão feito um animal! Ainda sinto o gosto da terra na minha boca!

Foram as últimas palavras que o homem ouviu.

Aos poucos, mais sangue começou a tingir o local. E não era o sangue de Lana.

Recuperando-se do esforço feito, Lana tateou o chão e localizou a arma do carcereiro. Saiu pela porta e a trancou.

Ao passar pelo corredor, uma forte luz lhe cegou momentaneamente a vista. Parou e agachou-se, era como se a liberdade estivesse lhe cobrando algum preço. Lana esfregou os olhos, mas em momento algum largou a faca ou o punhal. Assustada, com os olhos entreabertos, já procurava pelo próximo guarda.

Avistou-o dando as costas para o corredor e indo na direção por trás da cela, como Aline havia dito. Teria apenas quatro minutos ou menos para escalar a paliçada.

Lana - Uma Aventura de Fantasia MedievalOnde histórias criam vida. Descubra agora