Capítulo 2

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Clarice

Mal saí de uma cama, já estou em outra. O médico me liberou no mesmo dia, mas com a promessa de que eu ficasse pelo menos mais uns dois dias de repouso. Minha vontade era de perguntar, como assim doutor, já não dormi tempo suficiente. Mas achei prudente permanecer quieta, pois a minha vontade de vir para casa era maior que minha vontade de fazer gracinha. Mesmo o médico sendo bem charmoso, na verdade, ele tinha um rosto bem parecido com do Ethan, seus cabelos eram um pouco mais escuros, mas ele tinha os mesmos traços finos do maxilar, iguais aos do Ethan. Meu Deus. Eu estou comparando o meu médico com um menino que eu mal conheço, que mesmo estudando na mesma sala, nunca falou comigo. O que está acontecendo com você Clarice, você não pensa em meninos. Meninos são problemas, só se lembrar o que aconteceu quando você ainda morava em Howth, uma área urbana no Condado de Findal, na Irlanda. Melhor não pensar nisso. Melhor não pensar em nada e dormir um pouco. É, pode parecer irônico uma menina que dormiu por tantos dias pensar em dormir um pouco, mas que culpa tenho se dormir é uma das melhores coisas do mundo, depois de S'mores. Devemos agradecer quem teve a brilhante ideia de rechear uma bolacha doce com mashmallow assada e chocolate, obrigada américa. Lentamente sinto minhas pálpebras pesando, olho em meu celular, são mais de 22h, me viro para o lado até começar a sentir meu corpo pesado, aquela sensação boa de quando estamos quase dormindo.

"Eu disse para não me procurar. Eu te pedi para se manter afastado. Por que você não me ouviu? – Como se eu fosse um fantasma em meu próprio sonho, eu me vejo gritar em direção a um rapaz que está de costas para mim, não consigo reconhecer quem é, a neblina está muito forte. Ele então se vira e vem caminhando em minha direção, seu semblante é de dor, com as mãos no peito, ele cai de joelho quase desfalecido. Eu vou até ele correndo e o seguro, uma faixa de luz corta a neblina e ilumina o rosto dele. Ethan! Seu rosto já não tem mais vida. Eu grito o mais alto que posso..."

Acordo com minha mãe no meu quarto me segurando em seus braços, minha testa está suada. Eu não consigo falar, ainda estou paralisada e em minha mente a única imagem que vem é a do rosto de Ethan, sem vida, em meus braços.

••••••

Ethan

15 dias antes...

Chego na sala, hoje temos aula de Biologia, dia de entregar um projeto. O sinal toca e nada da Clarice aparecer, já tem 3 dias que ela não vem na escola e apesar de nunca socializar e sempre estar grudada em um livro - um diferente a cada semana por sinal -, ela não falta. Pelo menos foi o que descobri ao invadir o sistema de frequência da escola. Eu precisava saber se tinham alguma informação sobre ela, mas aparentemente até agora nada. Antes de encerrar o final da aula, o Sr Carlton, diretor da escola interrompe a aula e pede para falar com o Sr Daniels, nosso professor de Biologia. Com a desculpa de apontar um lápis, me aproximo da lixeira próxima à porta e consigo ouvir parte da conversa onde Sr Carlton avisava que a Srta Adams estava internada sem previsão de alta.
O sinal toca e eu espero todos saírem da sala para falar a sós com o Sr Daniels.

- Professor.
- Sim Ethan, no que posso ajuda-lo?
- Notei que a Clarice não tem vindo à aula e gostaria de saber se o senhor sabe o que está acontecendo?
- Não sabia que vocês eram amigos.
- Quase isso. Dou uma risada sem jeito.
- Mesmo assim, bom saber que ela está começando a socializar. Não gosto de vê-la tão fechada com todos os outros alunos.
- Concordo. Precisava que ele acreditasse em mim para me passasse o endereço, precisava vê-la.
- Vamos fazer um acordo, você irá tomar nota de todas as atividades nas quais pega aula com a Srta Adams e será responsável de levar o conteúdo e deixar com a mãe dela. E com isso eu te passo o endereço.

Concordo prontamente mesmo sabendo que eu só iria visita-la essa única vez, eu não sou o tipo de cara que toma nota em aulas para outra pessoa. Eu só sentia uma vontade grande de vê-la. Não de virar sua babá escolar. Pego o papel que está nas mãos do Sr Daniels e me dirijo ao meu carro, mas antes ligo para minha mãe e aviso que não irei almoçar em casa hoje, ela resmunga algo do outro lado da linha mas não dou atenção.

Chegando ao hospital, tomo o elevador em direção ao quarto dela, tento passar o mais despercebido possível. Minha intenção é entrar e sair sem ser visto por ninguém. Ao chegar à porta do quarto observo uma mulher, aparentemente na casa dos 40 e poucos anos, cabelos claros, alguns fios já brancos. O celular dela toca e a observo sair do quarto em direção ao refeitório do hospital. Vejo aí minha chance e entro no quarto. Ao entrar me deparo com algo que nunca esperei ver aqui.

Diferente do que eu imaginava, ela não estava acordar. Ela estava entubada, com diversos fios ligados à ela, mas mesmo assim, com todas essas circunstâncias ela era a criatura mais linda que eu já havia vista na vida. Ela parecia um anjo enquanto dormia, eu juro que podia ver uma áurea alaranjada em volta dela, uma luz que emanava. Me aproximo lentamente e toco sua mão, passo minha mão pelos seus macios cabelos cor de âmbar, levemente caídos sobre seu rosto. Retiro com delicadeza e observo o seu rosto, nunca havia ficado tão perto. Podia sentir o calor que o corpo dela emanava...

- Cof cof

Um pigarro me traz à realidade, olho para trás assustados, era a mãe dela com um rosto de poucos amigos. Acho que me dei mal.

- Bom dia, Sra Adams certo?
- Hm. Ela continua me encarando com esses olhos de "se você não se explicar eu posso ser capaz de te matar aqui e agora"
- Bem... Meu no-nome é... Ethan. Eu sou... Sou amigo da Clarice.
- Ela nunca me falou de amigos.
- Estudamos juntos. Nisso já puxo minha mochila das costas, abrindo em um movimento rápido, retiro um envelope e entrego a ela. - Eu trouxe as atividades de hoje para ela, mas não sabia que ela não estava acordada. Se a senhora puder entregar para ela. Tenha um bom dia. Já me virando em direção à saída.
- Espere.

Me viro de volta e olho para ela caminhando na minha direção. – Ethan, certo? Muito obrigada. Ela estende sua mão e eu aperto.
- Minha filha não tem muitos amigos, ou melhor, nenhum. Mas fico feliz em saber que alguém da escola sentiu sua falta e se preocupou.
- Claro que sim. Ela é uma menina muito especial... É... Com todo respeito. Sinto meu rosto queimar agora de vergonha, mas continuo agindo como se estivesse no controle. – Então se a senhora não se importar, vou trazer as anotações até ela receber alta.
- Fico muito grata, o quadro dela está estável mas os médicos não sabem quando ela vai acordar.

E nos próximos dias que se seguiram, sempre que saia da aula, eu tinha um compromisso. Levar as anotações e visitar Clarice. Conheci seu pai, ficava de companhia para Clarice quando sua mãe precisava ir em casa descansar um pouco até que o pai dela chegasse e nesses momentos onde ficávamos a sós, eu lia para ela. Seu livro preferido estava na cabeceira da cama, era de uma autora chamada Nora Roberts, o título era Bruxa da Noite, eu não conhecia mas até estava gostando de ler ele para ela e eu havia escutado o médico dizer que conversar com ela poderia ser bom. Mas o que eu ia falar? Nós não erámos nada, nem amigos. Mas eu queria estar ali, queria estar perto. E essa era a maneira que eu encontrei....

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Capítulo 3 sai amanhã,
10/01/2018, às 22h. ❤️

Clarice & Ethan - Tudo de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora