Cap 6

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Makaila Narrando:

Chegamos à casa e o clima já pesa no ar. Enquanto dirigimos, conversamos sobre o quão absurda foi a ideia de parar no Alemão. A maneira como o Alemão olhou para o Allan, como se ele fosse nada, me enche de raiva. Que se dane ele! Ele não teve parte nenhuma na criação dos nossos filhos; fui eu quem batalhou sozinha, dia após dia, para garantir que eles tivessem um futuro.

Entro na casa do JP, o Allan no colo e a mochila nas costas, enquanto a Sofia vai à frente com o Damien, rindo e conversando animadamente. A casa é um pouco maior do que a que ele tinha no Alemão, o que traz uma sensação de conforto que eu não esperava. Há quartos para todos, mas, mesmo assim, o pensamento de que a Sofia e o Allan vão dormir comigo me faz sentir que a proteção que busco não está completa.

— Tu tá diferente — diz o JP, me observando com um olhar que mistura curiosidade e preocupação. — Só te vejo de dois em dois anos. Porra, vê se desta vez tu ficas perto.

— Mano, eu só vim porque hoje é o teu aniversário. Não tenho intenção de ficar — respondo, sentando-me no sofá com o Allan no colo. Ele começa a balbuciar, suas pequenas mãozinhas tocando meu rosto. A inocência dele me dá forças, mas, ao mesmo tempo, me faz lembrar de tudo que passei.

— Mas por que não? Podes morar aqui, o Alemão não vem cá. Eu protejo-te — insiste ele, puxando um cigarro e acendendo-o. O ato é tão familiar, mas o cheiro do fumo não se mistura com as lembranças que quero esquecer.

— Como já disse, tenho a minha vida em Nova York. O Alemão não tem poder nenhum sobre mim. Eu sei me defender — digo, a confiança soando nas minhas palavras. Aprendi a lutar com cada desafio que a vida me lançou, mas a verdade é que a lembrança dele me faz sentir um nó na garganta. Ele pode não ter me dado apoio, mas suas ações ainda me assombram.

— Mas tu podes trabalhar aqui, e os meninos podem estudar aqui. E este convite é pra ti também, loira — diz ele, olhando para a Leila, que acaba de sair do banheiro. A presença dela é um bálsamo para a minha alma.

— A Makaila escolhe o meu trabalho. Posso fazer em casa, até — responde a Leila, dando de ombros enquanto tira o cigarro da boca do meu irmão. — Crianças em casa não se fuma — ela acrescenta, apontando para o Allan e a Sofia, que observam a conversa com curiosidade.

Levanto-me e passo o Allan para o colo do JP. Ao deixar a sala, escuto a conversa deles se tornando um murmúrio distante. A minha mente se afasta, navegando por lembranças e medos. O Morro, com suas ladeiras íngremes e a vida vibrante, carrega consigo memórias que eu gostaria de apagar, mas que continuam a ressurgir. Viver aqui novamente, após tudo que enfrentei, parece uma ideia aterradora. As invasões, os perigos... será que quero realmente me expor a tudo isso de novo?

Olho pela janela da cozinha e me perco em pensamentos. Poderia morar em Copacabana, onde a vida seria mais tranquila. Tenho algum dinheiro guardado, o suficiente para um novo começo, mas isso seria suficiente para escapar do passado? Largar tudo o que construí em Nova York para voltar ao Morro? Não, isso não faz sentido. Os meninos têm amigos, eles se estabeleceram lá. E eu? Eu não posso me permitir ser puxada de volta. Segunda-feira, volto para Nova York, onde a vida parece mais equilibrada.

A imagem do Brian ainda assombra meus pensamentos. Ver ele me fez reviver o pânico e a dor que tentei enterrar. O olhar que ele lançou para o Allan foi um golpe direto no meu coração. Aquele monstro, incapaz de sentir, exceto pela Sofia. Sinto uma onda de tristeza e raiva. Por que eu me deixei envolver por tudo isso novamente? Ele me observava, a frieza nos olhos, e eu só consegui sentir a dor que ele causou, e o quão longe estava do que realmente queria ser.

Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim percebe que ele está diferente. Mais alto, mais forte, suas tatuagens nos braços contam histórias que não vivi. Aqueles traços de dor e liberdade falam de uma vida que não é minha, mas que, de alguma forma, me prende. Ele me lembra de dois anos atrás, quando cheguei ao Morro, e ele estava lá, com aquele sorriso torto que escondia mais do que revelava.

— Makaila! — a voz do JP me interrompe, trazendo-me de volta à realidade. — Estás bem?

— Sim — respondo, forçando um sorriso que não consegue esconder a tempestade dentro de mim. — Só estava a pensar.

— Não deixes que o passado te consuma — ele diz, a preocupação evidente na sua voz. — Estamos aqui para ti.

Aquelas palavras me tocam de uma maneira que não consigo descrever. É um conforto saber que não estou sozinha. Mas a batalha que travo internamente continua, e, a cada dia, a luta se torna mais intensa.

Decido aproveitar esse momento com minha família, por mais breve que seja. A família é tudo que tenho agora, e, mesmo com todas as incertezas, eles são meu porto seguro. No fundo, o que mais desejo é encontrar um equilíbrio, um lugar onde possamos ser felizes, longe dos fantasmas que nos cercam.

Enquanto reflito sobre a escolha entre o passado e o futuro, percebo que a vida é uma dança constante entre raízes e asas. O Morro é minha origem, mas Nova York é minha reconstrução. Uma batalha entre o que deixei para trás e o que ainda posso construir. A jornada está longe de terminar, mas a força que encontrei em mim mesma me dá esperança de que, talvez, eu possa conquistar um novo lar, mesmo que isso signifique enfrentar meus medos e as incertezas que sempre habitaram meu coração.

Se a escolha for entre o que me feriu e o que me fortaleceu, sei que, apesar de tudo, o amor pela minha família sempre será minha luz na escuridão. E, talvez, essa visita possa me ajudar a encontrar um caminho para a paz que tanto busco.

Entre dois mundos 2Onde histórias criam vida. Descubra agora