O Senhor Batô

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Já passava um pouco do meio dia quando a porta do Gargalo foi escancarada não sem certa delicadeza, introduzindo duas figuras no estabelecimento. A que estava à frente era um homem. Não particularmente alto nem massudo. Nada intimidador embora uma espada pendesse na cintura para fora da capa que o envolvia até os tornozelos. Às suas costas, a outra figura fechava educadamente a porta. Uma mulher, com míseros centímetros a menos que ele, o par de lentes na armação quadriculada a tornar seu rosto sério e enigmático. Ele deu alguns passos na direção do balcão e ela o seguiu.

— O que um sujeito precisa fazer para comer aqui? — perguntou com um sorriso caloroso.

— Ter dinheiro — disse secamente o homem barbudo atrás do bar.

— Assim que eu gosto, direto ao ponto, sem burocracias. — Ainda sorrindo, pousou um pesado saquinho de moedas no balcão. — Cerveja para mim, vinho branco para a senhorita e também aceitaríamos um belo pedaço de seja lá o que estiver produzindo esse cheiro tão bom.

— É cordeiro.

— Excelente! — exclamou o homem de capa. — Faz quase um ano que não como carne de cordeiro, é uma das minhas preferidas. Melhor que cordeiro apenas Andrill! O senhor já teve a oportunidade de experimentar Andrill? — perguntou, expectante.

— Não — respondeu o outro, objetivamente. Em um só movimento pegou o saco de moedas e com outro fez um gesto impaciente em direção às mesas do local — Sentem— se. A comida sai em quinze minutos.

— Maravilha! — Ainda sorrindo, se virou para a mulher que o acompanhava. — Então, onde gostaria de se sentar?

Como resposta obteve um dar de ombros desinteressado. Sendo assim, a conduziu por entre uma dúzia de mesas vazias até acabarem no fundo do bar, onde tanto o calor quanto a luz da lareira eram precários.

— Acha que enfim encontraremos nosso homem? — perguntou a mulher assim que sentaram.

— Aquele tal de Vin me pareceu confiável, acho que vai trazê— lo até nós.

— Ah, pelo amor, Alder. Você nunca desconfiou de ninguém na vida.

Alder gargalhou.

— O que posso fazer se sempre espero o melhor das pessoas? — Uma nota de saudável sarcasmo se insinuou em seu tom de voz.

— Essa sua ingenuidade ainda vai acabar te matando — disse a mulher em tom repreensivo.

— Não me parece uma forma tão ruim de morrer. — Levou uma das mãos ao queixo como quem refletisse sobre o assunto. — Melhor do que morrer queimado, certamente. Ou afogado, ou decapitado. Coisas dessa natureza.

Ela deu uma bufada seguida de um revirar de olhos.

— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer... — parou de falar quando uma menina magricela e desajeitada veio servir a mesa.

— Er, bem... O vinho é para o senhor? — perguntou a menina timidamente, esticando a garrafa na direção de Alder.

— Não, querida. É para minha adorada companheira emburrada aqui — ele se aproximou do ouvido da menina e fingiu sussurrar — Ela só está assim porque eu não a levei para piquenique ao pôr do sol que prometi. — a menina deu um risinho divertido e rapidamente tentou abafá— lo​ quando os olhos da mulher pousaram nela. — Pode se aproximar, ela não morde... muito.

Encorajada por Alder a jovem estendeu uma bela taça azulada para a mulher e a encheu rapidamente, sem erguer os olhos. Ao pousar a garrafa na mesa, fez com tanta pressa que o objeto dançou de um lado para o outro se aproximando da borda, mas Alder o segurou antes que o chão de pedra duro o fizesse.

As Sombras de um Pretérito VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora