IV. Agressão

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Acordei em minha cama, algo que estranhei já que eu havia dormido no chão junto ao urso. Senti meu rosto completamente inchado e meus olhos remelentos, mas não me importei, apenas levantei-me e desci as escadas. Dessa vez, a voz alta de Mike invadia meus ouvidos enquanto o mesmo brincava de luta com seus bonecos de alguns personagens de filmes famosos.

Direcionei-me até a sala de estar, onde encontrei minha mãe sentada sobre sua poltrona. Assim que me aproximei da mesma, percebi que ela costurava a cabeça do urso sobre o corpo do mesmo, no qual Dylan teria arrancado na noite anterior.

Ao perder seu bebê, minha mãe recebeu alguns dias de folga para descansar, o que lhe dava mais tempo para cuidar da casa já que ela não conseguia parar um segundo sem fazer algo. As probabilidades de depressão pós parto eram grandes, e essa era a maior preocupação de todos. Afinal, aborto espontâneo era quase o mesmo de um aborto.

Notei seus olhos também inchados e vermelhos como as maçãs de seu rosto. Não ousei-me perguntar o motivo de sua tristeza, apenas me aproximei lentamente e sentei-me sobre o tapete felpudo em frente a poltrona onde ela estaria sentada, permanecendo em silêncio.

— Foi você quem fez isso? — Perguntou sem nenhuma expressão em seu rosto ou em seu tom de voz, e seus olhos não saíram de sua costura.

— Não. — Falei pouco. Eu simplesmente não sentia-me confortável em conversar com ela. Naquele momento, eu não sentia-me confortável em conversar com mais ninguém. As pessoas pareciam rudes demais para serem amigáveis.

— Você tem que ir para a escola. — Ainda continuava a dizer da mesma maneira serena.

— Eu não quero voltar lá. — Abaixei minha cabeça, observando bem o tapete cor creme.

— Eu não perguntei, Hayden. Você vai. — Foi extremamente rígida.

A forma como as palavras saiam de sua boca friamente, assustavam-me. Eu era pequena, tudo vinha-me em grande intensidade. Não revidei, tão pouco persisti, apenas sai em silêncio e fui me arrumar para ir à escola.

Na escola, tudo não me parecia diferente. Os olhares tortos e poucos gentis cercavam-me com mais intensidade que o normal. As pessoas pareciam cochichar a todo instante algo sobre mim, e riam, provavelmente se lembrando do ocorrido de semanas atrás. Ou melhor, de todos os ocorridos de duas semanas atrás.

Finalmente vi Lili, que abraçou-me, tampando toda a visão das pessoas que mediam-me com os olhos. Senti seu abraço quente sobre o meu, reconfortando meu coração de uma forma tão simples, mas poderosa. Talvez um abraço fosse realmente tudo o que eu precisava naquele momento para suportar todos os fatos.

— Meu Deus, Hayden, o que mais ouço aqui é sobre você. Você esta bem? Ah, mas que pergunta boba, é claro que não. Vem, vamos pra sala e lá você me conta tudo. — Lili disse muito eufórica, como de costume. Ela sempre foi uma garota muito falante e agitada, era isso que todos mais admiravam nela.

Antes de irmos para a sala de aula, pedi para que ela me desse um tempo. Eu precisava conservar minhas teorias e minhas idéias, e com Amber falando o tempo todo, isso seria quase impossível. Eu precisava de ar, esperar um pouco mais para me adaptar novamente àquele ambiente.

Lili foi para a sala sozinha enquanto sentei-me sobre um banco no pátio aberto. Tão pouco parei para perceber quem se aproximava, e que esse alguém seria Bianca e mais todo um grupo de pessoas, onde nele estaria incluído, Jack.

— Olha só quem resolveu aparecer. — Jack falou. Depois daquele ocorrido fiquei alguns dias sem forças para voltar à escola.

Naquele momento, minha respiração se tornou ofegante e pouco clara. Borboletas caminharam em meu estômago. Eu temia por mais uma humilhação.

— Por causa de você, a diretoria chamou os meus pais e eles me proibiram de várias coisas! — Bianca disse alto, mas eu abaixei a cabeça para não ter que olhá-la.

— Agora ela vai se fazer de santa. — Jack disse num sarcasmo.

— O que foi, Hayden? O gato comeu sua língua? — Ela zombou, fazendo todos daquele grupo rirem logo em seguida.

— Não vai responder não, garota? —Assim que perguntou, Jack puxou meu cabelo com força o bastante para que me fizesse sair do lugar. Soltei um gemido de dor, sentindo a pressão de seu pulso atingir meus ombros logo depois.

— Ela se faz de ingênua, Jack. — Bianca disse, empurrando-me para trás logo em seguida, fazendo-me cair do banco de costas no chão. Todos gargalharam de uma forma ensurdecedora e exagerada.

Senti rapidamente a pressão do chão contra minha pele pálida. A dor em minhas costas passou a ser completamente forte, fazendo-me marejar o olhar, na intenção de não chorar, sempre respirando fundo.

Assim que me levantei novamente, Bianca empurrou-me bruscamente para trás uma outra vez, mas dessa vez, permaneci em pé. Logo em seguida, senti um chute na canela, sendo arremessado por Jack. A dor aguda e extremamente brusca atingiu-me com tanta força que só não passava da dor em minhas costas. Ele era forte demais para sua idade, mesmo que fosse um repetente. Ou talvez, eu quem fosse extremamente fraca.

Alguém no qual não pude distinguir ser, chutou-me por trás, fazendo-me cair de quatro no chão. Bianca ágil, deu-me um ajoelhada no nariz, fazendo-me sentir depressa a dor da secreção. Passei a mão trêmula lentamente sobre minha pele abaixo do nariz, sentindo o líquido vermelho escorrer do mesmo.

Não pude conter as lágrimas, chorando baixo para que eles não notassem tão depressa. Eu estaria tão envergonhada com aquilo. Era incrível a forma como eu era extremamente frágil, e naquele momento eu tinha tanto ódio disso. Tinha ódio de mim mesma por não saber como reagir.

Bianca chutou-me novamente, fazendo-me cair para trás, sendo ágil o bastante para pelo menos apoiar as mãos no chão para não cair de costas novamente. Cada pancada era uma dor extremamente terrível. Não apenas fisicamente, mas como psicologicamente. Aquilo me doía tanto...

Jack rapidamente acertou-me com um soco sobre a maçã esquerda do meu rosto, trazendo-me rapidamente o desconforto e a fervura do sangue se alojando no local atingido. Um formigamento estranho rondou por todo meu rosto, provavelmente eu já estaria vermelha.

Eu apenas queria sair daquela situação. Era pedir muito? Onde estava Deus? Ele não me ouvia? Por um acaso ele não me amava? Onde estava ele?!

Rapidamente minhas preces foram ouvidas, no mesmo momento em que alguns professores tiraram de perto de mim todo o grupo que me rodeava. A minha visão havia ficado turva, minha pele inchada pelo soco me impedia de ver direito pelo olho esquerdo. E tudo parecia girar, como se eu estivesse em uma montanha russa. Rapidamente, senti o líquido quente subir sobre minha garganta, fazendo-me vomita-lo logo em seguida. O gosto amargo e pouco saboroso se estabilizou em minha língua molhada, fazendo-me vomitar novamente. Eu não poderia estar mais envergonhada.

Fui levada rapidamente para a enfermaria. Minha mãe quem resolveu novamente que iria me buscar, mas dessa vez, eu via uma feição diferente em seu olhar. Ela parecia na primeira vez em sua vida, pouco arrependida, mas arrependida. Talvez fosse pela situação onde me encontrara. Eu permanecia segurando um lenço molhado sobre o nariz para limpar o sangue e meu rosto dormente carregava algumas pequenas feridas. A principal delas era uma característica roxa avermelhada na maçã de meu rosto e o inchaço dela que levava ao olho que pouco enxergava. Minha pele pálida estaria um pouco avermelhada, meus cabelos loiros ondulados, bagunçados, e meus olhos, sonolentos até demais.

A partir daquele dia eu havia percebido que o mundo era ruim. Que não havia um pingo de bondade, talvez a bondade nem existisse. Todos carregavam um lado ruim, e talvez um dia eu encontrasse o meu. Eu apenas não queria ser como eles e esperava jamais ser.

A propósito, espero ainda ser a Hayden.

Uma Chance Pra Recomeçar [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora