II. Vexame

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Abri meus olhos inchados e provavelmente vermelhos pela madrugada onde mal havia dormido por conta das lágrimas que insistiram em cair sobre meu rosto. Observei com muita calma cada canto do meu quarto, inclusive o teto que era a mais ampla visão. Todo aquele quarto estaria coberto por desenhos, como tatuagens preta e branca.

Com o tempo, deixei de me importar se meus pais veriam aqueles desenhos. Sinceramente, eles não viam nada que não tivesse certo envolvimento com seus bens materiais.

Malditos bens materiais.

Fazia anos que minha mãe não colocava os pés sobre meu quarto, assim como não entrava no de Dylan. Aposto que se entrasse lá, ela ficaria tremendamente assustada e procuraria um psicólogo urgentemente ao seu filho. Ou como ela não se importava, apenas despejaria palavras cruas e imundas sobre nós, nos culpando de nossa existência.

Levantei-me com calma estranhando como a casa estaria quieta naquela manhã. Sempre estive acostumada em acordar com as brigas e gritos constantes dos meus pais, ou com a voz ensurdecedora de Mike. Mas naquela manhã, algo estava diferente.

Desci as escadas lembrando-me de pisar degrau por degrau, tudo com muita calma. Nunca tive a oportunidade de apreciar meus passos, era como se a casa fosse atordoada por gritos em sinfonias agudas e dolorosas. Chegando ao final da escada, olhei para os lados a procura de alguém, mas nada encontrei.

Me direcionei até a sala de estar e ali, deparei-me com a minha mãe aos prantos, sentada delicadamente sobre o sofá enquanto meu pai lhe abraçava como consolo. Eu não entedia o motivo de tanta dor e silêncio. Percebi Mike pouco avoado sentado sobre o chão arrumando seus brinquedos que estavam jogados ali a quase uma semana. Estranhei tal comportamento. Talvez, ele só estivesse tentando ser gentil para com meus pais.

Naquela manhã, minha mãe havia descoberto que o filho em sua barriga estaria morto a quase uma semana. Isso porque ela havia passado muita raiva e andava se preocupando com muitas coisas durante o período de fertilidade, e isso interferiu na saúde do bebê. Eu não tentei acomoda-la ou algo do tipo, afeto era uma coisa que todos de casa não sabíamos como executar, tão pouco lidar.

A notícia havia me deixado triste, perder alguém que nem ao menos chegou a ver o mundo não é uma sensação muito boa. E o que mais doía, era vê-la daquela maneira. Minha mãe sempre foi uma mulher muito forte e vê-la chorar, fazia-me sentir-se ainda mais fraca. Era um momento delicado, então decidi me retirar para ir à escola. Conhecia bem minha mãe, e tudo o que ela queria naquele momento era ficar sozinha.

As aulas passaram depressa e depois de muitas piadinhas sobre "Maria sangrenta" e "garota formiga", finalmente chegou o intervalo. No meu caminho até o refeitório senti algo ser colado sobre minhas costas. Já por reflexo, rapidamente e com muito medo, retirei o papel que havia escrito "Hayden formiga sangrenta". Aquelas piadinhas podres jamais se esgotariam, mas isso já parecia não me abalar como antes. Aos poucos, todas as coisas deixavam de ter um sentido, e pareciam se infiltrar em minha pele. Cada sensação de dor, era filtrada por nada.

Continuei caminhando sozinha, com meus ombros perto demais do rosto. Me sentia envergonhada, como se eu tivesse desaprendido a andar. Amber, que melhor chamada de Lili, minha única amiga, havia faltado naquele dia. Fazia dias que ela não aparecia na escola e aquilo me preocupava. Eu estava cada dia mais sozinha e com medo. As pessoas eram cruéis demais, e eu tinha apenas doze anos de idade.

Sentei-me em uma mesa sozinha, apenas a bandeja de lanche era minha companhia. As pessoas não costumavam se enturmar comigo. Talvez fosse pelos meus dentes meramente separados ou os caninos tão pontiagudos. Ou talvez pela pele pálida demais, diferente de Lili que possuía um tom de pele negro chocolate tão bonito. Talvez fosse por esse motivo que ela continha tantos amigos.

Meus olhos centrados em minha bandeja, talvez por vergonha, impediram-me de ver Bianca Watson aproximar-se com seu grupo de amigas. Bianca simplesmente seria a garota mais popular do colégio. Não como um clichê, mas sim muito real, Bianca possuía um coração cruel. Então nunca ousei-me a conversar com ela, mas naquela tarde, a mesma resolveu juntar-se a mim.

— Oi Hayden. — Ela disse gentilmente, fazendo-me levantar a cabeça lentamente para observá-la.

— O-oi. — Gaguejei.

— Fiquei sabendo o que saíram falando sobre você. — Disse já se sentando, deixando seu grupinho em pé. — Sinto muito por isso. — Colocou sua mão sobre a minha em forma de consolo, fazendo-me afastar-se lentamente de seu toque.

Eu tinha medo. Quanta dor e sofrimento um ser humano consegue guardar para si?

— Eaí, garota formiga. — Jack se aproximou em sentou-se ao lado de Bianca que soltou uma risada boba. Ela parecia gostar de Jack.

— Não fala assim, que cruel. — Bianca comentou sarcasticamente. Ela queria deixar notável em seu tom de voz que não se importava.

— Hayden é uma nojenta. — Jack gargalhou alto. Aquelas palavras me atingiram em cada extremidade do meu corpo. O medo apenas crescia, acrescentando uma leve contração no estômago. Uma dor aguda e psicótica. Eu era realmente uma nojenta, não é? De qualquer forma, ele me fez acreditar nisso, então de certa maneira, eu era.

— Tadinha, vamos ajudar ela. — Bianca levantou-se enquanto já dizia e abriu sua bolsa. Logo ela despejou em mim, diversos absorventes íntimos que haviam ali, fazendo com que todos ali presentes parassem um instante para me olhar.

Senti meus olhos marejarem no mesmo momento em que as risadas altas invadiram meus ouvidos. Como que uma criança da oitava série poderia ser tão cruel? Eu não podia, e nem deveria, reagir. Eu simplesmente não conseguia de alguma maneira, reagir. Senti as lágrimas quentes tomarem meu rosto, enquanto a visão ficava cada vez mais trêmula por conta que o líquido dificultava que eu enxergasse bem. Naquele momento minhas bochechas deveriam estar tão avermelhadas quanto todo o resto do meu rosto pálido, como maçãs. Tão pouco senti minhas mãos tremerem. Cada sensação era apreciada por cada detalhe espontâneo e duradouro.

Eu simplesmente não me lembro como cheguei em casa naquele dia, o que as pessoas disseram depois ou como que a diretoria escolar lidou com isso. A única coisa na qual eu realmente me lembro, foi em como me senti. Um verdadeiro lixo, inútil e nojento. As pessoas me fizeram a cada segundo me sentir assim. E como eu disse, talvez eu realmente fosse. Elas não diriam se eu realmente não fosse, não é?

A propósito, não é Hatter, é Hayden.

Uma Chance Pra Recomeçar [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora