Capítulo 2

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Alguns dias depois, peguei minha bicicleta e me
aventurei sozinha pela rua. Já tinha visto brincando ali
crianças um pouco mais velhas do que eu, e lá no
nosso vilarejo as mais velhas brincavam com as
menores e até tomavam conta delas. As crianças de
Berlim gritaram: "Qual é a dela?", e se apoderaram da
minha bicicleta. Quando a recuperei, estava com um
pneu furado e um pára-lama amassado. Meu pai me
deu um tapa, porque minha bicicleta estava arreada.
Daí em diante eu só a usava nos seis cômodos.
Três desses cômodos estavam reservados para
servir de escritório. Meus pais queriam abrir uma
agência matrimonial, mas as escrivaninhas e as
poltronas anunciadas por eles nunca chegaram. E o
velho armário de cozinha ficou no quarto das crianças.

Um dia, o divã, as camas, o armário foram


colocados em um caminhão que os transportou até um


prédio do conjunto residencial Gropius. Ali nos


instalamos em um apartamento de dois cômodos e


meio, no décimo primeiro andar. O meio cômodo era o


quarto das crianças. Todas as coisas bonitas de que


minha mãe nos falara jamais caberiam ali.


O conjunto Gropius abriga, em suas torres,


quarenta e cinco mil pessoas. Entre os prédios,


gramados e centros comerciais. De longe, tudo isso


tem um ar de novo, tudo parece muito bem-cuidado,


mas, quando se está dentro, entre os prédios, fede a


xixi e a cocô. É por causa de todos os cachorros e


crianças que vivem nesse conjunto. E no vão da


escada, fede ainda mais.


Meus pais ficavam furiosos, diziam que era culpa


dos filhos dos proletários, que eram eles que sujavam


as escadas. Mas não era culpa dos filhos dos


proletários. Aprendi isso na primeira vez quando,


brincando lá fora, tive, de repente, vontade de ir ao


banheiro. O tempo de esperar o elevador e de chegar


ao décimo primeiro andar já me tinha feito mijar nas


calças. Meu pai me bateu. Depois de três ou quatro


experiências do mesmo gênero - não subir a tempo e


receber uma bofetada -, fiz como os outros: procurei


um cantinho discreto para me agachar. Mas, como dos


prédios se enxerga praticamente tudo, o lugar mais


seguro ainda era a escada.


As crianças do conjunto me consideravam uma


pequena retardada: não tinha os mesmos brinquedos


que elas, nem a mesma pistola de água. Eu me vestia


e falava de outra forma e não conhecia as suas


brincadeiras. Eu também não gostava delas.


No meu vilarejo íamos sempre de bicicleta ao


bosque, até um riacho que passava sob uma pequenaponte. Aí se construíam castelos e barragens de água.

Eu, Christiane F. Drogada e ProstituídaOnde histórias criam vida. Descubra agora