Capítulo 5

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Todas as noites perguntava, com muito jeito, ao
meu pai se ele iria sair. Ele saía sempre, e nós, as três
mulheres, respirávamos aliviadas. Essas noites eram
maravilhosamente tranqüilas é verdade que, quando ele voltava, aconteciam coisas que estragavam tudo.

Na maioria das vezes, ele voltava bêbado, qualquer
pretexto, brinquedos ou roupa fora do lugar, motivava
uma explosão. Uma das expressões favoritas de meu
pai era que o importante na vida é ter ordem.
E se, voltando bem no meio da noite, ele pusesse na cabeça
que as minhas coisas estavam em desordem, tirava-me da cama e me dava uma surra. E depois era a vez
de minha irmãzinha, em seguida, jogava tudo no chão e nos dava cinco minutos para arrumar tudo de forma impecável.

Em geral não conseguíamos fazê-lo a tempo, e chovia nova pancadaria.
Na maior parte das vezes minha mãe assistia à cena de pé, na entrada do quarto, chorando. Era raro
ela tomar nossa defesa, pois ele batia nela também.
Só Ajax, meu cão, intervinha, às vezes. Começava a gemer, com um olhar cheio de tristeza. Era ele que
melhor sabia colocar meu pai na linha porque, como
todos nós, gostava muito de cachorro. Podia acontecer de ele dar uma bronca em Ajax, mas nunca bateu nele.

Apesar de tudo isso, amo e respeito meu pai. Eu o acho muito superior aos outros, tenho medo dele, mas, somando tudo, seu comportamento parece normal.

As outras crianças do conjunto Gropius não tinham melhor sorte... Elas tinham cada pai e mãe canalhas! Encontrávamos alguns pais caídos bêbados no meio da rua ou no terreno em que brincávamos.

Meu pai nunca bebia até este ponto. Às vezes assistíamos ao espetáculo de móveis voando pela janela e espatifando-se na rua, as mulheres gritando por socorro e alguém chamando a polícia. No nosso
bairro, isso não era assim tão grave.
Meu pai estava sempre dando broncas em minha mãe por ela gastar muito, quando, na verdade, era ela
que nos sustentava.
Às vezes ela respondia; dizia-lhe
que nas bebedeiras, nas farras com as mulheres e nos gastos que ele tinha com o carro é que ia a maior
parte do dinheiro. E vinha nova pancadaria.
O carro, um Porsche, era a coisa que meu pai
mais amava no mundo. Ele lhe dava brilho todos os
dias. Acho que era o único Porsche do conjunto
Gropius, em todo caso, eu não via nenhum desempregado passeando em um Porsche.

Naquela época, naturalmente, eu não compreendia nada do que acontecia com meu pai, a razão de suas repetidas crises.
Somente mais tarde,
quando comecei a conversar mais com minha mãe, comecei a sacar um pouco do que se passava.
Simplesmente ele não tinha uma vida que correspon- desse ao seu nível! A ambição o devorava, e ele sempre fracassava. Seu pai o desprezava por causa disso.

Vovô, antes do casamento, havia feito uma advertência a mamãe por causa disso. Para ele, seu filho não passava de um malandro. Na verdade, meu
avô depositava em meu pai grandes esperanças: meu
pai deveria restaurar o antigo resplendor familiar de
antes da expropriação.
Se ele não tivesse encontrado minha mãe, talvez
fosse hoje um fazendeiro (quando se conheceram ele
estava se preparando para isso) e teria tido uma
verdadeira criação de dogue alemão. Mas minha mãe
ficou grávida, e ele, então, parou de estudar e casou-
se com ela. Depois disso pôs na cabeça que minha
mãe e eu, que estava no ventre de mamãe quando se
casaram, éramos as responsáveis pelo seu
fracasso.

Eu, Christiane F. Drogada e ProstituídaOnde histórias criam vida. Descubra agora