Capítulo 3: Desaparecidos

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   Após aquele terrível pesadelo que tive em sala de aula, resolvi escrever um livro amador e o publiquei, fazendo com que muitos ao meu redor achassem interessante. Quem diria que aquele garoto solitário e zoado na escola o tempo todo por pessoas antipáticas, acabaria se tornando grandemente popular através de um simples livro. Muitos passaram a conversar comigo desde então, perguntando de onde tinha tirado aquela brilhante ideia de escrever uma obra tão magnífica que prendia a atenção e respiração de todos que liam e achavam fantástica; claro que eu não contei sobre o recente pesadelo, eu inventei que teria tirado da minha própria imaginação. 2 semanas haviam se passado, e sempre no caminho até a escola ou de volta para casa eu passava em frente ao mesmo bêco de sempre do qual sonhei, mas nunca ousava entrar ali de novo. Não sei explicar o por quê, mas sempre que passava em frente ao mesmo local e parava para observá-lo, sentia um pouco de arrepio, e tudo isso por causa daquele maldito sonho.
Certo dia saindo da escola às 11:20 da manhã e conversando com Steven como de costume, ele me contou uma coisa que por coincidência aconteceu no meu pesadelo:
- Cara, você teve muita sorte! - disse Steven, como se sentisse alívio por algo enquanto caminhávamos ao ar livre.
- "Sorte" por quê? - perguntei olhando-o de lado.
- Naquele dia que a gente ia saindo da escola e depois nos despedimos, você foi pra casa, mas não passou por aquele bêco fedorento; foi muita sorte, pois a turma do Mike estava te esperando lá para te dar uma surra. Escutei eles falando que você não passou por lá como de costume e eles ficaram horas te esperando à toa! - disse Steven tirando sarro deles. Ao escutar aquilo, achei que fosse apenas mera coincidência. Logo mais a alguns metros à frente, Steven pegou uma carona com seu pai que veio buscá-lo. Estava em um carro Sport vermelho, novinho; ao entrar no carro que ainda estava ligado, Steven colocou sua cabeça para fora da janela com o braço apoiado na porta, logo em seguida olhou para mim com um breve sorriso:
- E aí, Jake, entra aí! Meu pai vai te levar em casa!
Olhei para Steven e recusando a nobre gentileza, respondi:
- Ah, não precisa. Eu irei a pé mesmo e pegarei o atalho hoje, mas agradeço a oferta. Quem sabe na próxima! - disse aquilo por que queria dar uma olhada novamente naquele bêco, investigar mais a fundo e tirar minha maldita dúvida.
- Tem certeza? - insistiu.
- Tenho sim, cara!
- Tudo bem. A gente se vê por aí depois, então! - disse ele colocando a cabeça de volta dentro do carro.
O pai de Steven, Sr. Gabriel, que tinha a aparência de aproximadamente uns 45 anos de idade, mais ou menos; estava de óculos escuro e terno cinza. Olhou pra mim ao tirar seus óculos, para que pudesse ver melhor: - Ei, eu li o seu livro e confesso que gostei muito! Parabéns, Jake!
- Obrigado Sr. Gabriel! - agradeci pelo elogio.
- E olha que meu pai detesta
histórias de terror! - complementou Steven.
- Quem disse? pois fique sabendo que eu sou completamente apaixonado pelo Sobrenatural! - respondeu seu pai, olhando-o com cara de quem não aceitava ser contestado e deixando seu sorriso esvair-se. Steven deu uma pequena risada ao ouvir seu pai dizer aquilo:
- Ainda bem que "Sobrenatural" não é uma mulher, por que se minha mãe ouvisse o senhor dizer isso com ela por perto, com certeza hoje não dormiria dentro de casa.
- Deixa de dizer bobagens, garoto, e vamos embora! Não quero gastar gasolina à toa com o carro ligado! - respondeu o pai dele ajeitando sua gravata com a mão esquerda e a direita segurando o volante, enquanto Steven ria. - Sua mãe também adora os clássicos do grande e renomado Stephen King. Aliás, foi ela quem me fez gostar do gênero terror.
- Tá bom, pai, a gente já entendeu! Temos que alimentar o Chester ao chegar em casa. Tenho certeza de que a essas horas o pobrezinho deve estar faminto.
Chester era o cachorro de raça Pitbull da família de Steven. Eles o adotaram quando ainda era um filhote, há cerca de 4 anos atrás. O irmão do Sr. Gabriel, que havia servido o exército desde a sua adolescência, treinou severamente o cão para que ele fosse obediente e protegesse a casa.
- Você e esse cachorro são duas figuras. - comentou Gabriel.
Steven olhou para mim enquanto o carro se distanciava e gritou um pouco alto, pois o barulho do carro ligado interrompia sua voz:
- Tchau, cara!
Olhei para o carro que já começara a se distanciar e acenei com a mão em um gesto de despedida. Depois que o carro virou a esquina, sumindo de minha vista, continuei a andar pela calçada, rumo ao meu destino desejado. Tirei do bolso meu aparelho mp3, conectei o fone e o coloquei nos ouvidos; pressionei o pequeno botão para ligar o aparelho e começou a tocar a música "Till We Die" da banda "Slipknot". Empurrei o aparelho no bolso e fiquei escutando enquanto caminhava pensativo ao ar livre. Após caminhar um bocado, cheguei em frente ao bêco e parei enquanto ouvia a voz do vocalista "Corey Taylor" cantando "Till We Die", acompanhada dos riffs de guitarra. De longe avistei a mesma caçamba de lixo do sonho que tive e me aproximei com o olhar fixo ao objeto.
Bem de perto vi que a tampa estava aberta, então parei e fiquei feito uma estátua.
Passei um tempo olhando fixamente para a caçamba de lixo enquanto escutava os riffs de guitarra no volume máximo. De repente, enquanto a música tocava como se fossem duas enormes caixas de som estrondando perto dos meus ouvidos, comecei a me lembrar das cenas assustadoras que tive naquele pesadelo. Lembrei da garotinha de pele pálida, escorrendo sangue preto de seus olhos e boca... Da velhinha estranha... Daquele homem de olhos amarelos e terno preto, com aqueles cabelos penteado para trás, cheio de excesso de gel. E também lembrava da garota chamada Sarah... morta; deitada em uma enorme poça de sangue no chão... Lembrava também das minhas mãos tremendo descontroladamente, cortadas pela velha espada enferrujada que Sarah havia usado para tentar me matar, escorrendo meu próprio sangue... Olhava para minhas mãos e me aliviava por não ter nenhuma cicatriz.
Mas essas cenas terríveis penetravam na minha cabeça como se eu estivesse vivendo tudo aquilo de novo, mesmo que tivesse sido apenas um pesadelo.
Depois de um curto tempo a música acabou e eu tirei os fones, sem desviar o olhar daquele objeto que me levou para tal lugar macabro e obscuro. Repentinamente, senti uma mão pousar em meu ombro esquerdo, pude sentir que estava com luvas e me virei rapidamente apavorado, sem esperar o que poderia acontecer a partir dali.
- Ah, desculpe garoto, não queria assustá-lo... Só vim recolher todo esse lixo. - se desculpou um homem, vestido com um macacão laranja, boné e luvas, logo percebi que ele era da equipe da prefeitura que recolhia todo o lixo da cidade. Olhei para a entrada estreita do bêco de onde eu tinha vindo e vi o caminhão do lixo parado; o susto logo passou e eu novamente senti aquele alívio. Imediatamente me mandei dali e deixei que a equipe de homens da prefeitura fizessem seu trabalho.
Ao chegar em casa, abri a porta e entrei totalmente exausto e desgastado, tanto mentalmente como fisicamente. Passei pela porta e vi meus pais sentados no sofá da sala. - Ah Jake, que bom que você chegou! - disse minha mãe, levantando-se.
- O que houve? - perguntei.
Meus pais se entreolharam, como se quisessem me contar alguma coisa. E pelos seus olhares parecia ser algo bom. Era o mínimo que eu merecia depois de um dia tão frustrante.
- Tem um homem que telefonou pra gente a alguns minutos e ele quer muito falar com você. É a respeito do seu livro. Ele nos disse ter uma proposta irrecusável! Nós estamos aguardando, deve estar chegando a qualquer momento! - disse meu pai, animado e olhando em seu relógio de pulso.
- Sério? E quem é? - perguntei, entusiasmado.
- Ele disse que trabalhava numa editora muito famosa e conhecida por todo o Canadá.
Ao ouvir aquilo fiquei bastante contente e subi pro meu quarto rapidamente para trocar de roupa. Logo ao terminar, desci as escadas até a sala. Estávamos aguardando ansiosos no sofá, e num curto prazo de tempo escutei a maçaneta da porta girar. Quando a porta se abriu, vi um homem de terno preto e cabelos com um toque exagerado de gel. Aquilo me parecia muito familiar, mas não visualizei seu rosto muito bem, pois estava de costas enquanto fechava a porta.
Quando se virou e pude enfim ver o seu rosto, era uma pessoa inesperada, da qual eu nunca imaginaria que poderia vê-lo outra vez na minha vida... Uma pessoa que teve o poder de levar embora toda a minha alegria e a substituir por "medo". Sim, era o maldito homem de olhos amarelos do sonho que tive naquela manhã. Suas características não mudavam nada; a única coisa que ainda estava diferente era a cor de seus olhos... Eram castanhos-escuro, em vez de amarelos.
- Bom dia, meus amigos! Não sabem o quão satisfatório é estar aqui com essa maravilhosa família. - cumprimentou ele, com um falso sorriso em seu rosto. Meus pais se levantaram juntos do sofá e também o cumprimentaram, apertando sua mão.
- Que bom que o senhor veio, Sr... eerr... - disse minha mãe.
- Octávio! Pode me chamar de Sr. Octávio, com o "C" mudo, por favor! - completou o homem estranho, respondendo com o mesmo sorriso falso.
- Ok, Sr. Octávio. Me chamo Karen, esse é meu marido, Jonas, e esse é o meu filho, Jake! - O homem estranho dirigiu o olhar para mim, e eu retribuí encarando-o.
- Olá, Jake! era justamente sobre você que eu vim falar. Você e seu livro, claro! - disse ele, ainda com aquele irritante sorriso estampado em sua cara, que só eu percebia suas intenções maléficas escondidas.
- Por favor, sente-se e fique a vontade; a casa é sua! - disse meu pai incentivando-o a se sentar no nosso sofá. Naquele exato momento eu resolvi ficar calado e não contei nada sobre o sonho que tive e nem sobre aquele homem pros meus pais, porque com certeza eles não iriam acreditar em nenhuma palavra que eu dissesse. Quem acreditaria em um adolescente rebelde que por qualquer coisa já é motivo de "exagero"?; isso é o que os adultos pensam de nós. Ao se sentarem todos no sofá, o homem estranho que dizia se chamar de "Octávio", foi direto ao ponto:
- E então, jovem Jake, eu sou dono de uma editora muito famosa. E não contrato qualquer um, mas depois que eu li seu livro, me chamou bastante a atenção e por isso resolvi vir até aqui te dar uma grande oportunidade de trabalhar na minha editora. Se aceitar, ficará bastante conhecido e famoso não só em sua cidade, como também em todo o país, e até mesmo fora dele. Sem contar que seu salário será bem alto. O suficiente para investir em sua carreira e progredir cada vez mais na vida.
Escutava toda a ladainha que ele me dizia, mas senti que aquele homem estava tramando alguma coisa e com certeza não era nada bom, apenas o olhei e respondi sorrindo, fingindo estar contente com a oferta: - Ok, será que o senhor pode me dar um tempo pra pensar melhor? - Meus pais logo me olharam com aquela cara de "tá louco? Vai desperdiçar uma oportunidade dessas?", mas eles não disseram nada além de:
- Por quê não aceita, filho? é uma grande oportunidade pra você que sempre sonhou em ser um grande escritor. Sem contar que você já tem idade de arrumar um emprego. Não é isso o que você sempre quis?
Na verdade eles tinham razão, a proposta era realmente muito boa e não apareceria assim da noite pro dia, por isso mesmo me veio a grande desconfiança. Eu estava com um pouco de medo e com receio de que aquele homem não tinha editora nenhuma, e queria fazer alguma coisa ruim comigo e com a minha família, nos iludindo com suas mentiras descaradas.
- Eu sei... Preciso de um tempo, é só isso. - suspirei.
- Você tem certeza? - insistiu o homem.
- Aham, tenho sim.
Ele arqueou as sombrancelhas e disse haver entendido. Minha mãe o ofereceu café ou suco, mas recusou os dois.
- Com licença, Jake! poderia fazer o favor de me trazer somente um copo d' água antes de eu ir embora? - pediu o homem estranho. Olhei para ele e em sequência pros meus pais enquanto conversavam, daí me virei e fui até a cozinha buscar o copo d'água. Por algum motivo ou apenas impressão minha, ele lançou-me um olhar fixo e maligno enquanto me retirava da sala.
Na cozinha, enquanto enchia um copo de vidro com água da torneira, olhei para a pequena e fraca correnteza de água escorrendo e rodeando furiosamente no interior do copo e comecei a refletir sobre aquele pesadelo. Relembrei todas as cenas ruins, e senti um mal-pressentimento. Sem me dar conta, havia fechado os olhos; pude então escutar claramente uma voz bem familiar falando, quase cochichando. Parecia até que estava dentro de minha mente: - Jakeeee... Você não deveria ter deixado seus pais sozinhos! Volte para lá! he, he, he, he...
Percebi que era a voz daquele homem estranho na nossa sala de estar, e que também esteve no meu sonho, era como se ele tivesse se comunicado comigo por telepatia. Não tinha como explicar...
- Jakeeee!! - disse a voz, ainda falando baixo na minha cabeça, e foi nessa hora que abri meus olhos bruscamente. De repente derrubei o copo de vidro no chão, fazendo-o quebrar com o forte impacto da queda e derramando toda a água, olhei pela vidraça da janela na cozinha e o lindo céu azul com nuvens brancas, parecendo algodões, começou a escurecer, deixando-o obscuro e assustador igual ao sonho. A rua inteira escureceu, dando um toque bizarro no cenário através da janela, corri rapidamente e em completo desespero até a sala.
- Mãee!! Paai!! - gritei enquanto corria, mas chegando lá já era tarde demais. Nem aquele homem e nem meus pais estavam sentados no sofá. Eles haviam desaparecido. Notei que minha casa estava com as paredes um pouco rachadas e suas estruturas em péssimo estado de construção, como se tivesse sido abandonada há anos; sem contar com a escuridão que aplicava um pequeno toque de terror em tudo aquilo... Percebi que não estava mais no mesmo mundo que conhecia tão bem, e sim naquele mesmo universo obscuro, só que dessa vez não parecia ser um sonho bobo, me toquei de que todo aquele pesadelo que tive na escola nunca foi realmente um sonho, e sim real, ou talvez uma premonição. Só uma cena das coisas ruins que ainda iriam me acontecer. Ao me deparar com aquela cena, ajoelhei-me no chão e comecei a chorar sem saber o que fazer, e não acreditei que tudo aquilo estava acontecendo de novo. Gritei alto como uma sirene alarmante, enquanto chorava de tristeza, sem saber onde poderiam estar os meus pais. Bati na minha cabeça bem forte várias vezes, soquei o chão para aliviar a raiva, mas nada adiantava. Me senti culpado por tê-los deixado sozinhos na sala com aquele homem. Não deveria ter feito aquilo.
- Acorda... acorda, acordaa!!! Isso não é real, só pode ser um pesadelo! Me diz que nada disso é real!
Percebi ali que estava sozinho em um mundo desconhecido, tudo por causa daquele maldito homem de olhos amarelos. O sentimento de raiva, medo e tristeza, tudo isso ao mesmo tempo tomaram conta do meu ser. A raiva era daquele maldito homem, a tristeza era por não saber onde estavam meus pais e o medo era por estar naquele lugar macabro e de nunca conseguir encontrá-los... Tudo isso me fez perceber que aquele pesadelo foi mesmo real, para minha triste desgraça. O único objetivo que eu tinha era de encontrar o quanto antes meus pais e sair daquele lugar pra nunca mais voltar. De qualquer jeito, e a qualquer custo...

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