Caminhando vagarosamente com as minhas pernas exaustas, subi degrau por degrau da escada empoeirada. Cheguei à parte superior da casa, e avistando uma porta estranha com a maçaneta enferrujada, me aproximei dela e a girei, causando um estalo na pequena engrenagem interior da fechadura. Logo acabei entrando em uma biblioteca repleta de livros velhos e empoeirados, materiais de escritório e um armário que parecia ter sido devorado pelo tempo. Olhei para o chão e avistei uma garrafa de champanhe quebrada, com seu rótulo tão apagado que era até impossível definir sua marca e o ano. Talvez tivesse sido aquele mesmo objeto que eu o ouvi cair, mas tenho certeza de que a garrafa não rolaria da mesa e se espatifaria no chão sozinha... Algo ou alguém a havia derrubado. Observei na minha frente um velho armário a alguns centímetros de distância e me preparei para atacar qualquer coisa que se mexesse ou saltasse dali de dentro; pois se houvesse alguém naquela casa além de mim, só poderia ter se escondido dentro daquele antigo armário. Aproximei-me para perto bem devagar com passos lentos e silenciosos, temendo o movimento brusco da porta se abrindo. Em minha testa descia o suor do clima de tensão, se juntando com o silêncio ensurdecedor que deixava tudo ainda mais tenso. Estendi minha mão esquerda em direção ao armário bem devagarinho; respirei fundo e então decidi de vez abrir a porta velozmente, sem pensar duas vezes. Mas tive uma surpresa ao abrir. Não era nenhum monstro ou pessoa de pele pálida... Era uma garota:
– Não!! Não me mate, por favor!! – implorou ela, em completo ataque de pânico com seus olhos fechados; achando que de alguma maneira eu fosse machucá-la. Por sua aparência ela parecia ter mais ou menos a minha idade. Seus cabelos eram pretos e suas roupas eram mais modernas; ela estava escondida dentro do armário. Até por um determinado momento pensei que ela fosse uma daquelas pessoas de olhos estranhos, se é que deveria chamá-las de pessoas. Mas olhando bem, não tinha olhos negros e nem pele pálida como aquela idosa e a sua suposta netinha das quais eu as tinha visto na rua.
– Ei, calma! eu não vou te machucar, fica calma! – pedi, baixando a guarda. Ao olhar para mim, ela respondeu meio que gaguejando e atropelando as palavras. Chorando desesperada, me deu um forte abraço daqueles como se nos conhecêssemos há muito tempo. – Graças a Deus!! achei que não encontraria alguém por aqui que pudesse me ajudar! Eu não sei como vim parar aqui... Entrei em um elevador da empresa onde meu pai trabalha para visitá-lo em seu escritório, mas o elevador deu defeito e parou de funcionar simplesmente do nada. Quando as portas se abriram eu estava nesse lugar horrendo! Então tentei ligar pra ele, mas meu celular não funciona nesse lugar, e isso é muito estranho!
Coloquei ambas as mãos em seus ombros para tranquilizá-la. – Calma, respira fundo e tenta se acalmar.
– Que bom que você apareceu, eu estava com muito medo!
– Respira!.. Tá melhor?
– Sim... – Respondeu ela, engolindo o choro.
– Ótimo, agora me conta tudo mais devagar. Por acaso você estava fugindo de algo para ter vindo parar dentro desse armário, ou apenas se escondeu por pensar que eu fosse um deles? – e foi neste exato momento que ela me olhou surpresa, sem entender o que eu estava falando.
– Como assim, um deles?
– Ué? daquela senhora e da garotinha que vi na rua.
– Não cheguei a vê-las, pois quando saí do elevador já estava aqui dentro desta casa...
– Ah, entendo. – respondi. – Infelizmente tive o cruel azar de cruzar com essas duas figuras sinistras do lado de fora desse casarão. Mas acho que consegui despistá-las.
– E como elas eram? – perguntou a menina, limpando as lágrimas de seus olhos.
– Prefiro nem contar. Aquilo foi traumatizante demais; parecia muito que eu tava em um filme de terror.
– Tudo bem. Imagino o quão horroroso deve ter sido... – comentou ela, deslizando-se na parede atrás de suas costas e sentando no chão frio.
Mesmo estando em uma situação crítica e confusa como aquela, vi um brilho naquele olhar que me deixou abismadamente encantado. Aquela garota era de fato a pessoa mais linda que eu já havia visto na vida. Eu me apoiei na mesa e permanecemos num clima silencioso por alguns segundos; mas logo esse clima foi quebrado após vê-la se afundar em lágrimas. Mas seu choro dessa vez não era acompanhado de soluços e inquietude. Era um choro silencioso acompanhado de pensamentos e dor no interior de sua alma, que só ela podia sentir e saber como é. Me aproximei para enxugar as lágrimas que escorriam de seus belos olhos castanhos-claro com o meu polegar; e percebi isso ao estar mais próximo dela, literalmente. Consegui acalmá-la, mas tentando ao máximo esconder o pavor que também sentia por estar naquele lugar, pois eu também estava com medo, não só ela. Mas também não queria demonstrar o meu medo para não deixá-la mais tensa do que já estava. Me sentei ao lado dela no canto da parede com uma distância de um braço, perto de uma grande estante de livros.
– Como você chegou aqui? – perguntou ela, virando um pouco seu rosto para mim ainda com um olhar melancólico.
– Bom... comigo foi diferente do que aconteceu com você. Eu acabei me envolvendo em uma tremenda confusão com uns caras que gostavam de me zuar no colégio, aí eles em grupo conseguiram me apanhar e me jogaram dentro de uma imunda caçamba de lixo. Lembro que fiquei quase desacordado depois da surra. Quando voltei a si e saí lá de dentro, já estava nesse lugar estranho... Chega a ser engraçado que meu relógio tenha parado às 9:46 da manhã, e logo percebi que nada funciona por aqui; mas... Ouvi um telefone tocando lá na sala, quando atendi não havia ninguém do outro lado da linha. – respondi, desviando meu olhar do dela.
– Ah, o telefone? ele tocou quando eu entrei aqui também, antes de você aparecer... quando atendi ninguém disse sequer uma palavra.
– Bem, não sei que lugar é esse e muito menos como viemos parar aqui, mas quando eu encontrei aquela velhinha e a garotinha assustadora, ambas disseram a mesma coisa...
– O quê? – perguntou ela, curiosa.
– Que eu estava em Sete além ou algo parecido, mas não entendi absolutamente nada do que queriam me dizer.
– Você acha que ficaremos aqui pra sempre?... – indagou a menina, com lágrimas de pavor escorrendo de seus olhos. Eu mesmo sabendo que estava correndo risco de talvez nunca mais voltar para casa, simplesmente sorri forçadamente e respondi à sua pergunta:
– Não, não diga isso! Se a gente chegou aqui, de algum jeito deve ter uma saída. Mas se ficarmos parados no canto dessa parede não iremos sair nunca. Procure algo para usar como arma e vamos sair imediatamente daqui. – disse eu, um pouco nervoso após ouvir tais palavras vindas daqueles belos lábios rosados. A menina então a meu pedido, revirou as coisas dentro da biblioteca em cada gaveta, cada canto na esperança de achar algo para usar como arma, até que encontrou uma espada que parecia ser da era medieval, de tão velha e desgastada. Estava escondida no fundo de um baú embaixo de uma das mesas, só que um pouco enferrujada. Mas ainda estava perigosamente afiada e dava pra usar; não tinha armas melhores para defender-se além daquela espada. Qualquer coisa para usar como defesa viria a calhar. Era bem melhor do que andar com as mãos vazias em um lugar tão desconhecido, estranho e assustador como aquele. Enquanto revirávamos a sala de ponta à cabeça, a meiga garota parou por um certo momento, como se tivesse lembrado de dizer alguma coisa.
– Espera, você ainda não me disse seu nome. Como se chama?
– Ah, é verdade! Eu me chamo Jake. – respondi.
Ela me encarou por uns instantes antes de dizer mais alguma palavra, o que foi suficiente para que eu acanhasse e desviasse o olhar.
– Sou Sarah. – respondeu ela.
– Prazer em conhecê-la, Sarah...
Confesso que nunca fui bom em puxar assuntos aleatórios com garotas da minha escola, pois a timidez me atrapalhava em grande parte. E o sinal disso é que quando a linda menina me disse o seu nome e sorriu para mim, retribuí de volta, mas um tanto meio sem jeito. Quem sabe a gente não pudesse começar um romance clichê, se não estivéssemos presos naquele horrendo cenário. Com certeza não era o melhor ponto de encontro para se levar uma namorada. Vão por mim, seria bem melhor levar sua garota para um parque de diversões, cinema ou lanchonete. Qualquer ambiente seria mil vezes melhor do que estar aprisionado numa dimensão paralela da qual você nunca imaginaria que existisse. Estávamos focados no que deveria ser feito; dar um jeito de fugir dali em segurança. Nós saímos da biblioteca onde estávamos, deixando a mesma para trás e descemos a velha escadaria, causando rangidos a cada degrau pisado. E finalmente perto da porta por onde eu havia entrado, e que dava acesso ao lado de fora, paramos por uns segundos e eu fiz gesto de silêncio para Sarah, levando a lateral do indicador aos lábios.
– Agora, aconteça o que acontecer, não saia de perto de mim nem por um segundo, ok? – adverti, falando com o volume da voz um pouco baixo.
– Ok... – respondeu ela, escondendo-se atrás de mim.
Abri a porta e saímos, mas nenhum sinal da velhinha e da garotinha sinistra. Aproveitamos a oportunidade da barra estar limpa e começamos a nos deslocar para fora dali o mais rápido possível, antes que as criaturas amedrontadoras voltassem. Estávamos tentando achar uma saída, mas quanto mais a gente andava, mais tínhamos a sensação de estarmos perdidos.
– Esse lugar parece um bêco sem saída. – cochichei olhando para os lados, sem ter ideia nenhuma para onde seguir, e sinceramente também não fazia a mínima ideia por onde começar.
– O que faremos agora? –perguntou a garota, ao ficarmos parados sem rumo no meio da rua. Mas enquanto eu pensava em alguma solução para todo o problema, ouvimos uma voz vinda de um bêco escuro, mas não dava pra identificar quem era. Parecia mais a voz de um homem.
– Vejo que estão perdidos, meus jovens. Por acaso precisam de ajuda? – indagou a voz. Logo em seguida, saiu da escuridão o homem e dono daquela voz misteriosa. Ele vestia um terno preto e gravata-borboleta cinzenta; seus cabelos negros eram penteados para trás com um exagerado excesso de gel capilar. Trazia nas mãos uma bengala preta, usava luvas e seus olhos eram diferentes dos da garotinha e da velhinha que vi; em vez de negros, eram amarelos. Se aquilo fosse um filme de terror, diria que aquele tipo de homem sinistro seria o próprio diabo em carne e osso bem na nossa frente. O que já deixava a situação cabulosa, já que estávamos parados próximo a uma encruzilhada.
– Pare! não se aproxime da gente! – disse eu, pronto para defender a garota, caso ele tentasse algo contra nós.
– Calma, meu rapaz. Pra quê toda essa marra? sei que vocês vieram para cá por engano. Todos vêm... e notavelmente vocês estão sem entender nada, não é mesmo? – perguntou ele, com um sorriso amedrontador em seu rosto.
– É melhor você se mandar daqui, se não quiser que eu enfie esta barra de ferro na sua garganta. – ameaçei.
– Você é corajoso; gosto disso. Mas sua ira não o levará a lugar nenhum, então permitam-me explicar a real situação aqui. Vocês estão no meu mundo; em Sete além. O mesmo universo que o de vocês, só que mais apocalíptico, do jeitinho que eu gosto. E digamos que tudo ao seu redor é como um desenho sem cor... Tudo isso ocorreu por conta da maldade e hipocrisia dos seres humanos. Desde então tudo o que você conhecia foi extinto, e como castigo tiveram de permanecer nesta escuridão eterna. Devo avisá-los que nada mais funciona neste mundo, meu caro. Nem relógios, carros, televisões, lojas; Nada!
– Isso explica muita coisa... – respondi, um pouco surpreso. – Se nada por aqui funciona, então por quê eu ouvi o telefone da casa tocar?
– Aquilo, digamos que foi apenas uma pequena travessura minha. – ao dizer isso, riu de forma irritante. – Muitos dos que caem aqui por engano nunca mais conseguem encontrar a saída e acabam ficando presos aqui para todo o sempre. Com o tempo acabam se tranformando nessas criaturas de olhos negros. Lamento ter que vos dizer isto, mas vocês também irão ter o mesmo destino que eles!
– Não!! Não!! Quero sair daqui, por favor!! – implorou a garota, já perdendo o último vestígio de sanidade em sua mente.
– Fica calma, a gente vai dar um jeito! não ligue pra ele, está mentindo!...
– Não! Ele não está...
– Está sim! – insisti, na falha tentativa de acalmá-la. O homem de terno preto começou a rir friamente do nosso drama, e disse: – Ah, não mesmo! Assim você acaba me ofendendo com essas palavras bobas, chamando-me de mentiroso. Não a encha de esperanças, garoto; e nem a si mesmo. Estão presos aqui e não tem mais como voltar. "Maas..." posso levá-los de volta para o vosso mundo miserável. Porém, vocês já devem saber que pra tudo tem um certo preço a se pagar.
– Pois então nos diga... o que quer que a gente faça? – perguntei, disposto a fazer qualquer coisa para sair daquele lugar e voltar pra casa.
– Vejam bem, eu só levarei um de vocês para seu mundo. A única condição é a de que terão de se enfrentar com as armas que estão segurando. O outro que perder, terá de ficar preso aqui comigo! É isso, ou se preferirem, os dois podem ficar e nunca mais sairão daqui. Mas como sou fantasticamente generoso, deixarei vocês decidirem. Lutarão um contra o outro até a morte, ou desejam ficar ambos presos aqui? A escolha é de vocês.
– Você é um louco, cara, isso sim! Não iremos nos enfrentar! – ironicamente após eu dizer isso, de forma inesperada, Sarah pulou em cima de mim, me derrubando no chão. Tentava me aniquilar sem nenhum ressentimento com a espada que empunhava em suas duas mãos, mas eu segurei na ponta da lâmina que estava apontada para o meu peito o mais firme possível. – Sarah! O que deu em você ?? – perguntei, magoado e sem entender por que ela fazia aquilo. A garota me olhou com um olhar perdido e desesperado, como se estivesse ficando louca e falou num tom de voz como uma verdadeira sociopata: – Desculpe, Jake, mas eu quero sair daqui; e se pra isso precisar matar você, eu matarei!!
– Não! Você não precisa fazer isso. Eu sei que deve haver outro jeito! – implorei.
– Não tem outro jeito Jake, eu preciso fazer isso!
Minhas mãos estavam sangrando ao segurar a velha e luminosa lâmina da espada com toda a força depositada em meus braços para que não penetrasse meu coração. A dor ao descobrir que aquela garota não dava a mínima para mim ou para minha vida, já era o bastante para feri-lo. Minhas mãos estavam ardendo e já não aguentavam mais tanto esforço. Depois de passarmos um tempo medindo forças, tentei direcionar a ponta da espada para a minha face e recuei rapidamente minha cabeça para o lado esquerdo. A pesada lâmina passou cortando de raspão em meu rosto, e antes que Sarah tentasse mais alguma coisa, peguei nos seus ombros com as mãos ensanguentadas e a derrubei para o lado direito, fazendo com que ela batesse a cabeça em uma pedra próxima. No mesmo instante se debatia enquanto agonizava. Consequentemente morreu de forma terrível, por causa do forte impacto. Eu logo me levantei e minhas mãos estavam a tremer... o sangue em minhas mãos pingava no chão, como uma torneira mal fechada. Eu fiquei totalmente paralisado ao ver Sarah morta no chão, com seus olhos abertos e todo aquele sangue escorrendo aos meus pés.
– Muito bem, garoto! achei que não teria coragem. Mas não foi tão difícil assim, foi? – disse o homem de olhos amarelos, colocando a mão direita sobre meu ombro.
– Eu... Eu... não queria fazer isso, foi sem... querer! – havia ficado sem palavras naquele momento, pois Sarah morreu por minha culpa. Eu carregava a culpa por tê-la matado...
– Você não teve culpa, rapaz. Ela não se importava com você; só queria sair daqui a qualquer preço. Se importava somente com ela mesma, e lembre-se que ela tentou matá-lo primeiro.
– Mas ela fez isso porque você a pressionou!! – contestei, enfurecido com lágrimas nos olhos. Me virei disposto a acertá-lo com um soco, mas o desgraçado havia sumido sem explicação alguma. Pude escutar apenas sua voz dizendo: – Aquilo foi o teste, garoto. Queria ver qual dos dois se recusaria a aceitar matarem um ao outro, e como você é o mais perspicaz, recusou. Mas ela foi a única que aceitou os falsos termos e tentou matá-lo, sem demonstrar nenhuma empatia ou misericórdia. Agora você poderá voltar para a realidade do seu mundo... – e aquelas foram as últimas palavras que ouvi do estranho homem metido a Jig Saw, pois a escuridão ficou ainda mais intensa e já não dava pra enxergar; mas escutei outra voz familiar que parecia ser a do meu professor de Filosofia ao fundo: – Jake, acorda!... Jake!! – assustado, abri os olhos, levantando da cadeira e a derrubando violentamente no chão. – Me deixa em paz! – gritei.
Quando me dei conta, estava na sala de aula; todos me olhavam e riam da minha reação inesperada.
– Que tom ousado da sua parte, não acha, garoto? Quer parar na direção da escola e pedirem para chamar os seus pais aqui?
– Eu... – tentei dizer algo, mas havia perdido a fala.
– Vamos, não perca tempo e faça logo o que eu pedi! aqui não é lugar para ficar dormindo! – reclamou o professor.
– Perdão, não foi intencional...
– Ah, não? Deixe de bancar o palhaço da turma e preste atenção no quadro!
Levantei ligeiramente a cadeira do chão e abri o livro.
– Perdão professor, mas o que era pra fazer mesmo?
Todos ali riram.
– Vejo que anda mais lerdo do que de costume, não é mesmo "Sr. Marllow"? Eu pedi para que todos, inclusive você, abrissem o livro na página 47 e lessem o parágrafo 5. Mas pelo visto estava dormindo tão profundamente que nem sequer me ouviu! – ele pôs as mãos em cima da minha mesa, lançando um olhar de indignação.
– Desculpa mesmo professor, não vai mais acontecer. Não há necessidade de chamarem meus pais, não quero problema com eles...
– Problema é só o que você está conseguindo arrumar ultimamente, jovem!
Estranhamente, vi os olhos do professor Wash mudarem de cor, partindo de castanhos-escuro para pretos. De sua boca escorreu um líquido da mesma cor dos olhos, caindo na página do livro. Incrédulo, esfreguei os olhos e pra minha surpresa ele estava em seu estado normal de sempre.
– Algum problema, Marllow? – perguntou, preocupado.
– Hã? Não, senhor... Tá tudo bem!
– Assim espero. Vou perdoá-lo desta vez. Só peço para que preste um pouco mais de atenção na aula, ok? – advertiu, virando-se e indo em direção ao quadro negro para dar continuidade à sua aula.
– Sim, professor...
Steven, que estava perto de mim, queria saber o motivo da minha inesperada reação, então esperou que o Sr. Wash se distanciasse para puxar conversa e tentar descobrir o que estava havendo comigo, mas sem que o professor nos ouvisse: – Nossa cara, que grito foi aquele?
– Aah, tive um pesadelo horrível... – disse eu, esfregando os olhos.
– Imagino o quão horrível foi esse pesadelo, pra você ter agido desse jeito, realmente não parece ter sido tão bom. Quase tive um infarto! você disse: "Me deixa em paz!" do nada.
– Pois é, mas ainda bem que foi só um sonho...
– Claro. Tenta relaxar aí, irmãozinho! Você anda muito tenso ultimamente. – disse Steven rindo.
– Vou tentar. Talvez sejam só os problemas da vida me atormentando...
– Pois é, meu amigo. A vida não tá fácil pra ninguém, em todos os sentidos possíveis.
Segundos após nossa breve prosa, o sinal finalmente tocou e eu saí da sala ainda conversando com o Steven. No portão de saída, ele foi para um lado e eu para o outro, e não sei porque, mas parecia que a mesma situação estava a se repetir novamente; Uma espécie de déjà-vu, talvez? Não faço a mínima ideia do que possa ter sido aquela sensação. Ao chegar em frente ao traumatizante bêco igualzinho ao do meu sonho perturbador, avistei ao longe os caras encrenqueiros que já estavam a me esperar, mas por sorte eles não me viram, porque me escondi atrás da parede, e de jeito nenhum eu entraria lá. Já sabia as consequências que viriam a surgir. Então resolvi pegar o caminho mais longo para chegar em casa, mesmo que exausto. Fiquei pensando um pouco sobre o estranho pesadelo que tive naquela manhã. Parecia ter sido um tipo de premonição de algo que ainda iria acontecer, mas me perguntei se teria ocorrido exatamente a mesma coisa se eu tivesse entrado ali e eles tivessem me jogado no lixo durante toda a confusão.
Será que eu teria ido parar naquele lugar mesmo? Isso eu não pude descobrir; resolvi não arriscar, mas parecia fantasioso demais para uma coisa como aquela acontecer no mundo real. Provavelmente ler e escrever demais estava afetando meu cérebro. Tive que me manter distante daquele bêco por um tempo, pelo menos pra tentar esquecer um pouco de tudo aquilo. 1 semana depois resolvi escrever um livro, sem esperar que fizesse tanto sucesso nas redondezas. Acabou que muitas pessoas acharam minha obra interessante de se ler. E foi através daquele livro que deixei de ser zuado na escola, e muitos que me odiavam passaram a ter prosas comigo e me respeitavam. Estava começando a realizar meu sonho de ser um escritor renomado, e óbvio que meus pais estavam muito orgulhosos de mim. Acho que após a fama todos começam a respeitar você, e a popularidade acaba falando mais alto do que a humildade em seu coração. As pessoas infelizmente pensam assim, e isso contamina o nosso ego...
Mas será que aquilo tudo realmente foi apenas um sonho? Ou deveras foi uma viagem para outro universo?... Será que aquele sonho intrigante foi um aviso para que eu não passasse mais por aquele bêco sujo durante meu trajeto, pois poderia acontecer a mesma coisa no sonho, só que real? Muitas dúvidas e teorias começavam a surgir em minha cabeça. Perguntas que com toda certeza nunca teriam respostas. Bem, eu ao menos deixei de ser zuado na escola e os malas-sem alça do recreio que tanto implicavam comigo, me deixaram em paz; passando a admirar o meu trabalho. Mas mesmo que eu tentasse de todas as maneiras possíveis, não consegui esquecer aquele pesadelo horripilante...
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Sete Além
Horreur[🏆 Vencedor do concurso "The Best 2020", ficando em 2º lugar na categoria "Terror" 🏆] Aos seus 17 anos de idade, um jovem estudante chamado Jake Marlow, leva uma vida muito difícil em meio à sociedade contemporânea, tendo que lidar com o Bullyi...