Capítulo 5 - Voltar

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Estávamos voltando ao esconderijo, dessa vez caminhando em direção contrária à correnteza. Tínhamos o rio brilhando e refletindo o céu noturno à nossa esquerda, do outro lado a cidade reluzia com luminárias de várias formas, tamanhos e pequenas chamas internas, foi então que eu realmente comecei a reparar os detalhes daquele lugar. Haviam muitos vagalumes voando por todos os cantos, pequenas casas em árvores e também grandes casas no solo, algumas cachoeiras surgindo magicamente das paredes, caindo em uma parte do rio que entrava na cidade e percorria por todos os lados em uma fina linha dentre a cidade, pontes para fazer caminho e permitir que as fadas que caminhavam pudessem atravessar livremente.

Mesmo no exterior da cidade era possível vê-la claramente em meio à noite, estava brilhando como o dia. Baelly parou de andar e virou-se para mim.

"Thomas, você sabe o caminho de volta para o esconderijo?" – perguntou enquanto se aproximava.

"Sim..." – afirmei meio que duvidosamente. "Acho que sim."

Baelly desviou seu corpo em direção à cidade e disse; "Preciso ir em casa, você consegue voltar sozinho?" – perguntou ao mesmo tempo em que se abaixava para pegar uma folha do chão. "Deixa para lá, não vou te abandonar assim." Nesse momento ela balançou a folha enquanto falava outro dos seus feitiços, estendeu a mão como quem fosse me entregar aquilo e continuou; "Espero que você entenda que só estou fazendo isso porque não estamos muito longe. Essa folha irá flutuar até o esconderijo, siga-a o mais rápido possível e você chegará em um instante.

"Mas e se eu me perder?" – questionei com um semblante preocupado.

"Você não vai se perder, é só seguir a folha." – ela apontou para o lado em que estávamos caminhando e prosseguiu; "É para lá que ela vai, quando eu soltá-la corra atrás dela, e por favor, não pare por nada e não fale com ninguém, entendeu?"

Não achei aquela situação muito favorável mas não tive opções a não ser fazer o que ela mandava. Em seguida ela soltou a folha e ficou parada olhando para mim; "Vá Thomas, não perca a folha de vista."

"Eu não te disse que não sou muito bom em correr?" – gritei enquanto seguia a folha. Um momento depois olhei para trás e Baelly já estava com sua aparência de fada novamente enquanto voava em direção à cidade. A folha flutuava como se estivesse sendo levada pelo vento e eu corria enquanto pensava nas razões que levaram Baelly a me abandonar em plena noite e em um lugar que eu não conhecia.

"O que ela foi fazer?"

Enquanto corria escutei algo se movendo do outro lado do rio, sem raciocinar direito parei para olhar o que era. Acabei esquecendo completamente da folha e ela continuou flutuando seguindo seu caminho. Já estava distante o suficiente da árvore Mooncie e também de Baelly, voltei-me para trás e não consegui ver nenhuma das duas então fui mais uma vez tentar enxergar o que estava na outra margem.

De repente a voz de uma criança ecoou da floresta; "Papai, papai! Olha só o que eu aprendi."

Em seguida senti minhas pernas fraquejarem e não pude evitar cair de joelhos em direção ao rio. A água calma aos poucos começou a congelar como se o inverno estivesse chegando, a imagem do garoto e de outras três pessoas começaram a se formar acima do gelo.

"Papai, mamãe, olhem isso!" - disse o garoto.

O garoto foi o primeiro a surgir completamente, tinha cabelos castanhos e olhos escuros como a noite, sua pele era pálida e ele tinha flocos de neve caindo de suas mãos. Ao seu lado surgiu uma garota com a mesma estatura física, os dois pareciam completamente idênticos tirando o fato de que os cabelos dela eram muito maiores, porém seus olhos expressavam a mesma intensidade de um preto fosco.

Atrás deles surgiram um homem e uma mulher sorrindo enquanto olhavam para as duas crianças, tive a leve impressão de já tê-los visto anteriormente e então, um sopro frio se passou acima do rio e os levou juntos como o vento de inverno arrastando a neve. Consegui me levantar e tentei seguir meu caminho de volta, agora sem a folha para me guiar talvez fosse mais difícil.

"O que foi aquilo?" – pensei.

"Mãe, cuidado!" – uma voz agora mais grave e familiar vindo do rio. Quando retornei meu olhar para a direção da voz deparei-me com a minha própria imagem, então aquela voz era mesmo minha. Foi tudo muito rápido, eu estava correndo em direção à aquela mesma mulher de anteriormente enquanto um homem desconhecido apontava para ela com seus cinco dedos da mão direita apontados para ela e com um livro aberto na mão esquerda. Em seguida espinhos de uma matéria obscura ergueram-se do chão e perfuraram todo o corpo daquela mulher.

Eu lembrei.

Era a minha mãe. Era a minha tentativa falha de salvar a vida da mulher que me deu vida.

Agora aquela visão estava exatamente igual a mim, caído de joelhos no chão. Sem expressão e sem entender os motivos que levaram aquele homem a cometer tal ação.

Lágrimas começaram a escorrer dos olhos do meu eu passado que se encontrava no rio congelado, porém ele, ou melhor, eu continuei sem reações e meu rosto sem expressões. Lembrei exatamente de tudo que aconteceu e de tudo que senti.

Aquele homem agora virava-se para mim com seu livro em mãos; "Não se preocupe garoto, isso irá acabar rápido para você também." Começou a ler coisas estranhas e eu, que estava de joelhos coloquei a mão na cabeça e caí no chão agonizando de dor.

A voz do homem parou. Ele também caiu no chão, sua cabeça bateu no solo e como se fosse gelo simplesmente quebrou em pedaços. Minha mãe estava completamente perfurada pelos espinhos, mas com sua mão estendida conseguiu aproveitar o pouco de vida que lhe restava para congelar aquele homem de dentro para fora.

"Meu garoto, por favor fique vivo." – ela disse isso enquanto perdia completamente sua força. Mesmo estando à beira da morte ela continuou se preocupando mais comigo do que consigo mesma. Aquele foi seu último suspiro, e novamente ela me deu a vida, só que dessa vez foi a vida dela.

Mesmo que aquele homem não tenha conseguido ler todo o feitiço alguma coisa aconteceu. Lembro de tudo começando a escurecer e de uma nova realidade começando a se formar, foi aí que a maldição se iniciou. Novamente um sopro frio passou acima do rio, assim levando as imagens juntamente com ele mais uma vez.

Tudo voltou ao normal. Ao que parecia o rio não havia congelado, eu ainda estava de joelhos e tudo aconteceu apenas em minha mente. Lembrei de todos os detalhes da minha infância e da minha vida antes de toda a confusão, ou ao menos isso era o que eu pensava.

"O que eu estou fazendo? Ainda tenho que voltar para o esconderijo." – pensei em voz alta. Levantei do chão e por sorte avistei uma ponte bem distante, talvez fosse aquela que ficava acima do esconderijo, então comecei a correr em direção a ela.

Subi o morro para chegar à ponte e encontrei os cipós que levavam para baixo, estava no lugar certo. Desci e finalmente cheguei onde já deveria estar. Bati na porta não houve resposta então achei melhor entrar. Jude já estava acordada e sentada à mesa com uma xícara em mãos tomando um líquido preto de cheiro forte.

Reparei que ela era muito diferente de mim, mas pelo que eu me lembrava ela era mesmo minha irmã. Talvez eu não tivesse envelhecido enquanto preso na maldição e ela sim. "Então isso faz da minha irmã mais nova uma irmã mais velha?" – pensei enquanto fechava a porta. "Ah, não importa."

Me aproximei dela, feliz por lembrar exatamente quem era e a cumprimentei com um sorriso de orelha a orelha; "Olá irmã, eu voltei. Eu literalmente voltei."

Foi então que ela levantou da cadeira com um olhar de assustada e deu dois passos para trás.

"Irmã? Desculpa, mas quem é você?"

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⏰ Última atualização: Jan 27, 2018 ⏰

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Thomas e a queda das estrelas (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora