2. Reencontro

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Eu já sabia que era Thiago antes de perguntar a Camila. Mas assim que ela confirmou o que eu já esperava, senti meu coração acelerar.

O garoto que estava ali, a poucos metros de mim, aparentemente se divertindo com amigos, talvez tomando um refrigerante e pensando em uma nova piada para contar ao grupo, havia sido meu melhor amigo a alguns anos atrás. Éramos realmente muito próximos, fomos criados juntos, nossas famílias costumavam sair de férias juntas e até passar datas comemorativas como uma só. Nossa preferida era o Natal.

Costumávamos nos ajudar, conversar sobre qualquer coisa. Na época, nem eu nem ele tínhamos muitos amigos, então era sempre só nós dois contra o mundo inteiro.

A razão pela qual uma amizade tão forte como a nossa acabou, eu não sei. Quer dizer, um pouco antes de eu me mudar para São Paulo, tivemos uma briga feia. Lembro que a minha partida era muito dolorosa e que eu não queria deixá-lo, estava muito triste e queria que prometêssemos um ao outro não perder o contato. Já até tinha falado isso para ele. Só que um dia depois, por algum motivo que eu não entendia, ele havia ficado muito bravo comigo.

Thiago disse que eu não conseguia ver as coisas como eram e que o tratava como um idiota. Eu perguntei do que ele estava falando e ainda disse que jamais o trataria como um idiota, que podíamos ter nossas brincadeiras, mas que nunca pensaria isso dele de verdade. Mas parece que ele ficava ainda mais bravo toda vez que eu falava algo.

Eu o deixei sozinho e voltei para minha casa. Passei aquela noite inteira pensando no que eu podia ter feito de errado, ou se algum mal-entendido tinha acontecido, mas não consegui pensar em nada que justificasse. No outro dia, mandei uma mensagem perguntando como ele estava. Thiago respondeu rápido, porém dizendo que estava muito magoado comigo e que a minha partida para São Paulo ia ser boa para nós dois.

E então além de triste, fiquei brava também. Pensei que talvez ele não fosse o amigo tão bom que eu pensava, Thiago conhecia todos os meus pensamentos, eu o ligava sempre que tinha algo de errado, foi para ele que liguei primeiro quando soube da mudança. Ele sabia que eu não queria ir, que estava mal por ter que morar em outra cidade.

A partir dali, não nos falamos mais. Mas no dia de minha partida, fiquei esperando que ele aparecesse para se despedir, estava tão triste que me alegraria até se fosse uma ligação, ou só uma mera mensagem. Algo que mostrasse que ele se importava comigo e com nossa amizade, que não estava mais bravo pelo o que quer que fosse, e que iríamos nos falar por Skype todos os dias em que eu estivesse em São Paulo, que iria tentar me visitar num fim de semana, talvez uma vez por mês. Não era tão longe assim, nossa amizade podia continuar, podíamos dar um jeito.

Mas ele não apareceu. Não ligou, nem mandou mensagem.

E hoje, no meu segundo dia de volta para o Rio de Janeiro, eu o havia encontrado e tudo o que eu podia pensar era em sair correndo dali, mas eu mal conseguia me mexer.

Até que senti um beliscão em meu braço.

- ALICE! - Camila praguejou alto, me assustei e até pensei que Thiago pudesse ter ouvido, mas ele não se virou. - Você o conhece?

Percebi que ela estava repetindo isso desde que comecei meu devaneio.

- Conheço quem?

Ela me olhou de cara feia. Camila era mais baixa do que eu e sua aparência era inofensiva, com os cachos loiros a deixando fofa, dei uma risada nervosa em vê-la quase brava.

Mas a risada nervosa era mais por rever Thiago mesmo.

- Thiago - ela disse. - Você perguntou dele e ficou parada olhando pro nada por longos minutos. O conhece?

Assenti com a cabeça, temerosa. Ela provavelmente perguntaria como, de onde e eu não sabia se queria responder.

- Isso é bom, não é? - Perguntou, voltando a ficar animada. - Você já conhece alguém, vai se sentir mais à vontade! - Ela realmente parecia muito com a minha mãe. Queria explicar que não era assim tão fácil e que até seria mais se eu não o conhecesse, mas ela não me deu tempo, simplesmente me pegou pelo braço e me arrastou até a mesa de seus amigos com um enorme sorriso no rosto obrigando minhas pernas a destravarem. - Oi pessoal - falou recebendo um coro de resposta enquanto eu olhava firmemente para o chão. - Essa é a Alice, minha nova amiga. Ela passou uns anos em São Paulo, mas agora voltou para ficar.

Nesse momento, eu tive que erguer a cabeça para olhar os rostos curiosos e percebi que fiz isso no mesmo instante que Thiago, que até então parecia distraído com o celular. Superando minhas próprias expectativas, dei um belo sorriso a ele e aos outros (dois caras e uma garota) os cumprimentando.

- Alice - Thiago pronunciou, como se tentasse se convencer de que eu estava mesmo ali. Parei para o observar. Ele estava tão diferente! Digo, sua aparência em si ainda era praticamente igual, ele havia crescido e estava mais forte, mas não tinha como não conhecer. Ele estava diferente no olhar, no jeito que se mexia e até em como disse meu nome. Tudo bem, ele havia crescido e amadurecido, assim como eu. - Você ... voltou?

Ele guardou o celular no bolso ignorando o fato de estar tocando baixo.

- Voltei - respondi apenas.

Mantivemos o olhar um no outro por alguns instantes. De repente, me lembrei de nossa briga e de como eu havia ficado triste por perder sua amizade e desviei o olhar.

- Eu soube que vocês se conhecem - Camila falou, para quebrar o gelo. Percebi que o garoto moreno pôs um dos braços em volta dos ombros da outra garota que estava ali. Eles eram um casal. O outro garoto que estava sentado ao lado de Thiago era ruivo e não parecia se importar com uma presença nova, continuou comendo seu xis. - Mas enfim, Alice, esse é João - falou indicando o garoto ruivo. - E esses são Arthur e Jéssica - ela disse indicando o casal. Arthur e Jéssica pareciam ser bastante simpáticos.

- Bem-vinda de volta - disse Jéssica, sorrindo para mim. Agradeci e retribuí o sorriso.

- Ei, João - começou Arthur -, cumprimentou a Alice?

Ele engoliu a comida em sua boca e deu um sorriso nervoso.

- Perdão - falou. - Oi, Alice.

João parecia ser bastante tímido, seu rosto estava corado realçando as sardas.

O celular de Thiago começou a tocar mais uma vez.

- Ah, parece que tenho que ir agora - ele disse, olhando o visor.

- Nicole está te chamando? - Arthur perguntou, em tom de deboche. - Diga a sua namorada que eu mandei um abraço.

- Ela não é minha namorada - Thiago disse, ríspido. Levantou da mesa e se virou pra mim dizendo: - Foi bom te ver, Ali.

E dando um sorriso meio torto, foi embora.

Imediatamente comecei a pensar em como o cabelo dele havia crescido e no quanto ele parecia um adulto. Ele ainda havia me chamado pelo apelido, ainda havia sorrido como sorria toda vez que nos despedíamos na porta de minha casa. E disse que foi bom me ver. Tinha sido mesmo? Com todas as coisas que o garoto havia me dito da última vez em que nos vimos anos atrás, era meio difícil acreditar.

Foi um reencontro estranho, pensei.

Camila e eu nos sentamos na mesa junto com seus amigos e eu suspirei ao imaginar que minha volta para o Rio de Janeiro podia não ser tão ruim assim.

No Olho do FuracãoOnde histórias criam vida. Descubra agora