A manhã estava abrasadora. Um pouco depois do meio-dia, Joana, estirada numa velha cadeira de vime da Ilha da Madeira que havia na cozinha, dormitava a sesta. Como madrugava muito, àquela hora da calma vinha-lhe sempre uma quebreira.
As janelas estavam cerradas ao sol faiscante; as panelas no lume faziam um rom-rom dormente; e toda a casa, muito silenciosa, parecia amodorrada no amolecimento do calor tórrido, quando Juliana entrou como uma rajada, atirou para o chão, furiosa, uma braçada de roupa suja, e gritou:
– Raios me partam se não há um escândalo nesta casa que vai tudo raso!
Joana deu um salto estremunhada.
– Quem quer as coisas em ordem olha por elas! – berrava a outra com os olhos injetados. – Não é estar todo o dia na sala a palrar com as visitas!
A cozinheira foi fechar a porta precipitadamente, já assustada.
– Que foi Sra. Juliana, que foi?
– Está com a mosca! Tem o sangue a ferver! Sangrias! Sangrias! Tem peguilhado por tudo! Não estou para a aturar, não estou!
E batia o pé com frenesi.
– Mas que foi? Que foi?
– Diz que os colarinhos tinham pouca goma; pôs-se a despropositar! Estou farta de a aturar! Estou farta! Estou até aqui! – bradava, puxando a pele engelhada da garganta. – Pois que me não faça sair de mim! Que me vou, pespego-lhe na cara por quê! Desde que aqui temos homem e pouca vergonha, boas noites!... Quem quiser que se meta em alhadas...
– Ó Sra. Juliana, pelo amor de Deus! Jesus! – E a Joana apertava a cabeça nas mãos. – Ai, se a senhora ouve!
– Que ouça, digo-lho na cara! Estou farta! Estou farta!
Mas, de repente, fez-se branca como a cal; caiu sobre a cadeira de vime com as duas mãos contra o coração, os olhos em alvo.
– Sra. Juliana! – gritou Joana. – Sra. Juliana! Fale!
Borrifou-a de água; sacudiu-a, ansiosamente.
– Nossa Senhora nos valha! Nossa Senhora nos valha! Está melhor? Fale!
Juliana deu um suspiro longo, de alívio, cerrou as pálpebras. E arquejava devagarinho, muito prostrada.
– Como se sente? Quer um caldinho? É fraqueza; há de ser fraqueza...
– Foi a pontada – murmurou Juliana.
Ai! aqueles frenesis matavam-na! dizia a cozinheira, remexendo-lhe o caldo, muito pálida também. – A gente tinha de aturar os amos! Que tomasse a sustância, que sossegasse!...
Naquele momento Luísa abriu a porta. Vinha em colete e saia branca.
Que barulho era aquele?
A Sra. Juliana, que lhe tinha dado uma coisa, quase desmaiara...
– Foi a pontada – balbuciou Juliana.
E erguendo-se, com um esforço:
– Se a senhora não precisa nada, vou ao médico...
– Vá, vá! – disse Luísa logo. E desceu.
Juliana pôs-se a tomar o seu caldo com um vagar moribundo. Joana consolava-a baixo: Também, a Sra. Juliana arrenegava-se por qualquer coisa. E quando a gente tem pouca saúde não há nada pior que enfrenesiar-se...
– É que não imagina! – e abafava a voz arregalando os olhos. – Tem estado de não se poder aturar! Está-se a vestir que nem para uma partida! Amarfanhou uns poucos de colares, atirou-os para o chão; que eu engomava que era uma porcaria; que não servia pra nada... Ai! Estou farta! – repetia. – Estou farta!
