1 - A primeira vez que o vi

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25-08-1969

Depois de longas férias maravilhosas, tinha chegado o dia de voltar às aulas. Eu estudava em um ex-colégio militar. Ele possuía muros enormes, muitas grades e portões, era um lugar frio e escuro. As janelas tinham grades grossas e quase todos os portões haviam cadeados. Os alunos eram obrigados a usar uniformes cinzas. As garotas usavam saias e meias até os joelhos, já os garotos usavam casaco e calça. Tudo era muito formal e rígido. Cantávamos o hino em fila, antes de ir para a sala de aula e devíamos total respeito aos mestres e diretores. Não podíamos chegar atrasados, nem esquecer qualquer parte do uniforme ou com certeza teríamos alguma punição.

Naquele lugar eu tinha um apelido, me chamavam de cabelo de palha ou simplesmente palha, tudo por causa dos meus cabelos que eram loiros e por sempre estarem bagunçados eram comparados com palhas desde o jardim de infância, isso era horrível e apesar de eu sempre os arrumar depois de crescida eles continuavam me chamando assim e eu odiava isso. As provocações só diminuíram depois que eu bati em um garoto um ano atrás por me chamar assim, ele acabou quebrando um dente e isso me acusou alguns problemas, como castigos severos. Depois disso novos apelidos surgiram como: monstruosa. Na verdade poucos tinham coragem de me chamar assim na cara dura, isso me causava um outro problema: não tinha amigos. Com essas atitudes as pessoas se afastavam de mim ainda mais. As garotas não gostavam de mim, mas eu também não gostava delas, sempre metidas, já os garotos também não gostavam, bom... Eles eram garotos. Argh!

Eu tinha prometido aos meus pais que não bateria mais em ninguém e como era do tipo sem paciência, engolia grosso para me controlar diante das provocações. Já fazia um ano que cumpria a minha promessa com muito esforço e pretendia continuar cumprindo, mas precisava aguentar muito e ficar quieta e por mais que eu me esforçasse, eu sabia que não aguentaria por muito mais tempo.

Meus pais também eram super esquisitos e isso também me custava a amizade das pessoas. Eu percebia que sempre comentavam sobre eles quando estavam comigo. Meu papà sempre me levava para o Colégio com o seu carro amarelo que saía ondas de fumaça, todos ficavam olhando e rindo, eu não dizia nada a ele porque não queria magoá-lo, pois apesar de ter outro carro aquele era o seu preferido. A minha vontade era de colocar um saco na cabeça para evitar ser reconhecida, mas me controlava. E para completar ainda mais a minha vergonha, ele estava sempre com as roupas e o cabelo sujos de tintas. Um dia ele esqueceu e foi com um avental de cozinha. Foi horrível! Seu cabelo era grande e na maioria das vezes amarrado; usava botas pretas. Era bem desajeitado.

Naquele dia, depois de cantarmos o hino, segui para a sala de aula e me sentei na última cadeira ao lado da janela, gostava de tomar ar quando estava irritada, me acalmava. Quando olhei para a mesa, logo notei um enorme nome escrito nela e este era: palha. Todos sabiam que aquela era a minha mesa e pelo visto aquela era a minha recepção, bem agradável por sinal.

Eram sempre os mesmos alunos desde o primário, já não aguentava mais ver seus rostos, dificilmente alguém entrava ou saía. Não sabia se suportaria por muito mais tempo ficar ali, só de pensar que faltavam muitos anos para me formar me dava náuseas.

Todos estavam contentes, contando uns aos outros sobre as férias, suas viagens e coisas do tipo. Eu estava quieta, não tinha viajado naquele verão, fiquei em casa ajudando meu pai com as pinturas, vendo filmes e lendo livros. Não era por falta de dinheiro, pois tínhamos ótimas condições financeiras, mas minha mãe estava sempre trabalhando e não podíamos deixá-la. Em meio a isso eu continuava tranquila até que um garoto me fitou e disse:

- E você Palha, foi para o estabulo visitar seus parentes?

Estreitei os olhos ao ouvir aquilo. Todos me olharam e começaram a rir. Naquele momento senti meu sangue queimando. Eu queria mostrar para ele o que ele merecia, mas eu tinha feito uma promessa. Eu tinha feito uma promessa! Cerrei os pulsos para me controlar, mas suas risadas começavam a me perturbar, parecia cada vez mais impossível me manter apática ao que estava ao meu redor. Eu não ia suportar. Minhas veias começavam a latejar. Aquilo não ia ficar assim! Levantei da cadeira com muita raiva, ele ia aprender a não mexer comigo. Ele já fazia uma cara de susto. Ótimo! Ele via o que o esperava. Eu ia em sua direção quando de repente a senhorita Beth adentrou a sala. Olhei para ela e fiquei onde estava. Fiz careta e voltei para o meu lugar e ele pôde respirar aliviado. Ele tinha se livrado dessa vez.

A senhorita Beth estava acompanhada de um garoto. Um garoto? Quem seria ele? Um aluno novo?

- Pessoal sentem-se - disse ela.

Todos rapidamente sentaram. Eu estava curiosa para saber quem era aquele garoto.

-... Este é Denny Griffthis, nosso novo colega.

Eu o observava. Ele era loiro, cabelo meio bagunçado. Aparentava ter a minha idade, descobri um tempo depois que ele era dois meses mais velho, mas ele era mais baixo do que eu e não se vestia muito bem. Seu uniforme estava amassado, a blusa estava parte dentro da calça e parte para fora dela; seu sapato estava sujo de barro. Não tinha uma ótima aparência.

- Quer falar alguma coisa para a classe Denny? - perguntou a senhorita.

- Não - respondeu ele rápido.

Primeiramente ele aparentava ser bem tranquilo e até tímido. Era uma surpresa, enfim um aluno novo. Depois de ser apresentado, a senhorita Beth pediu para que ele escolhesse um lugar e sentasse. A sala tinha vários lugares ainda desocupados.

- Escolha um lugar e sente-se, vamos começar a aula.

O novato começou a vir em minha direção e me olhava também. Por que? Achei desconfortável. Ele então escolheu um lugar do meu lado e sentou. Por que com tantos lugares vazios ele tinha que escolher sentar justo perto de mim? Decidi olhá-lo e ele também me olhou e sorrindo disse:

- Oi.

Arregalei os olhos. Ele tinha falado comigo? Por que um garoto falaria comigo? Era muito estranho. Eu não disse nada, simplesmente virei a cara. Um garoto nunca tinha falado comigo a não ser para me provocar. Será que eu estava mais bonita? Talvez fosse isso, mas não me importava, eu odiava garotos, todos eles.

Quando a aula chegou ao fim, papà já me esperava do lado de fora do Colégio para me levar para casa e quanto mais eu me aproximava dele, alguns alunos me olhavam torto. A maioria deles iam de ônibus ou sozinhos e eu também queria, talvez esse pudesse ser o fim o carro amarelo. Decidi naquele momento que falaria sobre isso com o meu pai.

Durante o caminho da escola para casa fiquei em silêncio, tinha que pensar em algo. Como eu pediria a ele? Precisava ser de um jeito que ele concordasse comigo, mas aquele ainda não era o momento certo.
Chegando em casa logo desci do carro. Meu papà entrou na garagem e eu fiquei do lado de fora esperando por ele. Algo estranho estava acontecendo na frente da minha casa, havia uma grande movimentação de pessoas e isso não era comum, muitos homens carregando móveis e caixas. Parecia uma mudança. Poderia ser uma mudança? Alguém estava mudando para a casa ao lado da minha? Já faziam cinco anos que ela estava vazia. Poderia alguém legal morar ali? Uma garota que pudesse ser minha amiga? Isso séria ótimo! Fiquei ansiosa para saber quem seriam os meus novos vizinhos. Decidi ficar ali por um tempo, apenas observando. De repente um carro preto chegou e parou em frente a casa ao lado. Fiquei atenta, pois era muito curiosa. Um homem e uma mulher saíram dele, ambos usavam roupas sofisticadas, pareciam ser pessoas chiques que nem se quer olharam para o lado. Não gostei deles. Minutos depois um garoto desceu do carro, ele aparentava ter uns treze anos, meus olhos logo se arregalaram. Minha nossa! Ele tinha os cabelos pretos e olhos claros, eu pude ver pelo brilho do sol que batia em seu rosto. Ele estava muito bem vestido. Ele... Ele era a imagem da perfeição. Olhos, boca, nariz... Eu nunca tinha visto alguém igual a ele, talvez nos filmes. Meus olhos estavam alucinados e eu estava intacta admirando a sua beleza. Era como se uma força me puxasse para ele e me tirasse do mundo real. Eu estava completamente fascinada. Nunca tinha visto alguém tão lindo diante dos meus olhos. Meu coração começou a bater rápido, estava agitado dentro do peito. Por que? Por que eu estava me sentindo assim? Eu nunca tinha sentido nada igual antes. Eu queria que parasse, mas eu queria olhá-lo. Então ele adentrou a casa e eu não pude mais vê-lo.

O Diário Secreto de Helen MontanariOnde histórias criam vida. Descubra agora