Capítulo 1

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Lá estava eu, jogado na cama enquanto discutia com Minhyuk se a Nancy Wheeler, daquela série norte-americana lá, Stranger Things, ficava melhor com o Jonathan Byers ou com o Steve Harrington.

Como sou alguém teimoso e com um senso de razão muito acima da maioria — e a maioria, digo, Lee Minhyuk —, poupei meus argumentos sonolentos contra os fajutos dele sobre como 'Stancy' era mil vezes melhor. Um grande NÃO. Ele já estava me dando nos nervos, e o sono que eu estava sentindo era muito maior do que a minha vontade de discutir o óbvio que Jonancy é claramente superior.

Deixei Minhyuk falando sozinho e saí do Kakao, desligando o celular e fechando meus olhos desacostumados com luz não-ultra-radioativa.

E aí meu estômago roncou.

— Mas nem fudendo... — resmunguei, brigando com meu estômago por produzir tanta grelina em tão pouco tempo.

O relógio marcava duas e meia da manhã de sábado. Lá fora, o som dos carros era alto e minha cortina permitia a entrada de brechas de luz do posto de gasolina (meu pequeno inferno pessoal) logo do outro lado da rua; um pouco depois de eu alugar este apartamento, a antiga 7-Eleven que nele havia foi substituída por um lindo, deslumbrante e capitalista McDonald's.

Eu não tenho dinheiro pra gastar com isso, mas meu subconsciente por alguma razão acha que sim.

Fui até a geladeira e a abri, esperando encontrar, no mínimo, uma lata de cerveja ou restos congelados de alguma comida deixada na páscoa pelos meus pais. Não tinha nada. Nadinha mesmo. Nem sequer um ovo pra poder fritar. Só podia ser coisa de algum diabrete pra atazanar meu juízo! Dei um suspiro tão, tão longo, que quase senti minhas costelas se retraindo. Então tive a ideia brilhante de sair enfiando a mão no bolso de cada moletom meu até encontrar minha bendita salvação: um cupom de desconto quase vencido pra um Extra Chicken, que fez meus olhos saltarem das órbitas e meu estômago sorrir como em comerciais de remédio.

E eu atravessei a rua saltitante com o cupom em mãos.

[ > ]

O McDonald's estava quase vazio, como esperado de um horário tão tarde: havia um grupo de amigos e uma garota no computador, achando que estava em um Cyber Café ou sei lá. No caixa, apenas um atendente.

Não, um atendente não. O atendente.

Ninguém nesse mundo fica bonito com o uniforme do McDonald's. É tipo, lei universal, senso comum. Mas essa criatura etérea, esse Jesus-Atendente, é a prova viva de que tudo na vida há suas exceções. Ele tinha cabelos cor-de-mel, olheiras e olhos sonolentos e cara amarrada de quem queria estar dormindo, além de lábios de coração e o bendito piercing na sobrancelha.

E enquanto eu andava na direção dele, com meu conjunto de moletom velho e chinelos cor de rosa, cheguei à conclusão que Deus realmente tem seus favoritos.

— Boa noite. Bem vindo ao McDonald's. Posso te oferecer a promoção do dia? — E ainda por cima a voz dele era grossa, rouca, do tipo que bate no seu ouvido e se dissemina nos nervos errados.

— B-Boa noite — pra mim, não tem nada mais clichê e ultrajante do que gaguejar numa primeira conversa. — Desculpa. Err, não precisa, obrigado. Eu tenho um cupom e... aqui.

Ele pegou o cupom da minha mão com um "licença" extremamente baixo.

— Seu cupom está vencido.

— Quê?!

— Vencido. Veja — ele se aproximou, colocando o dedo próximo à data de validade. — Aqui diz que venceu ontem.

Eu quase chorei.

— Não acredito que até nisso eu tenho má sorte...

— Eu não disse que não posso usá-lo, porém — ele deu um leve sorrisinho pra mim, e falou bem baixo: — Ouça, eu não deveria e nem podia fazer isso, mas como tem pouca gente por aqui e, ah, convenhamos, venceu ontem, são literalmente só horas atrás, eu vou, ok? Mas isso fica entre a gente. Nada de sair falando que o atendente da madrugada valida cupons vencidos.

Soltei uma risada que chamou atenção do grupo de meninos, e logo tapei a boca. O atendente — que descobri chamar Lim Changkyun, devido seu crachá — me olhou com divertimento. Ele demorou alguns minutinhos digitando no pequeno computador e eu só fiquei ali, olhando. A mania dele de passar a língua nos lábios estava me deixando um pouco desconcertado demais.

— Okay. Consegui. Vai pagar em dinheiro?

Dei todos os trocados e notas amassadas que me restavam a ele. Imediatamente, a nota fiscal saiu do caixa e ele me entregou, pedindo que eu esperasse alguns minutos. Ele sumiu por uma portinha e voltou com o saquinho de papel típico do McDonald's. Quando o olhei de novo, seus olhos pareciam menos cansados.

— Tá aqui. Volte sempre, hum-

— Yoo Kihyun.

— Yoo Kihyun. — Ah, que fofo. Eu preciso conseguir o número desse pitel. — Boa refeição. Lembre do que combinamos, ein?

— Eu que agradeço, Lim Changkyun. E pode deixar que não vou esquecer.

MCDONALD'S Onde histórias criam vida. Descubra agora