Sou Neurótico por pontualidade. Fiquei assim no Japão há mais de trinta anos atrás. De tanto ser empurrado por guardadores de gente usando luvas brancas no metro de Tokyo.
This is the Fareast Network Tokyo, a proud part of USA ARMY", anunciava o locutor no rádio, sintonizado na única estação que transmitia em
Inglês, no mesmo instante que tocou o interfone. Olhei o relógio: 7:30 em ponto. Estiquei-me na cama e sonolento, resultado de jet lag, atendi. Do outro lado uma voz suave, mas firme, falou em inglês com forte sotaque nipônico.
- Mario San, o senhor vai se atrasar
para a aula inaugural. Continua sendo um mistério para mim, passados trinta anos, como ela soube aquele dia que eu ainda estava dormindo.
De qualquer estava havendo um engano. As aulas estavam programadas, de acordo com a agenda recebida meses antes, para o dia 3 de abril, uma quinta-feira. E nas minhas contas estava sendo despertado na quarta-feira, dia 2.
Só nas minhas!
Explico.
Havia saído de Porto Alegre rumo a Tokio, via Nova York, na segunda-feira e pousei no JFK às 6:30 do dia seguinte, terça feira. Embarquei quase ao meio dia da terça em um voo non stop de 16 horas da Japan Airlines. Viajei o dia todo com sol a pino e cheguei em NARITA (Tokyo) ao cair da noite. Portanto, noite de terça-feira.
No saguão do desembarque internacional um japonês de luvas brancas, nenhum parentesco com o Mickey fora a estatura, estendia o mais alto possível uma placa onde li "Mr. Carballo"(sic).
- My name is Zé Mario, nice meet you! - Apresentei-me, empunhando minha mão direita para um caloroso aperto de mãos, julgando que a placa era uma vaga referência ao meu sobrenome, Carvalho. Fiquei aguardando a reciprocidade do "luvas branca" que não veio.
- Hai hai...Cavabo San! - saudou o japonês com um granido que me pareceu um cachorro rindo (se é que existe cão que ri). Baixou a placa e curvou-se três ou quatro vezes na minha frente. Senti que iria me incomodar com a pronúncia de meu sobrenome, além de não saber o que ele queria dizer com "San". Porém, percebi que aquele japonezinho estranho estava me reverenciando e muito disposto a me ajudar, apesar da barreira da língua. O japinha - já estava íntimo dele - me conduziu para fora do aeroporto onde outra cópia do Mickey de luvas brancas nos aguardava. Alguns movimentos de balanços de cabeça entre eles e logo entendi que era assim que eles se cumprimentavam. Mais higiênico, pensei, mas logo o meu bairrismo se superou: a saudação gaúcha me parece mais honesta, salvo ninguém lave as mãos!
Empurraram, minha bagagem e eu para dentro de um táxi branco e verde com espelhos retrovisores instalados lá na frente próximo aos faróis do carro.Estranho estes japoneses.
O motorista, também usando luvas brancas ajudou a me posicionar no táxi e só me largou 2 horas de trânsito intenso mais tarde em Hachioji, cidade de 500 mil habitantes a oeste de Tokyo, no centro de treinamento para alunos internacional JICA (Japan International Centre Agency).
Fui dormir, depois do check in, acreditando, como todo bom cristão e de resto toda a humanidade, que acordaria em uma quarta-feira. Teria assim, um dia de folga até o início do curso na quinta-feira.
Puro engano. Não levei em conta, por total ingenuidade, a diferença de fuso. Já era quinta-feira no Japão, quando a telefonista/recepcionista me ligou as 7:30 cravados.
Corri, me arrumei e desci para o Saguão. Olhei para a rua, onde um lindo dia de primavera e uma elegante senhora Japonesa na porta de um micro ônibus me esperava olhando para o pulso. Eram 7:58 no relógio no console frontal do micro ônibus, quando embarquei. Às 8:00 em ponto ele partiu. Foi o primeiro contato com meus colegas, em torno de 15, todos estrangeiros como eu, maioria da Ásia e África. Sul Americano, só eu. Estava começando a descobrir uma entidade totalmente nova para um brasileiro de 25 anos: a pontualidade. Havia saído da UFRGS, onde as aulas marcadas para 7:30 começavam, se começassem, diga-se, algo em torno de 7:40 e 7:50.
Foi obrigado a comprar um relógio com 3 ponteiros, aquele terceiro ( que anda rápido!!) que poucos sabem para que serve.
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DANDO A VOLTA POR BAIXO: Uma Corrida contra o tempo em busca da dignidade.
Historical FictionUm telefonema sábado de manhã poderia ser apenas um evento corriqueiro: um amigo convidando para um churrasco, um parente querendo notícias, ou até mesmo a portaria do condomínio avisando uma tele-entrega para o almoço. Porém, não há nada de corriq...