Se tudo o que você faz já está predeterminado por algo ou alguém, o que te torna, verdadeiramente, livre? Se suas ações são efeitos de uma causa a priori que você não tem controle, o que significa liberdade? Se você ficou curioso e quer demonstrar seu livre-arbítrio, leia este capítulo e descubra porque uma visão mais demorada na série Dark tem muito a nos ensinar sobre Filosofia. Leia apenas se já assistiu a série e ficou com a remota sensação de que tudo não poderia ser de outro jeito. Se a causa é a sua curiosidade, o efeito é o conhecimento.
Criada por Baran bo Odar e Jantje Friese, não demorou muito para a série Dark, a primeira série original alemã distribuída pelo serviço de streaming Netflix, atingir expressivo sucesso, principalmente entre os admiradores de ficção científica. Lançada mundialmente no dia 1º de dezembro de 2017 (e renovada no mesmo mês para uma segunda temporada), Dark apresenta para o grande público a sutileza das produções europeias, seja pelo ritmo lento ou pela diferente construção dos diálogos se comparada às produções americanas. Outro interessante diferencial da série talvez sejam o clima claustrofóbico, a belíssima fotografia, uso de ângulos de câmeras pouco convencionais e paleta de cores frias que nos transportam para a realidade dos personagens.
Já no início da trama, com uma citação de Albert Einstein (famoso pela sua Teoria da Relatividade e a noção de espaço-tempo), o roteiro nos apresenta ao tema chave da série, a viagem no tempo: "A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão". O desaparecimento de duas crianças na pequena cidade de Winden trás a tona as vidas duplas, relações fraturadas e o passado de quatro famílias, onde tudo está conectado e que as ações do futuro tem íntima ligação com o passado.
Na trama, subvertendo a noção de realidade paralela (muito comuns em filmes como De volta para o futuro e Exterminador do Futuro, em que o personagem volta ao passado e, assim, altera o seu futuro), o tempo nos é apresentado como algo contínuo e, até então, imutável. Um grande entrave para hipóteses de viagem no tempo é o chamado Paradoxo do Avô. Imagine a situação em que você viajasse no tempo e matasse seu avô. Com isso, sua mãe nunca nasceria, e nem você. Mas, se você nunca nascesse, seu avô não poderia ser assassinado por você e teria continuado vivo, podendo conhecer sua avó e, em certo momento, você nasceria, podendo regressar ao passado e matá-lo, e assim por diante. Tal argumento segue dando voltas num círculo que contradiz a si próprio. Parece impossível matar sem avô porque você existe para tentá-lo. Apresentado em muitas variantes, esse é o paradoxo clássico das viagens no tempo. Assassinatos à parte, uma versão mais leve do paradoxo seria a de construir uma máquina do tempo e voltar ao passado para destruí-la antes do momento de usá-la, de forma a impossibilitar a viagem de volta no tempo com o propósito de destruí-la.
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A Filosofia na Ficção Científica
Non-FictionQual a relação entre The Walking Dead, Dark, Star Wars, Stranger Things, Bob Esponja e os grandes filósofos? Neste pequeno ensaio, extraído de textos publicados pelo autor no portal da revista Obvious, são analisadas as séries e filmes sob a ótica d...