Domingo da Ressurreição,02 de abril

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Desde que Chininha veio passar as férias do Colégio na Chácara,
fingindo de santa para agradar a vovó, minha vida ficou um inferno. Na hora do terço, de noite, eu fico com tanta raiva e antipatia dela, que tenho sempre que levar o pecado ao confessionário. Quando nossas mães nos chamam para a reza, podemos estar no melhor do brinquedo, ela é a primeira que corre e cai de joelhos diante do oratório. Revira os olhos para Nossa Senhora, põe as mãos e


fica com a cara tão devota que a gente não pode deixar de pensar que é


fingimento; e eu estou ficando muito enjoada dela.


Quando ela veio de Montes Claros entrar para o Colégio, estava tão
mal-educada que mamãe nunca me deixava brincar com ela sozinha. Com um ano de Colégio voltou tão santa que as tias só falam na mudança; e quando alguém elogia, ela fica ainda mais antipática.
Ela se acostumou no Colégio a ficar ajoelhada muito tempo, e agora as


orações da noite são um suplício para nós todas as primas. Depois de termos rezado o terço e muitas orações, ela inventa ainda rezar por alma dos parentes que já morreram há muito tempo. Eu lhe disse que não acreditava que as orações servissem para tirar almas do purgatório e que ela faz isso para adular vovó. Ela foi contar e vovó disse que se admira de eu dizer estas coisas. Então eu disse: "Vovó, já tem tanto tempo que vovô, meus tios e esta gente toda morreu! Pois se eles estão esse tempão todo no purgatório, já devem estar acostumados, e não adianta a gente ficar até hoje rezando de joelhos tanto tempo, como Chininha quer". Vovó disse que ninguém se acostuma no


purgatório; que Chininha aprendeu com as irmãs a ficar santa e que eu só quero é trocar pernas e brincar.


Nunca passei um dia na minha vida tão enjoado como Sexta-feira da


Paixão. Chininha inventou que estava triste pela morte de Jesus Cristo e foi ler alto a Paixão para vovó, como se faz no Colégio, e nós todas tivemos de ficar escutando. Todos sabem que não sou nenhuma santa, mas quando estou no meio das outras que são como eu, ninguém nota. Vem agora esse inferno de fingimento para as tias notarem; mas vovó, graças a Deus, não deixa ninguém falar muito de mim.


Sexta-feira da Paixão foi dia de jejum de todos em casa. Eu sou infeliz nas


horas de sacrifício. Não gosto de fazer sacrifício. Como sabia que era obrigada, eu tive que jejuar. De manhã, às sete horas, só se toma uma xícara de água de saco, rala, que nada vale. Às dez horas, almoço: bacalhau com abóbora, feijão e angu: coisas que a gente só come para mexer mais com a fome. Durante o dia a mesma água de café, fraca. Jantar às quatro horas e mais nada.


Se não fosse Dindinha ter mandado cozinhar um tacho grande de milho


verde para o jantar, eu penso que iria até o fim do dia com o jejum. Mas o


demônio entrou no tacho de milho e me tentou. Logo planejei uma coisa


malfeita. Pensei: "Vou comer uma espiga, escondida, e depois conto ao padre o pecado". Tirei o milho e fui comer atrás da Igreja do Rosário. Chininha, dando falta de mim, foi atrás e veio correndo dizer a vovó que eu tinha perdido as indulgências. Contou a história e ficou desapontada porque vovó respondeu: "Coitadinha, ela estava com fome. Não faz mal, Chininha, ela ganha as indulgências de outra vez".


Eu, quando soube, me vinguei dela, porque comi mais duas espigas e ela


olhando e morrendo de inveja. Bem feito!

minha vida de meninaOnde histórias criam vida. Descubra agora