Sábado,25 de fevereiro

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Hoje tive o maior espanto de minha vida. Vovó, todos os sábados, manda
um de meus irmãos ao Palácio, que é perto da Chácara, trocar uma nota em borrusquês1 do Bispo. Põe tudo numa caixa de papelão e fica sentada na sala de jantar, à espera das pobres dela. A cada uma dá um borrusquê novo de duzentos réis. São elas Chichi Bombom, Frutuosa Pau de Sebo, Teresa Doida, Aninha Tico-Tico, Carlota Pistola, Carlota Bostadanta, Teresa Busca-Pé, Eufrásia
Boaventura, Maria Pipoca e Siá Fortunata. Estas são as que entram, sentam com vovó na sala de jantar e contam suas misérias. Ainda há os pobres que ficam no corredor e na porta da rua. Vovó diz que quem dá aos pobres empresta a Deus. Ela já deve ter no céu um dinheirão guardado, pois empresta tanto!
Eu sempre fico por perto ouvindo as queixas, disfarçando com um
exercício em cima da mesa, porque acho graça na briga delas, quando querem ganhar dois borrusquês em vez de um. Hoje, depois que vovó deu às outras o seu borrusquê, tirou dois e deu a Siá Fortunata, mãe de Bertolino. “Dê às outras, Dona Teodora; eu hoje vim só visitar a senhora. Não preciso mais, graças a
Deus. Daqui a pouco eu também poderei dar esmolas.” Vovó lhe perguntou: “Tirou a sorte Fortunata?”. Ela respondeu: “É o mesmo que ter tirado, Dona
Teodora. Meu filho, graças a Deus, achou um protetor”. Vovó não disse nada e deu os borrusquês dela às outras.
Quando elas saíram, vovó exclamou: “Forte coisa!” e chamou Dindinha:
“Ó Chiquinha, chega aqui! Eu estou tão pasma que nem posso me levantar”. Eu, vendo que havia novidade, fiquei de ouvido alerta, escutando disfarçada, por que vovó não gosta de falar as coisas na nossa vista. Ela disse: “É verdade mesmo,
Chiquinha, o que andam falando por aí?”. E contou a Dindinha a resposta de Siá Fortunata, acrescentando: “Que louca de falar assim! Também aqui não há polícia para estas coisas”. Nesse momento eu pedi: “Vovó, me conte por que é que a senhora está tão espantada. Eu estou tão curiosa!”. Ela disse: “Não é assunto para meninas. Vá estudar”. Eu, ardendo de curiosidade, pedi de novo, pelo amor de Deus, que me contasse. Ela então contou: “Você não ouviu falar
nessa história de três moços que andaram por aí, com notas falsas, e quando veio a ordem de prisão, dois fugiram alta noite e um deles, chamado Floriano, matou-se? Estão dizendo que os que fugiram foram levados para uma fazenda na Mata do Rio pelo Bertolino, que recebeu muita nota falsa. Dizem que ele andou passando as notas pelo caminho e ainda trouxe para passar aqui no
barracão2 aos tropeiros, coitados. Eu não estava acreditando, porque aqui se fala muito da vida alheia. Mas agora a mãe dele mesmo está dizendo, e assim a gente tem de acreditar. E virando para a Dindinha disse: “Agora é preciso você tomar cuidado e não aceitar nota nova”.

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