Viver vs Sobreviver

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Olho para tudo o que me rodeia. As pessoas, as plantas, as estradas, os carros, o céu, o passeio,... Tanta coisa, e mesmo assim não vejo nada. Vejo rostos pálidos cerrados, frios. Rostos dignos de estátuas, com faces simétricas e bocas cerradas, o nariz para cima e os olhos fechados.
Eu, eu não vejo. Eu tenho os olhos abertos mas só vejo nada. E eles de olhos fechados veem tudo, menos o que importa.
Porquê andar de olhos abertos se tudo o que vejo me cega? Não faz sentido. Por isso, desisto da visão. Para quê ver, se mesmo vendo não vejo.
Oiço tudo, o som dos carros, das pessoas, dos pássaros, do vento, dos aviões. Mas para quê ouvir se não vou escutar, para quê gastar a voz. Olho para as pessoas, todas a ouvir música sem notar no que está à sua volta. Todos a sorrir sinistramente. Sem ouvir o som melódico e  assustador da vida.
Não consigo escutar, tento mas só oiço os gritos de alguém bem no fundo do meu ser, alguém perdido, uma inocente, que foi massacrada neste mundo de pedra. Por isso, desisti da audição. Não quero escutar os meus maiores medos serem sussurrados ao meu ouvido.
E sabem que mais? Desisto de tudo. Desisto de ver, ouvir, saborear,cheirar, sentir... Desisto de ser.
Para quê ser, se nunca sou suficiente. Para quê ser se como eu sou é errado. Para quê? Expliquem-me porque tudo o que eu sei é que neste mundo a empatia é substituída pela apatia, o amor pelo ódio, o viver pelo sobreviver.
Eu estou aqui para marcar o ponto. E no dia de ser despedida, quando o meu contrato acabar não sei o que vou sentir, se alívio, se tristeza, se saudade, se arrependimento ou simplesmente se vou cumprimentar aquele que me julga e continuo para o destino que foi escrito. Contudo, acredito que não vou sentir nada. Já desisti de sentir porque não desistir de viver? Porquê? Para quê? Para viver mais um dia em agonia? Para tentar e falhar outra e outra vez.... E outra vez e outra vez e outra vez e, e mais mil vezes?
Olho para tudo o que me rodeia. As pessoas, as plantas, as estradas, os carros, o céu, o passeio,... Tanta coisa, e mesmo assim não vejo nada. E assim vivo, com receio de morrer, e com terror de sobreviver. Eu quero... Tudo o que eu quero é: VIVER.

Unconscious daydreamsWhere stories live. Discover now