1- Pesadelo

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Oliver abriu os olhos e demorou alguns segundos para conseguir focar a visão. A primeira coisa que percebeu foi o cheiro de terra misturado à alguma outra coisa...sangue?Sentia-se zonzo demais, ainda sob o efeito da droga com que fora dopado. Lembrava-se agora do dardo que o atingira.

-" Onde estamos, Oliver?"

O desespero apoderou-se dele, ao seguir a voz com os olhos e ver sua amada Yolanda encolhida num canto da sala úmida.

"Não!!! Ela havia sido raptada também?"

- " Você está bem?"- Tentou levantar-se, mas caiu novamente. Seus membros ainda estavam adormecidos, os reflexos lentos demais. Não estava totalmente consciente, mas lutava para entender que lugar era aquele. Por quanto tempo tinha dormido?

- " Oliver, estamos trancados aqui...não há por onde sair. Eu lutei e gritei, mas eles arrastaram você enquanto eu gritava e não fui forte o bastante...desculpe..."- ela estava chorando. Ele nunca a tinha visto chorar. Ela parecia em choque e apavorada, agachada próxima a uma parede úmida.

Ele olhou para cima. Viu uma nesga do céu além das barras de ferro que tampavam a saída. Estavam numa espécie de buraco cavado uns cinco metros sob o solo. Pelo cheiro ainda estavam na mata, mas podia ouvir o barulho de carros numa rodovia próxima. Aquilo poderia ser uma antiga fossa? O salão circular não tinha mais do que dois metros de diâmetro. 

De repente, a verdade surgiu, assustadora em sua mente.

-" Yolanda, você tem que ficar longe de mim. 

- " Do que está falando, Oliver? Estamos presos aqui e já é quase noite..."- Seus grandes olhos negros arregalados de pavor. Ela sabia o que estava para acontecer. 

-" Não! Não pode ser....- ele correu para as paredes, esmurrando-as, procurando uma saída. Tentou escalar a parede, mas havia pouco onde se agarrar. Tinha que chegar à borda e empurrar a grade. Tinha que conseguir.

Reuniu toda a força que ainda lhe restava mas apesar de alcançar mais ou menos a metade da distância que o separava da liberdade, caiu novamente, com um barulho horrível. Seu corpo chocando-se violentamente com o solo.

Estava sem fôlego, dolorido, mas não podia ser fraco. Não agora. Ainda não sabia se controlar. Quando a hora chegasse, não teria nenhuma consciência humana e nada o impediria de atacar a mulher que amava. Freneticamente, ele tentou mais uma vez. Estavam ficando sem tempo.

Yolanda sabia o que significava estar ao lado de um jovem lobo sem controle. Vira muitas cicatrizes e corpos desfigurados ao longo da vida. Sabia que as noites das primeiras mutações eram das bestas e o melhor era proteger-se longe delas e da mata.  Assim os mais velhos haviam ensinado. Assim tinham sido instruídos, mas ninguém a havia preparado para aquela situação.

-" Vamos morrer aqui"- ela sussurrou entre lágrimas.

- " Não...não....!!!!"- quanto mais descontrolado ele ficava, mais devastadora seria a mutação.

Um vulto observou-os lá de cima. Ambos gritaram por socorro. Em resposta apenas uma gargalhada.

- "Quanto restará de sua noiva amanhã, cachorrinho? Vou gostar de assistir isso..."

Finalmente, ele entendeu. Haviam sido colocados ali com aquele propósito. Não haveria como escapar de seu destino e aquele acontecimento destruiria a ambos. Quem poderia ser tão cruel?

Oliver correu, chocando-se contra as paredes. Talvez se estivesse muito ferido ou inconsciente aquilo não acontecesse. Talvez fosse só um pesadelo. Se os deuses tivessem piedade, ele a manteria salva. Urrou, de ódio e desespero, batendo a cabeça violentamente. 

Yolanda levantou-se e correu para ele, impedindo-o de continuar. Segurou seu rosto ensanguentado entre suas mãos, aos prantos.

- " Não faça isso, meu amor. Se o nosso destino estiver escrito, Oliver, se assim for, saiba que eu o amo e o perdoo. Vou amá-lo para sempre.

- " Se eu estiver morto, Yolanda, você estará salva...eu preciso..."

- " Nenhum de nós estará salvo amanhã pela manhã"- Apontou para cima, na direção da criatura que os olhava- " Ambos morreremos aqui...ninguém da vila sabe onde estamos e aquele homem nunca nos deixará partir. Estamos condenados, não importa o que você faça...e temos muito pouco tempo agora...."

A lua já estava alta. O luar iluminava parcialmente o lugar em que estavam. Um grito selvagem escapou de sua garganta quando as contrações começaram. Oliver tinha todo o corpo sacudido por espasmos horríveis. A pele dolorosamente rasgando-se enquanto o lobo surgia de dentro de si.

Ela se afastou, murmurando uma oração para seus deuses, tentando manter-se o mais longe possível das garras do licantropo, mas sabia que ali seria seu fim.


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No dia seguinte e nos dias que vieram depois, Oliver não conseguia tirar o sabor do sangue da boca. Ele sabia que havia devorado sua vísceras mesmo antes de olhar para seu corpo despedaçado. Sentia o cheiro do sangue enquanto gritava, durante todo o dia, em choque. Seu captor o abandonara ali, com o cadáver putrefato de sua linda e jovem noiva. Oliver definhava ao seu lado.Toda noite em que se tornava um monstro, esperava que fosse a última, enfraquecido e sendo consumido pela dor e pela culpa.

No primeiro dia da lua minguante, as meninas encontraram o buraco e aventuraram-se a olhar para dentro.

Os sete dias tinham parecido sete anos.

Sete dias até que aqueles homens o resgatassem, improvisando um salvamento com cordas. Não estivera totalmente consciente durante esse processo. Debilitado pelo jejum prolongado, desidratado, só mantivera-se vivo graças à descomunal resistência lupina. E ao fato de ter se alimentado de Yolanda.

E esse pesadelo se repetia incessantemente em sua cabeça delirante.

Na companhia dos lobosOnde histórias criam vida. Descubra agora