2- A canção do lobo

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Eu vivo na fazenda Monte Sul desde sempre. Somos uma pequena comunidade agrícola bem peculiar. As crianças tem permissão de irem apenas até os limites da propriedade, mas sou uma jovem adulta com meus quatorze anos e não obedeço mais à essas proibições.

Arrastar Maia e Agnes comigo era comum. Toda vez que escapávamos das obrigações que Vovó Nana ou Vovô Lucius nos davam, era como se nos sentíssemos aventureiras e desbravadoras da natureza. Claro que para Agnes isso tinha um significado diferente...ela estava mais próxima dos animais do que nós e era mesmo mais atlética e aventureira.

Maia nunca tinha dito nada a respeito, mas eu invejava a condição de Agnes e do meu irmão, Diego. Eles eram fortes e rápidos. Eram a nova geração, enquanto eu e Maia, no máximo seguiríamos os passos de Nana e cuidaríamos da casa comunitária.

Foi Agnes quem sentiu o cheiro primeiro. Seus sentidos eram melhores do que os meus. Quando encontramos o buraco de onde saía o fedor, elas correram de volta à fazenda para avisar aos homens que tínhamos encontrado gente morta.

Eu, no entanto, fiquei ajoelhada ao lado do buraco. Tinha um rapaz lá. Ele estava vivo....eu podia sentir. Chamei algumas vezes, e ele moveu-se. Eu não tinha imaginado...ele realmente estava vivo! Eu senti que algo muito muito ruim estava acontecendo ali. Não tinha como tocá-lo, mas vovó tinha me dito há alguns anos que minha voz podia fazer coisas extraordinárias. E eu estava estudando bastante para ser como meu pai um dia. 

Não sei bem no que estava pensando, mas comecei a cantar a canção que ouvia quando era pequena, que as mulheres cantavam na colheita. Queria que ele se sentisse calmo e soubesse que cuidaríamos dele.

Quando coloco aquela energia na voz, sinto que é algo maior do que eu. O ar se agita um pouco, parece ter eletricidade à minha volta. 

" Sonhe um sonho na escuridão, pois ao bater seu coração 

encontrará a paz que só a Deusa traz

Corra, corra na escuridão, a lua ilumina seu coração

e mostra o caminho, nunca estará sozinho

Pois sou eu quem segura a sua mão

e no silêncio da oração

encontrará a luz 

que agora te conduz"

Um arrepio percorreu meu corpo enquanto entoava as notas da ladainha, direcionando todo o sentimento que consegui para aquela pobre alma torturada lá embaixo. Tive a impressão de que o ouvi chorar.



Na companhia dos lobosOnde histórias criam vida. Descubra agora